UM PAÍS QUE NÃO DESCE DO PALANQUE.
Por Abdon Marinho.
UM AMIGO mandou-me uma análise sobre o quadro político atual com uma recomendação: “Pra meu amigo que respira política... no bom sentido da palavra”. Exagero dele. Embora entenda que somos seres políticos, sendo o destino daqueles que odeiam a política, serem governados pelos políticos – geralmente os maus.
Apesar de “respirar política”, como bem exagerou esse amigo, no intervalo entre o natal e ano novo encerrei-me longe do assunto, praticamente sem internet, pouco liguei a televisão, quando o fazia era para ver algum programa longe dos noticiosos. Voltei-me à boa música de Bach, Mozart, Beethoven, Chopin, Tchaikovsky, Schubert, Mendelssohn, e ainda, enveredando pela música pop dos anos 60, 70 e 80. Fazia um bom tempo que ansiava por desligar-me dos noticiários, das fofocas, da política e imergir na boa música como fazíamos no passado não tão distante.
Só no primeiro dia útil do novo ano voltei a deter-me nas coisas do cotidiano.
Já no segundo dia do ano (e o passar dos dias só confirmou), uma impressão se formou na minha mente: descendo da Marte da imersão musical, pensei, naquele dia, que a eleição para os novos governos seria no dia seguinte e não que as posses dos eleitos ocorreram no dia anterior (1º).
Tomados pelas mais distintas paixões (nem todas sãs), a classe política nacional e também os cidadãos comuns se “recusam a descer dos seus palanques” ou, melhor dizendo, “desocupar suas trincheiras de guerra”. O debate travado com um governo eleito e recém empossado é o mesmo das vésperas das eleições. É como se não tivéssemos tido eleições ou, pior, como se o resultado oriundo das urnas não fosse legítimo.
Não se está dizendo aqui – ou mesmo insinuando –, nem de longe isso, que não se deva ter oposição, pelo contrário, nada é mais saudável para democracia que uma oposição atuante, consistente e vigilante. Mas o que assistimos até aqui, pelo menos, é que não se trata de “oposição”, mas, sim, de uma guerra eleitoral que ignora até mesmo os interesses da nação para fustigar o governo eleito e empossado, principalmente, no plano federal, onde essa “guerra” eleitoral se tornou mais presente.
Ainda que não tivesse acabado de descer de Marte, não me recordo de ter assistido a uma situação semelhante nestes trinta e quatro anos de redemocratização do Brasil que comemoraremos em 15 de março, quando o poder foi transmitido aos civis.
Nem mesmo o ex-presidente Sarney, que assumiu a presidência da República na condição de vice após o trágico passamento de Tancredo Neves, enfrentou esse clima de campanha permanente que assistimos agora. Um ou outro questionou sua posse, insistiram noutra solução – mas, apenas uma da parte dos políticos.
Os demais presidentes, mesmo aqueles eleitos após acirradas e apaixonadas disputas tiveram alguma “folga” para dizerem a que vieram.
Fazia parte da “tradição” conceder aos eleitos – talvez até por respeito à democracia –, cerca de cem dias de trégua. Essa trégua ocorreu até com o ex-presidente Collor de Mello que, como primeiro ato de governo, “confiscou” as parcas economias dos cidadãos. Naquele momento, mesmo os protestos dos integrantes do Partido dos Trabalhadores - PT, foram pontuais e de “políticos”.
Assim, o que assistimos no momento é algo – onde a vista alcança na história da jovem democracia brasileira –, absolutamente inédito. Pelo que li, no dia seguinte à posse, o atual presidente e seus auxiliares, não chegaram a ter um segundo, sequer, da tão famosa e tradicional “trégua” da democracia.
Aliás, prova maior de desapreço à democracia foi externada antes da posse: a comunicação pública dos membros do partido derrotado – e seus aliados –, de que não compareceriam à posse dos eleitos – o que acabaram fazendo.
Esse comportamento ilustra bem o “tom” que darão e que já vêm fazendo em relação ao novo governo.
Como dizia, segundo li, as críticas e embates começaram mesmo durante a posse e tiveram continuidade nos dias seguintes como uma espécie de “prorrogação da eleição”.
Tudo tem sido motivo para “espinafrar” o novo governo.
A crítica não perdoou nem a primeira-dama, que paga pelo “pecado” de ser evangélica, de por ter feito um discurso em “libras” e, principalmente, por ser esposa do presidente. Mas ela, se comparada à ministra Damares Alves, Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, é uma felizarda, pois esta última tem sofrido mais que “sovaco de aleijado”, nas mãos da patrulha política e da mídia.
Tudo que diz, mesmo em momentos de reconhecida informalidade, tem sido amplificado para desmerecê-la – e ao próprio governo.
Primeiro foi a história do azul e do rosa, quando disse que doravante, na nova ordem “meninos vestem azul e meninas vestem rosa”. Mais de uma semana depois e quantas árvores não pereceram para incentivar essa discussão tola e sem qualquer sentido prático. Qualquer um, com mais de dois neurônios, perceberia que a colocação foi explorada fora do contexto, durante uma comemoração pela investidura no cargo.
