O FRACASSO REPUBLICANO.
Por Abdon Marinho.
A SEMANA terminou com dois ex-presidentes da República como hóspedes involuntários do Estado. Na nada edificante condição de presos.
O primeiro, o ex-presidente Lula, há quase um ano encarcerado, cumprindo penas que, somadas, já passa de um quarto de século – em apenas dois dos processos que responde, parece que e se aproxima de uma dezena.
O segundo, o ex-presidente Temer, preso preventivamente, sob a acusação de comandar uma quadrilha que há mais de quarenta anos dilapida o erário.
Em que pese existirem discussões sobre a legalidade da prisão preventiva (tendo em vista o réu possuir residência fixa, emprego definido, até onde se sabe não está causando embaraços as investigações), poucos, quase nenhum, dos que sustentam isso, ousam “colocar as mãos no fogo” na defesa da inocência do ex-presidente.
Noutras palavras: mesmo os que acham que houve excesso na decretação da prisão de Temer e parte de seus “aliados”, são conhecedores das “estripulias” do mesmo desde meados dos anos oitenta.
Embora não seja inédito dois ex-presidentes virarem hóspedes do Estado – outras nações também já passaram por tal constrangimento –, tal fato não deixa de nos envergonhar.
Caso a Justiça não abuse do direito de ser lenta, tal constrangimento poderá aumentar.
Além dos dois ex-presidentes, que, por pura coincidência, foram dirigentes e eminências pardas dos maiores partidos da nação nos últimos vinte anos (Partido dos Trabalhadores - PT e Movimento Democrático Brasileiro – MDB), segundo levantamentos feitos, apenas os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Itamar Franco (já falecido) não figuram como partícipes dos escândalos que estão vindo à tona.
Tanto assim que um dos “memes” que circularam nas redes sociais logo após a prisão de Temer, continha as imagens dele, do ex-presidente Lula, com a legenda “preso”, e a imagem da ex-presidente Dilma Rousseff, com a legenda “carregando”. Uma insinuação de que será a próxima.
Em apenas 34 anos – da posse de Sarney, em 15 de março de 1985, inaugurando o que se chamou de a Nova República para cá, em oposição à ditadura militar que dirigiu o país nos vinte anos anteriores –, temos uma sucessão de escândalos a não fazer a nenhuma republiqueta de bananas.
Mesmo os dois ex-presidentes que não figuram na atual “safra” de escândalos, não passam imunes a um exame mais minucioso de suas gestões. Não estão nesta safra, mas têm seus próprios esqueletos nos armários. E todos sabemos, ou tomamos conhecimento disso, nas épocas próprias e nos momentos posteriores.
Vivemos sob a égide de um mantra: o escândalo de hoje é maior que o de ontem e menor que o de amanhã.
Nada representa melhor ou é mais significativo sobre tal assertiva do que o acontecido no Estado do Rio de Janeiro, estado da ex-capital federal, onde o crime, a corrupção desenfreada, “sequestrou” o poder público e faliu o estado, a ponto de ano passado experimentar uma intervenção federal, fato que não tínhamos notícia em tempos recentes.
E, para completar, na mesma semana em que um segundo ex-presidente da República virou hóspede do Estado, no Rio de Janeiro, todos os ex-governadores, eleitos, ainda vivos, tiveram a experiência de ver o sol nascer quadrado.
Coroando tudo isso, foi registrado que pela primeira vez na história, o livro de posse dos parlamentares estaduais deixou a sede do Parlamento Estadual e foi ao Complexo Penitenciário de Bangu. Motivo: empossar cinco parlamentares que, eleitos, não puderam assumir no dia correto por estarem presos por crimes diversos.
Chegamos à situação em que as pessoas – mesmo as cultas (ou que se dizem), artistas, intelectuais –, pregam e defendem que a política não pode ser feita sem corrupção, sem o desvio de recursos públicos, sem o enriquecimento pessoal, sem o compadrio, sem o jogo de interesses pessoais.
