AbdonMarinho - O FRACASSO REPUBLICANO.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O FRA­CASSO REPUBLICANO.

O FRA­CASSO REPUB­LI­CANO.

Por Abdon Marinho.

A SEM­ANA ter­mi­nou com dois ex-​presidentes da República como hós­pedes invol­un­tários do Estado. Na nada edi­f­i­cante condição de pre­sos.

O primeiro, o ex-​presidente Lula, há quase um ano encar­cer­ado, cumprindo penas que, somadas, já passa de um quarto de século – em ape­nas dois dos proces­sos que responde, parece que e se aprox­ima de uma dezena.

O segundo, o ex-​presidente Temer, preso pre­ven­ti­va­mente, sob a acusação de coman­dar uma quadrilha que há mais de quarenta anos dilap­ida o erário.

Em que pese exi­s­tirem dis­cussões sobre a legal­i­dade da prisão pre­ven­tiva (tendo em vista o réu pos­suir residên­cia fixa, emprego definido, até onde se sabe não está cau­sando embaraços as inves­ti­gações), poucos, quase nen­hum, dos que sus­ten­tam isso, ousam “colo­car as mãos no fogo” na defesa da inocên­cia do ex-​presidente.

Noutras palavras: mesmo os que acham que houve excesso na dec­re­tação da prisão de Temer e parte de seus “ali­a­dos”, são con­hece­dores das “estrip­u­lias” do mesmo desde mea­dos dos anos oitenta.

Emb­ora não seja inédito dois ex-​presidentes virarem hós­pedes do Estado – out­ras nações tam­bém já pas­saram por tal con­strang­i­mento –, tal fato não deixa de nos enver­gonhar.

Caso a Justiça não abuse do dire­ito de ser lenta, tal con­strang­i­mento poderá aumen­tar.

Além dos dois ex-​presidentes, que, por pura coin­cidên­cia, foram diri­gentes e eminên­cias par­das dos maiores par­tidos da nação nos últi­mos vinte anos (Par­tido dos Tra­bal­hadores — PT e Movi­mento Democrático Brasileiro – MDB), segundo lev­an­ta­men­tos feitos, ape­nas os ex-​presidentes Fer­nando Hen­rique Car­doso (PSDB) e Ita­mar Franco (já fale­cido) não fig­u­ram como partícipes dos escân­da­los que estão vindo à tona.

Tanto assim que um dos “memes” que cir­cu­laram nas redes soci­ais logo após a prisão de Temer, con­tinha as ima­gens dele, do ex-​presidente Lula, com a leg­enda “preso”, e a imagem da ex-​presidente Dilma Rouss­eff, com a leg­enda “car­regando”. Uma insin­u­ação de que será a próx­ima.

Em ape­nas 34 anos – da posse de Sar­ney, em 15 de março de 1985, inau­gu­rando o que se chamou de a Nova República para cá, em oposição à ditadura mil­i­tar que dirigiu o país nos vinte anos ante­ri­ores –, temos uma sucessão de escân­da­los a não fazer a nen­huma republi­queta de bananas.

Mesmo os dois ex-​presidentes que não fig­u­ram na atual “safra” de escân­da­los, não pas­sam imunes a um exame mais min­u­cioso de suas gestões. Não estão nesta safra, mas têm seus próprios esquele­tos nos armários. E todos sabe­mos, ou tomamos con­hec­i­mento disso, nas épocas próprias e nos momen­tos pos­te­ri­ores.

Vive­mos sob a égide de um mantra: o escân­dalo de hoje é maior que o de ontem e menor que o de amanhã.

Nada rep­re­senta mel­hor ou é mais sig­ni­fica­tivo sobre tal assertiva do que o acon­te­cido no Estado do Rio de Janeiro, estado da ex-​capital fed­eral, onde o crime, a cor­rupção desen­f­reada, “seque­strou” o poder público e faliu o estado, a ponto de ano pas­sado exper­i­men­tar uma inter­venção fed­eral, fato que não tín­hamos notí­cia em tem­pos recentes.

E, para com­ple­tar, na mesma sem­ana em que um segundo ex-​presidente da República virou hós­pede do Estado, no Rio de Janeiro, todos os ex-​governadores, eleitos, ainda vivos, tiveram a exper­iên­cia de ver o sol nascer quadrado.

Coroando tudo isso, foi reg­istrado que pela primeira vez na história, o livro de posse dos par­la­mentares estad­u­ais deixou a sede do Par­la­mento Estad­ual e foi ao Com­plexo Pen­i­ten­ciário de Bangu. Motivo: empos­sar cinco par­la­mentares que, eleitos, não pud­eram assumir no dia cor­reto por estarem pre­sos por crimes diver­sos.

Cheg­amos à situ­ação em que as pes­soas – mesmo as cul­tas (ou que se dizem), artis­tas, int­elec­tu­ais –, pregam e defen­dem que a política não pode ser feita sem cor­rupção, sem o desvio de recur­sos públi­cos, sem o enriquec­i­mento pes­soal, sem o com­padrio, sem o jogo de inter­esses pessoais.

