A POLÍCIA POLÍTICA E O SILÊNCIO OBSEQUIOSO.
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- Criado: Sexta, 29 Março 2019 15:43
- Escrito por Abdon Marinho
A POLÍCIA POLÍTICA E O SILÊNCIO OBSEQUIOSO.
Por Abdon Marinho.
A POLÊMICA do momento no Brasil é a determinação do presidente da República para que os quartéis comemorem a golpe militar de 1964. Entidades e familiares das vítimas do régime militar entraram na justiça e o ministério público federal fez recomendações para que isso não ocorra.
A ditadura foi o mais triste período da história recente do país, encerrado oficialmente em março de 1985, com eleição de Tancredo Neves, pelo Colégio Eleitoral e, definitivamente sepultado, com a promulgação da Carta Constitucional de 1988, oportunidade em que o presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, externou, em nome do povo brasileiro, a repulsa aos regimes de exceções.
Passados tantos anos, no Maranhão, experimentamos um clima de retrocesso democrático que jamais imaginávamos que fosse ocorrer.
Pior que isso, sem que as instituições e as autoridades se dêem conta da gravidade dos fatos.
Há dias circulam nos veículos de comunicação notícias de que um delegado de polícia – registre-se, apanhando em “malfeitos” diversos –, declarou, em juízo, ter sido orientado pelo secretário de segurança para investigar quatro desembargadores do estado.
Poder-se-ia dizer – e a acredito que as autoridades usarão tal argumento –, que se trata de alguém que, apanhado nos seus próprios delitos, como vingança e para enlamear e enfraquecer as investigações, tenta desviar o foco para outros assuntos. Pode ser.
O argumento, entretanto, falece de sustentação quando lembramos não ser a primeira vez que noticias deste tipo circulam.
Ano passado tivemos notícias de um expediente encaminhado a militares lotados no interior, alertando-os a fazerem levantamentos sobre lideranças políticas para “fins eleitorais”.
Naquela oportunidade o governo disse tratar-se de um equivoco, que jamais coonestaria com tais práticas, prometeu investigação, processos, etc. Até hoje, pelo menos eu, não tomei conhecimento de qualquer punição aos envolvidos e se de fato isso ocorreu.
Além deste fato, sempre foi voz corrente nos meios políticos, notícias sobre supostos “levantamentos”, bisbilhotices sobre os cidadãos maranhenses, políticos, empresários, lideranças, jornalistas e qualquer um que represente alguma importância para os atuais donatários do poder.
Ainda na legislatura passada, uma parlamentar chegou a me confidenciar que determinada pessoa que já havia lhe declarado apoio, foi chamada “em palácio”, onde usaram argumentos “fortes” para obrigá-la a repensar a decisão – o que, de fato, aconteceu.
A imprensa já noticiou diversas vezes a avalanche de processos que sofreram, ou estão sofrendo, jornalistas no estado, por criticarem o governo, inclusive, na esfera criminal.
Assim, a confissão de alguém que até bem pouco tempo ocupava cargo de tanto relevo na estrutura estadual, chegando a ser condecorado “por bons serviços” pelo atual governo – ainda que se façam ressalvas –, não pode ser ignorada.
Caso verdade, todas essas práticas são incompatíveis com a democracia e a liberdade dos cidadãos.
A manutenção de uma “polícia política” é uma prática criminosa a afrontar o Estado Democrático de Direito.
Diante de tudo isso, causa-me estupefação que mesmo diante da informação de que desembargadores (e sabe-se lá mais quem) foram, ilegal e criminosamente, investigados pela “policia politica do estado”, tal fato não tenha, até agora, despertado indignação das autoridades e dos setores organizados da sociedade.
Não sei se estou ficando louco, mas acredito que não é todo dia que se divulga informações dando conta que desembargares estão sofrendo investigação clandestina com o propósito de intimida-los ou “prendê-los”.
Apesar da gravidade da informação, estampada em blogues e jornais, do depoimento do delegado, em vídeo, relatando tais fatos, o sitio do governo estadual – e mesmo da Secretaria de Segurança –, não consta uma nota de esclarecimento, um desmentido.
Agem como se nada estivesse ocorrendo. Compreensível. Devem pensar: se não falarmos sobre o assunto, ele não existe. Trata-se, por óbvio, de uma lógica “torta”, mas compreensível.
Incompreensível é o Tribunal de Justiça, até agora, repito, não ter feito uma manifestação, cobrado um esclarecimento do governo estadual, emitido um protesto, solicitado uma providência aos tribunais superiores diante da gravidade da noticia.
No sitio do tribunal, não consta sequer uma nota de solidariedade aos desembargadores supostamente investigados.