Em dias de literalidade, “entenderam” que essa colocação era a coisa mais importante para o país. Até uma matéria especial de entrevista da ministra no jornal da Globo foi montada para “emparedar” a ministra por conta do que disssera.
Uma segunda polêmica a ganhar destaque foi a opinião da ministra sobre o fato de estudantes, ainda bem jovens, serem afastados de suas famílias para irem estudar noutros estados. O Jornal Nacional chegou a dispensar quase cinco minutos para abordando o tema que nada tem a ver com a pasta da ministra sendo que a opinião da mesma sobre o tema foi apenas isso: uma opinião de cunho pessoal, tão válida quanto a minha neste quesito.
O que tem de relevante a opinião da ministra sobre a cor das roupas das crianças ou sobre onde jovens adolescentes vão estudar ou mesmo sobre teorias bíblicas? Nada.
O que me causa preocupação é a opinião do ministro Guedes sobre o que farão com a economia do país ou como solucionarão o déficit bilionário nas contas da previdência.
Isso sim, envolve todo interesse nacional.
Mas tudo é motivo e tema para se tentar chamar o debate das próximas eleições, em 2022, para este início de governo, quando quase nenhuma ação foi efetivamente colocada em prática ou executada. Bem diferente do que ocorreu em março de 1990.
Como o país pode avançar em alguma coisa se nem um governo inicia e já se coloca outra campanha na pauta da nação?
O clima de campanha “fora de hora” teve lugar até na (re)posse do governador do Maranhão onde as notícias deram conta de gritos e palavras de ordem contra o presidente que era empossado na capital federal.
A franca hostilidade da militância comunista até chegou a contrastar com o falso aceno de boa vontade do governador maranhense que chegou a “ofertar” parceria para conclusão das obras das creches no estado paralisadas desde o governo da ex-presidente Dilma Rousseff e do ex-presidente Michel Temer.
Como ficou patente que o interesse do governador, mais do que acolher crianças, é se inserir no debate político nacional, ou seja, aparecer, ninguém lhe deu bola.
A ideia, se fosse para “valer”, seria interessante.
O governo estadual poderia, inclusive, usar a verba total disponibilizada no orçamento para vender o pouco ou nada que fez ou fará, ou simplesmente fazer propaganda de geladeira no Polo Norte.
São 60 milhões – praticamente metade do orçamento da União para o mesmo fim –, que o estado poderia melhor investir.
Acredito que, uma pela outra, cada creche precise de 500 mil para conclusão, só com a verba da propaganda daria para concluir 120 creches.
O governo estadual não precisa esperar o sinal verde do governo federal para isso, nos termos da Constituição Federal, pode repassar a verba diretamente aos municípios para que eles deem como contrapartida nos atuais contratos.
Não creio que faça isso. Como ocorreu durante os quatro anos anteriores o governo estadual “vive” do marketing que consegue vender aos incautos na tentativa de se viabilizar como herdeiro do espólio esquerdista.
Neste campo, o êxito é reconhecido, poder-se-ia dizer inclusive, que um dos poucos êxitos do governo estadual é na propaganda, no marketing.
Tanto assim que depois de quatro anos onde conseguiu o extraordinário feito de piorar quase todos os indicadores sociais herdados do grupo Sarney – o que dispensa qualquer outro comentário –, no próprio dia da (re)posse o senhor Leonardo Boff escreveu nas suas redes sociais que o governador do Maranhão será a “salvação” do Brasil.
A motivação de Boff para isso (desconheço outros interesses), não foi o senhor Dino ter elevados indicadores econômicos ou sociais do estado (que pioraram); não foi ter tirado os 54% (cinquenta e quatro por cento) dos maranhenses da linha da pobreza; erradicado o analfabetismo; resolvido o caos na saúde (onde, outro dia, os profissionais médicos ameaçaram greve por falta de condições de trabalho e salários atrasados); solucionado o problema da falta de saneamento básico com a inauguração de centenas de sentinas (como o próprio governador anunciou nas suas redes sociais); transformado o estado no celeiro do país em produção agrícola; e tantas outras coisas importantes para o nosso povo. Para Boff – e outros aduladores –, o que credencia o governador do Maranhão a “salvar” o Brasil do atraso em que se encontra e que será agravado no governo Bolsonaro, segundo ele, é o fato do governador na (re)posse ter recebido a faixa de governador (dentre outras pessoas) das mãos de uma menina negra.
Fico pensando que tipo de cogumelos alucinógenos essas pessoas se servem no café da manhã. O que credencia um político a pleitear um cargo não são suas realizações como governante ou mesmo como cidadão, para eles os que credenciam é um golpe de marketing.
Vejo esse tipo de coisa e esfrego os olhos para saber se estou vendo mesmo.
Assim seguirá o Brasil pelos próximos anos: com sua população ou grande parte dela se recusando a descer do palanque e a trabalhar pelo bem de todos.
Abdon Marinho é advogado.