Firme nesta con­cepção que estes defen­dem, com “unhas e dentes”, que políti­cos sabida­mente cor­rup­tos, sejam jul­ga­dos “pelo povo”, como se fazia nos primór­dios da civ­i­liza­ção.

Acham – e talvez ten­ham razão, pois nunca viveram nada difer­ente –, que a política é uma coisa nec­es­sari­a­mente “suja” e que é necessário meter a mão na m***, como disse certa fez um destes artis­tas int­elec­tu­ais, para se atin­gir deter­mi­na­dos obje­tivos, como sal­var o “povo”. Acham legí­timo que para “sal­var o povo” espoliem a nação.

Por conta disso vejo diari­a­mente as pes­soas de bem “fugirem” da política, se fecharem em suas próprias vidas, cuidarem dos próprios inter­esses, enquanto os maus inten­ciona­dos se ocu­pam dos inter­esses dos esta­dos e pas­sam a admin­is­tração das coisas públi­cas.

Tam­bém, por isso, assis­ti­mos as posições públi­cas serem ocu­padas, suces­si­va­mente, por pes­soas que nunca “fiz­eram por mere­cer”, que nunca “enfi­aram um prego numa barra de sabão”, eleitos por ser fil­hos, esposas, amantes, “pro­te­gi­dos” de out­ros tam­bém sem quais­quer qual­i­fi­cações que chegaram antes.

Acred­ito pas­sar da hora de uma autocrítica sobre as insti­tu­ições nacionais, sobre o que vem acon­te­cendo desde a Procla­mação da República até os dias atu­ais.

A própria República pre­cisa fazer uma autocrítica.

Ainda com os meus lim­i­ta­dos con­hec­i­men­tos históri­cos, chego a con­clusão que desde 1889 para cá, nunca tive­mos um período duradouro e sem escân­da­los como os viven­ci­a­dos nos momen­tos ante­ri­ores.

A história não pode se negar a recon­hecer – como, aliás o fez no último Car­naval –, que a República foi procla­mada para aten­der aos piores inter­esses e aos piores políti­cos que exis­tiam no Império.

Foi a primeira vitória dos maus políti­cos con­tra os inter­esses nacionais.

Essa é uma ver­dade que neces­sita ser recon­hecida: os maus políti­cos do império se assen­hore­aram da República recém-​proclamada, chegando, inclu­sive, à presidên­cia por mais de uma vez, para tratar dos próprios inter­esses, do for­t­alec­i­mento das próprias oli­gar­quias.

No Segundo Império se tinha uma con­sciên­cia do sen­tido de nação – com o próprio imper­ador à frente de tal sen­ti­mento e o colo­cando em primeiro lugar –, ao qual se deve a inte­gral­i­dade ter­ri­to­r­ial brasileira, caso con­trário, seríamos um mosaico de republi­que­tas (Pará, Maran­hão, Bahia, etc), como se tornou o restante da América do Sul.

O último Con­selho do Império, o do vis­conde de Ouro Preto, tinha planos de refor­mas auda­ciosos e mod­er­nos para o país – e que con­tavam com o apoio do Imper­ador D. Pedro II.

A par­tir da procla­mação da República, com a ascen­são da elite con­ser­vadora, com a roupagem do novo, se teve um mon­u­men­tal retro­cesso e o iní­cio das crises cícli­cas que per­du­ram até hoje. Sem um período de esta­bil­i­dade duradouro. Com golpes, ten­ta­ti­vas de golpes, “rev­oluções”, ditaduras.

Conta-​se nos dedos das mãos os anos de esta­bil­i­dade con­ju­ga­dos com cresci­mento e inter­esse nacional.

Já nos anos vinte – e até antes –, as primeiras crises que cul­mi­naram com a rev­olução de 30 e à ditadura Var­gas, até 45, depois um pequeno momento de tran­quil­i­dade, até o golpe de 64, os vinte e anos de ditadura, e a chamada Nova República, com todos seus pres­i­dentes na situ­ação que nar­ramos ante­ri­or­mente.

Custo a acred­i­tar que será na atual con­jun­tura, com um pres­i­dente recon­heci­da­mente despreparado, inapto (ainda que até aqui não lhe pese a alcunha de cor­rupto) que até agora não se rev­elou capaz de com­preen­der a grandeza dos prob­le­mas nacionais e uma classe política onde ser hon­esto é a exceção a jus­ti­ficar a regra, que levare­mos o país a um des­tino grandioso.

Será uma sur­presa que isso venha acon­te­cer, sobre­tudo, se não con­seguir do palanque para gov­ernar sem os pita­cos dos fil­hos que, parece, lhes tem ascendên­cia.

Nada pode ser mais ilus­tra­tivo do fra­casso do pro­jeto de nação do que ter­mi­n­ar­mos a sem­ana com dois ex-​presidentes pre­sos e, pior, com a certeza que muito mais autori­dades, de todos os Poderes da República, dev­e­riam lhes fazer com­pan­hia.

Existe sal­vação para a República brasileira?

Abdon Mar­inho é advogado.