O tribunal poderia dizer que a palavra do delegado – que foi apanhado em “malfeitos” –, não merece qualquer crédito. Ou, que aceitam a “não resposta” do governo estadual como argumentação suficiente de sua inocência à imputação feita.
O silêncio diante da informação de um crime cometido contra o tribunal passa à sociedade a impressão que ninguém no estado está seguro.
Se têm a ousadia de investigarem de forma clandestina e ilegal os desembargadores do estado, o que será de nós, pobres mortais?
Se o silêncio do Tribunal de Justiça diante de tão graves notícias – envolvendo seus próprios membros –, já causa preocupação, o que dizer do mutismo do Ministério Público Estadual do mesmo fato?
O Ministério Público, nos termos da Constituição Federal, artigo 127, “é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do régime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.
Além disso, nos termos da Constituição, cumpre-lhe “exercer o controle externo da atividade policial”.
Apenas uma leitura de tais disposições já é o suficiente para saber que o MPE tem o dever de buscar a verdade, apurar tais fatos, cobrar explicações e esclarecer a sociedade se os mesmos são verdadeiros ou não, bem como, perseguir a responsabilização dos culpados, se existirem.
Em todo caso, não pode se omitir, não pode deixar de prestar contas à sociedade.
Apesar disso, com os vídeos circulando nos blogues, notícias em jornais, relatando fatos tão graves – e outras mais graves ainda, como manipulação de investigações criminais –, até agora, pelo menos no sitio do Ministério Público Estadual, não consta qualquer informação sobre as providências que estão sendo ou que serão adotadas em relação aos mesmos.
O MPMA vai aceitar o silêncio das autoridades do governo estadual como explicação suficiente? Ou será que, perdidos em suas querelas internas, ninguém se deu ao trabalho de verificar as noticias que circulam nos meios de comunicação?
Outra instituição que, também, guarda obsequioso silêncio é a Assembleia Legislativa, nenhum dos deputados fez um protesto formal ou cobrou uma providência – pelo menos não consta no seu sitio na internet –, nem a ala governista (ainda para defender o governo, óbvio) ou da oposição, em sentido contrário. Mas isso era de se esperar.
Não faz muito tempo, um dos seus integrantes, detido após abuso de bebida alcoólica e outras substâncias, e por agressão a um cantor e ameaças a policiais, em um estado vizinho, tendo declarado naquela oportunidade, dentre outras coisas: “a gente mata gente”, até a presente data, nenhuma das excelências com assento na Casa de Manuel Bequimão, disse qualquer coisa sobre o assunto ou tomou alguma iniciativa.
Aliás, o mesmo comportamento das demais instituições, inclusive do Ministério Público, a quem reputo, teria a responsabilidade de apurar se de fato o deputado e seus familiares, como ele próprio declarou “mata gente”, “manda matar gente”.
A impressão que fica é que existe um vazio institucional no estado, com as autoridades – pelo menos do ponto de vista de se pronunciarem publicamente –, se omitindo diante de fatos graves; fatos gravíssimos, frise-se.
São fatos que, diante do vazio e/ou omissão das instituições, reclamariam uma intervenção federal no estado.
Um dia o deputado diz que ele e a família “matam gente”; outro dia, um delegado informa à justiça que inquéritos foram manipulados atendendo a esse ou aquele interesse (escuso); outra vez, que até desembargadores foram ou estão sendo investigados de forma ilegal e clandestina pelo governo estadual, etcetera.
Quem mais estaria sendo? Juizes? Advogados? Jornalistas? Cidadãos comuns? Lideranças políticas? Quais outros inquéritos estariam sendo manipulados?
Nenhuma autoridade tem nada a dizer sobre tais fatos? Estamos vivendo uma democracia ou o prenúncio de uma ditadura?
Vejam, isso tudo pode ser mentira, mas as autoridades devem esclarecimentos sobre estes fatos. A sociedade não pode viver na insegurança de ser ou de já está sendo a vitima da vez.
É mínimo que nos deve!
Diante da determinação (ao meu sentir, absurda) do presidente da República, para festejarem nos quartéis o 31 de março, celebrando a ruptura da democracia e a inauguração do régime de exceção, assisto aos justos protestos de parte da sociedade, de algumas entidades e instituições.
Diante de fatos tão graves que estariam acontecendo no presente, em nosso estado, assisto ao impávido silêncio de todos.
Os mesmos que protestam pela “homenagem” aos fatos do passado são os mesmos que silenciam diante dos graves fatos do presente e que ameaçam o futuro de nossa gente.
Abdon Marinho é advogado.