UM MAU COMEÇO NA ALEMA.
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- Criado: Quinta, 28 Fevereiro 2019 11:05
- Escrito por Abdon Marinho
UM MAU COMEÇO NA ALEMA.
Por Abdon Marinho.
A Assembleia Legislativa do Maranhão fez 184 anos, soube que com uma bela homenagem materializada numa exposição de documentos históricos.
Quando trabalhei lá (1991÷1995), tive a chance de aprender muitas coisas e fazer amigos que conservo até hoje. Registro que foi um período muito bom para minha vida.
Mas, já naqueles anos, vez ou outra entreouvia um deputado ou outro, egressos de outros mandatos dizer, em tom de decepção: “ — Nunca vi uma legislatura tão ruim quanto esta”. Ou: “ — Nunca vi “safra” de deputado tão ruim quanto a atual”.
Não que seja necessário, mas muitos ex-deputados ainda estão aí para atestar o que digo.
De lá para cá – e já temos um quarto de século –, continuei a ouvir, a cada legislatura, o velho mantra daqueles primeiros, a comparação de que a anterior seria melhor, com deputados mais comprometidos com o interesse público que os sucessivos sucessores.
Embora não desejável, compreensível que isso ocorra. A política deixou, ao longo dos anos, de ser um espaço de discussão de ideias para ser “um negócio” como outro qualquer, com os cidadãos “investindo” em busca de um retorno financeiro.
Normal que as “safras” de políticos venham cada vez com menos história, menos comprometimento com os interesses da sociedade, que, longe de ser inocente, é cúmplice e responsável, na medida que troca seu voto por uma vantagem pessoal, um emprego aqui, um milheiro de tijolos ou telhas ali, um cesta básica acolá.
Essa mediocridade generalizada gera escolhas cada vez piores e uma representação cada vez mais deficiente.
A ponto do cidadão que não “serve” para qualquer outra atividade (advogado, médico, engenheiro, arquiteto, empresário, comerciante, qualquer outra coisa), de repente “virar” representante do povo, “virar” gestor da coisa pública.
O que leva o cidadão eleger uma pessoa que não se saiba uma coisa que fez, um prego que enfiou numa barra de sabão?
Isso sem contar com o “filhotismo” político, ou os mandatos ou cargos públicos, como uma espécie de “bolsa” ou programa “primeiro emprego”.
São tantas as deformidades do que significa o exercício de um mandato eletivo – de gestão ou parlamentar –, que no ano passado acabei ouvindo – embora sem acreditar –, que deputados estariam “vendendo” suas emendas parlamentares.
Veja que coisa inacreditável: o parlamentar com um direito a encaminhar uma obra ou um serviço a determinado município ou estado ou entidade, geralmente por afinidade – ou por ter recebido votos –, passaria tais emendas para outras pessoas, inclusive outros parlamentares, em troca de dinheiro.
Uma outra coisa inacreditável que me contaram é que alguns (ou muitos) negociavam até os cargos a que teriam direito. Funcionaria assim: a excelência teria A tantos assessores que renderiam em salários, digamos que 100 mil. Ele pegaria de outro parlamentar, por exemplo, 70 ou 80 mil e o “comprador” nomearia o funcionário naquele gabinete.
São histórias tão inverossímeis, que, como disse, não acreditei.
Me recuso a acreditar que “representantes” do povo desçam a esse nível de bandalha. Embora tenha quem diga que até operadores do mercado financeiro informal estariam envolvido nesse tipo de transação pouco republicana.
Mas, como disse, não acreditei – e não acredito nessas narrativas –, e que esse tipo de coisa deve ser assunto para a Polícia e/ou Ministério Público apurarem.
Introduzi esses fatos, entretanto, para externar minha preocupação com a legislatura iniciada recentemente.
Embora de longe – mas vivendo numa aldeia onde de tudo se sabe –, tomamos conhecimento que já na sessão inaugural dos trabalhos legislativos um deputado veterano e um “débutante” acusaram-se mutuamente de práticas criminosas a desafiarem a legislação penal.
O novato acusou o veterano de tentativa de tráfico de influência para proteger um suposto parente que retrucou com acusações até bem mais graves: disse com todas as letras que o “novato” representante das “novas práticas políticas” seria useiro e vezeiro no crime de extorsão e chantagem.
