O MACHISMO, O OPORTUNISMO E A HIPOCRISIA.
Por Abdon Marinho.
REPERCUTIU com intensidade a “brincadeira” de um grupo de brasileiros na Rússia, por ocasião da Copa do Mundo da FIFA. Os “gajos” tomados, é fato, por indesculpável grosseria, à guisa de pilhéria, faziam uma cidadã daquele país – que tão bem recebeu a todos por conta do evento –, a repetir, como se fosse “engraçado” vocábulos chulos e pornográficos na língua de Camões.
E a moça estava lá, a repetir os tais termos sem conhecê-los para o deleite dos maus educados.
Embora esse tipo de “brincadeira” seja mais antiga que os escritos de Matusalém, vamos combinar, que esse tipo de coisa não comporta mais nos dias atuais, sobretudo, quando sabemos – e demos lutar por ela –, que deve existir igualdade e respeito entre os gêneros. Na verdade entre todos os seres humanos.
Fica mais grave ainda a conduta dos brasileiros quando sabemos da forma machista com que são tratadas as mulheres na sociedade russa.
Os brasileiros podiam ter abstido de darem sua “contribuição” à forma humilhante de que já padecem as mulheres e as minorias naquela nação.
Ora, qualquer um sabe que os que foram à Rússia acompanhar os jogos da copa ou só mesmo fazer turismo por ocasião de tal evento, acredita-se, possuam nível educacional acima dos demais cidadãos que estão ralando no dia a dia para sobreviver.
Mas, dito isso, e registrada a desaprovação à má conduta dos nossos patrícios, devo reconhecer que tem havido da parte de muitos (e muitas) supostamente defensores dos direitos da mulheres e minorias, um certo oportunismo na exploração do assunto. Vou além, oportunismo e hipocrisia.
Li manifestações e notas de repúdio de muitas entidades, coletivos femininos e até partidos políticos, onde só faltam pedir degredo eterno ou pena de morte para aqueles “imaturos” e grosseiros brasileiros. Soube, até, que uma ex-presidente da República se manifestou, a respeito do fato.
E por que digo que – embora justas –, estes atos de indignação são oportunistas e hipócritas?
Simples, uma ligeira busca no Google, encontrei as seguintes letras do “novo” cancioneiro nacional, que recomendo a leitura apenas por pessoas “fortes” e que retirem as crianças da sala antes de lê-las.
“A novinha não me quer, só que eu vim da roça. Roça, roça o peru nela que ela gosta”. MC Brinquedo.
“Tava na rua fumando um baseado, chegou a novinha e pediu pra dar uns trago. Eu falei assim, Dá a buceta pra mim, o cu e fuma o beque todo”. MC Pikachu.
“A novinha fica de quatro que eu vou te tacar o peru. Vou da choque no cu, vou dá cu, ah, meu nome é Pikachu”. MC Pikachu.
“Novinha, tu é sensacional. Tá diferente demais, cai com a boceta pra frente, cai com a boceta pra trás”. MC Pedrinho.
“Tua boca secou, você tá com calor, minha piroca vai te refrescar”. MC Pedrinho.
“Se é matemática eu vou te explicar, se é porcentagem o R& vai ensinar, se é porcentagem o R7 vai te ensinar, 40% horas, 60 pra tu sentar”. MC Pedrinho.
“No pau, senta com o popô no pau, fica com o popô no pau, desce com o popô no pau. Vou empurrar, vou empurrar no popozão”. MC Boladinho.
Estas letras são de meninos, quase crianças. Mas as meninas têm, também, sua participação:
“Na pegada da Mary o que os menino estão fazendo. Tão virando a noite e o baile enlouquecendo. Putaria rola solta e pique o tempo voa, vou sentando assim de boa, vou sentando assim de boa”. MC Mary.
“Espelho, espelho meu, espelho, espelho meu, será que alguém senta melhor do que eu.
Vou rebolando por baixo e sentando por cima, que ver se tua aguenta a pegada da menina”. MC Pikena.
Estas e tantas outras letras de músicas são cantadas e animam os bailes nas periferias das grandes cidades.
