A VERDADE NÃO TEM LADO.
Por Abdon Marinho.
PARECE incrível que uma assertiva tão singela quanto à contida no título deste texto adquira por estas terras ares tão dramáticos.
E isso não é de hoje, o padre Antônio Vieira, há mais de trezentos anos, já dizia que no Maranhão até os céus mentem – esta citação de Vieira, registre-se, é indireta e aparece no sermão da Quinta Dominga da Quaresma, de 1654.
Sábio Vieira que com a mais arguta vista já detectava o problema que iria acompanhar a vida do maranhense para todo o sempre.
É neste Maranhão, 354 anos depois – em que a mentira parece soberana e se ocupa da vida das pessoas –, onde viceja a ideia de que a verdade tem lado. Ou, dito de outro modo, a verdade é aquela versão que os “lados” desejam que seja.
Um fato recente da politica local reflete bem esse desmerecer da verdade. Falo da decretação da inelegibilidade do governador do estado e mais três pessoas por suposta infringência a legislação eleitoral, ocorrida na eleição municipal de Coroatá, ainda em 2016.
Esta é uma situação objetiva. Há um decreto judicial afirmando que estas pessoas estão inelegíveis pelo prazo de 08 (oito) anos, contados da eleição de 2016.
Pois bem, para esta situação objetiva temos dois tratamentos e comportamento dos “interessados”.
O lado dos governistas agindo e dando mostras de que nada ocorreu, dizendo que a “sentença” da magistrada é “fake” – que nada mais é que um novo nome para velha mentira –, desmerecendo o trabalho da juíza e atentando contra sua reputação através de diversos meios de comunicação.
E, para “provar” que nada disso “existe” informam o registro da candidatura da chapa governista, como prova.
Através destes e de outros expedientes – menos republicanos –, tentam causar embaraços a atividade judicante da magistrada e dos demais magistrados que deverão conhecer e se manifestar sobre a matéria.
Já do outro lado, dos opositores, a sentença de primeira instância foi e é “vendida” como definitiva, imutável, a derradeira pá de cal na carreira politica do governador.
Como podemos constatar, o que temos nos comportamentos e noticias de ambos os lados é que “não existe verdade”, mas a verdade de cada um.
De dentro de suas “bolhas” ideológicas e/ou sectárias, remunerados ou não, passam os dias discutindo e difundindo “suas verdades” através dos seus veículos de comunicação e redes sociais.
O pior é que estas meias verdades – que equivalem a mentiras inteiras –, acabam por “contaminar” quase todos e assim vemos pessoas e veículos de comunicação tidos por sérios que deveriam ter o compromisso com a informação correta e esclarecer os cidadãos sobre fatos ocorridos, “venderem” as verdades do “seu lado”.
No caso específico, a verdade é cristalina.
A juíza da primeira instância da justiça eleitoral tornou inelegível o governador e mais três pessoas por suposto abuso cometido na eleição de 2016. Ponto.
A decisão segue a orientação da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral e do Tribunal Regional Eleitoral, as quais entendem que todos que concorreram com a conduta inquinada como ilegal devem integrar o polo passivo do processo e, conforme seja, sofrerem as consequências dos seus atos.
A ação foi proposta contra o governador, secretários, o candidato a prefeito e vice por esse impositivo legal.
A juíza ao julgar a demanda entendeu de excluir um dos demandados, mas julgar procedente contra os demais, condenando o governador e o então secretário à inelegibilidade e multa; e o prefeito e vice, a inelegibilidade, multa e perda do mandato. Ponto.
Assim, não passa de tolice dizerem que a juíza não poderia declarar a inelegibilidade do governador e do ex-secretário. Pois é, tanto pode, que declarou.
Essa declaração, entretanto, não tem o condão de impedir o registro dos candidatos ou que façam suas campanhas, como tentaram fazer acreditar, ao informarem que iriam registrar a candidatura no dia seguinte – como de fato fizeram –, como se dissessem: “viram? Está tudo tranquilo, tanto que registramos a candidatura e estamos em campanha.
Quem conhece um pouco das coisas fica com a impressão que querem “enganar” os cidadãos com esse estratagema.
Isso porque nos termos da Lei Complementar n.º 64/1990, são inelegíveis: “d) os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)”.
Ora, mas qual a importância deste decreto de inelegibilidade? A simples decretação de inelegibilidade de um governador, por si, já é importante.
Ademais, se essa inelegibilidade for julgada e confirmada em segunda instância ainda no curso do atual processo eleitoral, ou seja, antes da diplomação dos eleitos (caso sejam), pode levar a perda do mandato por conta do que se chama de “inelegibilidade superveniente”.
Disse “pode” uma vez que depende uma ação da parte de qualquer candidato, partido politico, coligação ou do Ministério Público Eleitoral arguindo essa inelegibilidade.
Assim, não faz sentido tratar como desimportante ou imaginar que a decretação de inelegibilidade não tem relevância para estas eleições ou para a política maranhense.
Primeiro, porque o processo que pode ser julgado pelo TRE ainda no curso deste período eleitoral, confirmando a inelegibilidade – aliás, não tem razão para que não seja.
Segundo, porque ainda que julgado fora deste período eleitoral e não possa ser suscitada a inelegibilidade superveniente, não havendo a reversão da decisão, caso confirmada, inviabiliza futuros projetos políticos do governador que tem sonhos bem maiores.
Concluindo, embora o revés sofrido pelo governador e por outros três aliados não seja a pá de cal festejada e “vendida” por seus adversários, tão pouco, como quer fazer ele e os seus é um fato sem importância que deva ser ignorado, pelas razões que esclarecemos acima.
Esta é a verdade e ela não tem lado.
Abdon Marinho é advogado.