Em que pese não terem chegado às vias de fato, o mais grave é que acusações tão sérias envolvendo “representantes do povo” não tenham sido objeto de qualquer censura dos demais deputados, não se tendo conhecimento que qualquer procedimento para apurar o conteúdo das acusações tenha sido instaurado.
Até onde se sabe, é que ficou o “dito pelo dito”, cada qual com sua “imputação” alegre e satisfeito.
Outra fato que me chamou a atenção nestes primeiros dias, foi a informação que as excelências não aprovam, se oriundos da “oposição”, sequer, requerimentos de informações.
Ora, esse tipo de “censura” fere a essência da atividade parlamentar.
É de se perguntar: se um parlamentar não pode requerer uma informação ao Poder Executivo, qual será mesmo o seu papel?
Repare que qualquer cidadão, com base na Lei de Acesso à Informação, Lei nº. 12.527, pode requerer quaisquer informações de quaisquer órgãos do país, que não estejam protegidas por sigilo. Entretanto, no Maranhão, um deputado não pode requerer informação do executivo porque seus pares não aprovam.
E vai servir o parlamento para que, mesmo?
Parece bobagem, mas não é.
A negativa e/ou rejeição de míseros requerimentos de informações (que qualquer cidadão tem o direto de requerer) não só depõe contra o Poder Legislativo que recusa uma prerrogativa do parlamentar, como depõe contra o Poder Executivo, que tenta passar a imagem de “evoluído” politicamente.
Ainda neste assunto, em data bem recente, uma das Casas do Congresso Nacional, suspendeu um decreto do presidente da República, em exercício, que impunha limitações a Lei de Acesso à Informação.
Registre-se que essa vitória do parlamento federal contou com o apoio maciço dos aliados do governador do estado que, por estas plagas, instrui sua bancada na Assembleia Legislativa a rejeitar requerimentos de informações.
Imaginemos se fosse um pedido de investigação, um pedido de Comissão Parlamentar de Inquérito — CPI, etc.
Atitudes assim enfraquecem o Poder Legislativo e o coloca em situação de subalterno ao Poder Executivo, dando azo a todo tipo de desrespeito.
Não é sem razão que um secretário de estado tenha feito galhofa e foi desrespeitoso com um deputado estadual, eleito e legítimo representante do povo. O secretário de estado se referiu, de forma pejorativa, ao deputado como “ô da bicicleta”.
— Ô da bicicleta?!
É essa a maneira “educada” de se referir a um deputado estadual? Um representante do povo?
Pior que isso foi ver que seus colegas, também secretários de governo, e até o governador do estado compartilharem e/ou “curtirem” a publicação desrespeitosa.
Tal nível de acinte não se volta unicamente contra o deputado – que nada mais queria do que uma informação –, trata-se, na verdade, de uma afronta e um desrespeito a todo o parlamento. Não só aos deputados, mas a instituição.
Vendo essas coisas, acabo por acreditar no antigo mantra.
No passado – não sei se ainda estava por lá ou se foi pouco depois da minha saída –, um secretário de estado mandou um requerimento ao Presidente da Assembleia.
Dizia ele fazia aquele requerimento de “ordem” do governador.
O então presidente da ALEMA, não perdeu a viagem. Chamou seu secretário e disse-lhe: — responda ao secretário fulano de “ordem” minha que aqui as pessoas se entendem de igual para igual, o secretário manda ofício para você e o governador para o presidente.
Por vias tortas, naquela oportunidade, se fez valer que deveria (deve) haver um respeito entre os Poderes.
Para isso é necessário que os próprios parlamentares tenham consciência disso.Não pensem que será uma missão fácil.
No mesmo dia que o deputado “debutou” na Assembleia contra o colega veterano, foi o mesmo para as redes sociais e sentenciou: “— para aqueles que estavam acostumados com a “velha política”, vou logo avisando: eu cheguei!”. (algo mais ou menos assim).
Achei muito engraçado. Pense numa autoestima elevada. Sua excelência chegou, esqueçam todo o passado, o futuro e o presente.
O “eu cheguei” de sua excelência resolve tudo, só tem um senão, joga no lixo os 184 anos de história da Casa de Manoel Bequimão que festejaram ainda ontem.
Podemos até entender que os seus colegas da atual legislatura, pelo que disse, serão apenas coadjuvantes. Agora ele chegou. É ele e mais quarenta um.
Caberia dizer: — menos, excelência, menos.
Foi apenas o primeiro mês, vamos torcer para não piorar.
Abdon Marinho é advogado.