Firme nesta concepção que estes defendem, com “unhas e dentes”, que políticos sabidamente corruptos, sejam julgados “pelo povo”, como se fazia nos primórdios da civilização.
Acham – e talvez tenham razão, pois nunca viveram nada diferente –, que a política é uma coisa necessariamente “suja” e que é necessário meter a mão na m***, como disse certa fez um destes artistas intelectuais, para se atingir determinados objetivos, como salvar o “povo”. Acham legítimo que para “salvar o povo” espoliem a nação.
Por conta disso vejo diariamente as pessoas de bem “fugirem” da política, se fecharem em suas próprias vidas, cuidarem dos próprios interesses, enquanto os maus intencionados se ocupam dos interesses dos estados e passam a administração das coisas públicas.
Também, por isso, assistimos as posições públicas serem ocupadas, sucessivamente, por pessoas que nunca “fizeram por merecer”, que nunca “enfiaram um prego numa barra de sabão”, eleitos por ser filhos, esposas, amantes, “protegidos” de outros também sem quaisquer qualificações que chegaram antes.
Acredito passar da hora de uma autocrítica sobre as instituições nacionais, sobre o que vem acontecendo desde a Proclamação da República até os dias atuais.
A própria República precisa fazer uma autocrítica.
Ainda com os meus limitados conhecimentos históricos, chego a conclusão que desde 1889 para cá, nunca tivemos um período duradouro e sem escândalos como os vivenciados nos momentos anteriores.
A história não pode se negar a reconhecer – como, aliás o fez no último Carnaval –, que a República foi proclamada para atender aos piores interesses e aos piores políticos que existiam no Império.
Foi a primeira vitória dos maus políticos contra os interesses nacionais.
Essa é uma verdade que necessita ser reconhecida: os maus políticos do império se assenhorearam da República recém-proclamada, chegando, inclusive, à presidência por mais de uma vez, para tratar dos próprios interesses, do fortalecimento das próprias oligarquias.
No Segundo Império se tinha uma consciência do sentido de nação – com o próprio imperador à frente de tal sentimento e o colocando em primeiro lugar –, ao qual se deve a integralidade territorial brasileira, caso contrário, seríamos um mosaico de republiquetas (Pará, Maranhão, Bahia, etc), como se tornou o restante da América do Sul.
O último Conselho do Império, o do visconde de Ouro Preto, tinha planos de reformas audaciosos e modernos para o país – e que contavam com o apoio do Imperador D. Pedro II.
A partir da proclamação da República, com a ascensão da elite conservadora, com a roupagem do novo, se teve um monumental retrocesso e o início das crises cíclicas que perduram até hoje. Sem um período de estabilidade duradouro. Com golpes, tentativas de golpes, “revoluções”, ditaduras.
Conta-se nos dedos das mãos os anos de estabilidade conjugados com crescimento e interesse nacional.
Já nos anos vinte – e até antes –, as primeiras crises que culminaram com a revolução de 30 e à ditadura Vargas, até 45, depois um pequeno momento de tranquilidade, até o golpe de 64, os vinte e anos de ditadura, e a chamada Nova República, com todos seus presidentes na situação que narramos anteriormente.
Custo a acreditar que será na atual conjuntura, com um presidente reconhecidamente despreparado, inapto (ainda que até aqui não lhe pese a alcunha de corrupto) que até agora não se revelou capaz de compreender a grandeza dos problemas nacionais e uma classe política onde ser honesto é a exceção a justificar a regra, que levaremos o país a um destino grandioso.
Será uma surpresa que isso venha acontecer, sobretudo, se não conseguir do palanque para governar sem os pitacos dos filhos que, parece, lhes tem ascendência.
Nada pode ser mais ilustrativo do fracasso do projeto de nação do que terminarmos a semana com dois ex-presidentes presos e, pior, com a certeza que muito mais autoridades, de todos os Poderes da República, deveriam lhes fazer companhia.
Existe salvação para a República brasileira?
Abdon Marinho é advogado.