Não me recordo de ouvido, visto ou lido qualquer manifestação destes mesmos que tanto protestaram a respeito do mau comportamento dos brasileiros na Rússia a respeito de tais letras ou músicas. Acredito, que, em nome da “liberdade artística”, sejam seus maiores defensores e incentivadores.
E vou além, as letras das músicas das meninas talvez sejam vistas como “empoderamento” feminino para usar um termo do momento.
Li que alguém se sentira enojada com tal “brincadeira” dos brasileiros, pois, na sua visão, aquela moça inocente estava reduzida ao seu órgão sexual e nada mais; aquela moça no entendimento destes era tão somente a “buceta rosa” que os marmanjos grosseiros a fizeram repetir para o deite insano dos mesmos.
Mas o que dizer destas letras musicais cantadas e repetidas à exaustão nos nossos bailes? As “novinhas” que tanto repetem nestas músicas são, na verdade, crianças de tenra idade, ou mal saídas da puberdade. Detalhe, estes autores, também, são crianças.
As letras são, por demais, explícitas para comportarem quaisquer outras interpretações que não as contidas em todos os seus termos.
Apesar disso, nunca soube de qualquer manifestação de repúdio ou trabalho educacional voltados à redução da sexualização infantil, para o combate a gravidez na infância e adolescência. Sempre vi, pelo fora os discursos todos em sentido contrário, pregando a ampla total e irrestrita liberalização das práticas sexuais, sem a preocupação de saber se estas crianças e jovens têm o discernimento de saberem o que querem da vida.
Estes valentes defensores das mulheres e das minorias que se escandalizaram com a tal “brincadeira” sem graça, repita-se, dos dos brasileiros na Rússia, são os mesmos que nada disseram quando o ex-presidente Lula convocou o seu “exército” de mulheres do “grelo” duro para o e enfrentamento nas ruas dos seus críticos; ou quando insinuou (na verdade afirmou) a incontida felicidade uma secretária do seu instituto por ocasião de busca e apreensão determinada pela Justiça, sugerindo uma possibilidade de estupro.
E nem falemos na famosa rodovia “transviadônica” proposta anos atrás, que supostamente ligaria Pelotas no Rio Grande do Sul a Campinas em São Paulo.
Não duvido que devamos recriminar e repudiar o mau comportamento daqueles cidadãos, mas muitos dos que se arvoram no direto de criticar e pedir punições por tais transgressões são os mesmos que emudecem quando a crítica ou recriminações deva recair sobre seus aliados políticos.
Alguém já os ouvir, em seis décadas, criticarem o regime cubano pela repressão aos homossexuais, naquele país, embora sabendo que muitos foram mortos por sua condição sexual? Ou protestarem contra a prisão das “damas de Branco”, no mesmo país por crime de opinião? Não faz muito tempo – e registrei aqui –, diversas cidadãs cubanas foram presas ou detidas simplesmente por protestarem. Na verdade por estarem juntas num mesmo lugar vestidas de branco.
Os valentes e indignados cidadãos nada tinham a dizer sobre isso – e nada disseram.
Alguém já os ouvi criticar as mesmas práticas contra mulheres ou minorias na Venezuela, na Coreia do Norte ou na China?
Nada, em relação à Venezuela, estavam lá prestando continência ou adulando o ditador Maduro quando este, em palanque público agredia verbalmente o adversário chamando-o de veado.
Alguém já os ouviu criticar ou protestar contra a violência do Hamas contra minorias na Faixa de Gaza ou na Palestina? Quantos cidadãos não foram eliminados, inclusive companheiros de armas, pelo delito de ser “gay”?
Agora que a Rússia “está na moda”, alguém já os ouviu criticarem o governo Putin pela repressão sem tréguas e até incentivada aos homossexuais, onde estes, sequer, têm sua existência reconhecida e não podem se manifestar ou mesmo portar publicamente uma bandeira do movimento gay?
Já disse outras vezes e volto a repetir: muitos do vemos por aí só conhecem a causa das conveniências. Suas “preocupações” não são com as vítimas das diversas modalidades de violências, mas com os que perpetraram as condutas infamantes. Se estes forem seus aliados políticos, tudo podem; se adversários, merecem o fogo eterno do inferno.
Abdon Marinho é advogado.