AS EXCELÊNCIAS DE COSTAS PARA A PÁTRIA.
Por Abdon Marinho.
CERTO e esperado como são as chuvas de verão, o presidente da República, Michel Temer, sancionou o aumento de 16,38% para os ministros do Supremo Tribunal Federal - STF.
Embora haja uma tendência natural de se culpar o que errou por último, no caso, o presidente Michel Temer, tenho por certo que esta é uma culpa a ser partilhada por todas as Excelências da elite dirigente do país e, não apenas, por ele.
Foi a maioria dos integrantes da Suprema Corte que se achou credora do “mimo” e incluiu a excrescência na proposta orçamentária daquele poder; depois vieram os deputados federais e, também, ressalvando poucas exceções, aprovaram a proposta; depois, os senadores da República, também, por larga maioria, no apagar das luzes e com inúmeros, a começar pelo presidente da Casa, sem conseguir a confiança do povo para renovar os mandatos, acharam oportuno “vingarem-se” da patuleia ignara.
Ao presidente coube, apenas, o despautério de errar por último.
De nada valeu a tantas Excelências os apelos, embargos dos cidadãos do país, que nestes tempos de redes sociais e comunicação instantânea fizeram sua parte: mais de três milhões assinaram uma petição pública protestando contra o aumento; um sem número de outros escreveram artigos, fizeram protestos os mais diversos.
Nada abalou suas excelências que acharam por bem, segundo estimativas otimistas, espetarem uma conta de cerca de seis bilhões anuais nas costas dos contribuintes que já pagam umas das maiores (senão a maior) cargas tributárias do mundo.
Certamente não era o que os cidadãos de bem esperaria das maiores autoridades do país. O drama da decepção aumenta quando se desnuda ou se insinua o que pode está por trás do “justo” aumento: o jogo de troca-troca entre autoridades sobre as quais não deveriam recair quaisquer suspeitas.
E são muitas as suspeitas e insinuações no atual episódio. Até mesmo nos botecos “pés sujos” se comenta a existência de um possível “acordão” para que fosse aprovado o tal aumento, insinuando-se, inclusive um aceno à impunidade a se materializar na aprovação, pelo Supremo, do indulto presidencial – que, já formou maioria pela legalidade –, e, até mesmo, numa possível indulgência ao futuro ex-presidente, mais enrolado com a legislação penal que fumo de rolo da feira de Caruaru.
Oficialmente e no mesmo dia do aumento de suas Excelências, um dos ministros daquela Corte depois de anos e de bilhões consumidos do suor dos trabalhadores, achou que era a hora de por fim a um esdrúxulo “auxilio-moradia” pago aos magistrados de todo país – mesmo para os que possuem mais de uma moradia no lugar onde trabalham –, como uma espécie de complemento de renda, um penduricalho que, na forma como foi concedido ao longo dos anos, nada mais era que uma forma de ‘driblar” a Constituição da República.
Ora, se era legal por que cancelar agora, de inopino? Se não era legal por que permitiram que durasse tanto tempo sangrando os cofres da nação?
Talvez tão chocante e imoral quanto foi a sanção do aumento dos senhores ministros pelo presidente da República, que, registre-se, fê-lo em obediência a um protocolo: proposta do Poder Judiciário e aprovação pelas duas Casas Legislativas, foi o cancelamento do “auxílio-moradia” dos magistrados, pelas razões já expostas acima.
Ficou parecendo o que era: uma escancarada barganha de parte dos ministros do STF com o presidente da República.
Essa falta de pudor leva ao surgimento de boatos; de que ocorreu uma troca de “favores” pouco republicano entre as mais elevadas autoridades do país.
Teimoso que sou, recuso-me a acreditar neste tipo de conspiração. Não posso acreditar que autoridades, as mais elevadas formem conchavos para desafiar as leis ou assaltar a nação.
Decerto que, eventualmente, isso possa vir acontecer, com algumas autoridades, que a corrupção contamine parte – até uma grande parte –, dos poderes, mas me recuso, repito, a acreditar que tenha se formado um conluio, entre poderes, com este tipo de propósito.
A minha recusa é fruto da consciência de que não é isso que devemos esperar dos mais elevados dignatários da nação.
O que os cidadãos devem esperar de líderes?
Em condições normais deveríamos esperar que tivessem uma preocupação desmedida com o bem-estar dos liderados; que fossem altruístas.
No caso de líderes de nações – como trata o texto –, que colocassem os interesses destas (nações) antes de seus próprios interesses.
Quem conhece a língua pátria sabe que não existe palavras vãs. E não é sem razão que se dispensa o tratamento de Excelências a estes dignatários.
São assim chamados porque possuem a qualidade de excelente; primado, repica‑ponto, ou superioridade em qualidade, na definição dos dicionaristas.
Refoge à compreensão que pessoas a quem se tenha por “superiores em qualidade” se percam na mesquinhez de “negociar” vantagens de cunho pessoal em prejuízo, pasmem, das próprias missões que lhes reserva a Constituição Federal.
Insisto, me recuso a acreditar que tenham agido da forma indigna como muitos comentam, que outros insinuam, em troca de um mísero aumento de salário, uma ninharia, uma ínfima quantia se comparado à imensidão dos conceitos que se possam ter corrompido.
Isso sem levar em conta o mau exemplo do topo, pois ministros – e demais autoridades –, deveriam ter a consciência de que são Agentes de Estado encarregados de servir a nação e não servir-se da nação.
Se não tinham consciência de que as carreiras públicas devem ser exercidas como sacerdócio, com a capacidade e competência que sabemos possuir, poderiam optar por carreiras privadas, onde, certamente, poderiam ficar ricos sem quaisquer questionamentos.
O serviço público ou mesmo carreiras de Estado não existem para tornar ninguém ricos, o país tem compromissos maiores com o seu povo que sustentar uma elite perdulária. Isso é fácil de compreender.
Há quem diga que o aumento de suas Excelências era mais que necessário, que ganham muito pouco.
Embora não se deva, em princípio, entrar em tal mérito, quase R$ 40 mil reais (ou mesmo os R$ 33 mil reais de antes) não pode ser considerado um “salário de fome”, quando levamos em conta que representa quase 40 vezes o salário mínimo nacional ou quase 15 vezes a média salarial do brasileiro.
Isso mesmo, as Excelências do Supremo – e de todas as demais excelências que ocupam o píncaro do poder –, possui essa brutal discrepância em relação aos cidadãos que pagam os seus salários.
Tal discrepância fica ainda maior e os tornam uma elite diferenciada dos demais cidadãos, quando sabemos que estes mesmos trabalhadores que pagam os salários custeiam, planos de saúdes para si e para os seus, motoristas, servidores infinitos e mais uma série de penduricalhos que desafiam a ética, os bons costumes e/ou mesmo a probidade administrativa.
Não é só, se convertermos os vencimentos das excelências em dólar, que é uma moeda universal – ainda que se deixe de fora as mordomias e penduricalhos –, veremos que nossas autoridades ganham muito mais que seus congêneres de nações muito mais ricas que a nossa.
Então é de se perguntar: qual a justificativa para os ministros do Supremo Tribunal Federal - STF, não terem compreendido a gravidade do momento que passa o país antes de imporem um aumento aos próprios salários que pelo efeito “cascata” causa um prejuízo tão grande a nação?
A resposta que melhor atende a esta assertiva é apenas uma: As Excelências estão de costas para o Brasil.
Abdon Marinho é advogado.
PS. A charge que acompanha o texto é antiga mas bem retrata a realidade do momento.