AbdonMarinho - MORO: ENTRE A VINGANÇA E O MEDO.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

MORO: ENTRE A VIN­GANÇA E O MEDO.

MORO: ENTRE A VIN­GANÇA E O MEDO.

Por Abdon Marinho.

AINDA não sabe­mos toda a exten­são das con­ver­sas do ex-​juiz Sér­gio Moro com os procu­radores da Oper­ação Lava Jato e/​ou os advo­ga­dos das partes (por que não divul­gam?) – e, já disse, não me com­pro­meto com crimes de quem quer que seja –, mas pelo que se sabe é pos­sível dizer, até agora, que crimes não foram encontrados.

Tenho assis­tido a um surto histérico de pes­soas dizendo que juiz não deve con­ver­sar com as partes sobre proces­sos. Se isso é o ideal está muito dis­tante da realidade.

Qual­quer um que tenha um processo em juízo – ainda que seja um lití­gio por um metro de terra, uma dis­puta de guarda ou a divisão de bens de um casal (e já vi brigarem por uma pan­ela velha) –, o que querem é jus­ta­mente o con­trário: que todos os dias o seu advo­gado esteja com o juiz pedindo que ele dê pri­or­i­dade ao seu processo, que o juiz o despache antes de qual­quer outro. Ainda que exis­tam mil­hares de proces­sos à frente do seu.

Estes que estão indig­na­dos quando vão lit­i­gar em juízo procu­ram um advo­gado que tenha “trân­sito” com juizes ou desem­bar­gadores e/​ou laços de parentesco.

Tudo que a parte quer – qual­quer parte –, é que o seu advo­gado tenha uma boa relação com o juiz ou desem­bar­gadores que vão jul­gar suas causas.

Entra-​se com uma ação hoje é já no dia seguinte cobra do advo­gado que vá con­ver­sar com juiz. É assim pelo resto da demanda.

O grande desejo da parte é que todo dia o advo­gado “despache” com o juiz sobre o seu processo. Se o advo­gado pudesse “morar” no fórum seria o ideal.

O mantra é que o advo­gado pre­cisa de “trân­sito”. Não vejo ninguém se escan­dalizar com isso.

For­tu­nas são ger­adas assim, alguém diz que aquele advo­gado é o que tem “trân­sito” e para sua banca migram todos os clientes, pode ser que o causídico não saiba a difer­ença entre habeas cor­pus e Cor­pus Christi.

Con­hec­i­mento jurídico, ética ou seriedade é o que menos importa – sei disso porque já perdi diver­sos clientes por “excesso de hon­esti­dade”, já ouvi muito “doutor Abdon ‘briga’ com todo mundo”, “doutor Abdon é muito cert­inho”.

Um assunto na “ordem do dia” no Maran­hão é a acusação de que os gov­er­nantes estad­u­ais cri­aram um “estado poli­cial para­lelo” cuja mis­são, suposta­mente, seria o mon­i­tora­mento dos desem­bar­gadores e seus famil­iares, juízes, pro­mo­tores, advo­ga­dos, jor­nal­is­tas ou de qual­quer outro que pudesse ou possa rep­re­sen­tar embaraços ao poder estabelecido.

A denún­cia deste fato é sub­scrita por dois del­e­ga­dos de polí­cia que pri­varam da con­fi­ança do secretário da segu­rança pública e, pelo menos um, foi con­dec­o­rado pelo gov­er­nador, por bons serviços presta­dos.

O assunto (a espi­onagem clan­des­tina) é tão sério que o Tri­bunal de Justiça solic­i­tou inves­ti­gações da parte do Min­istério Público, do Con­selho Nacional de Justiça — CNJ e da Polí­cia Fed­eral.

Trago esse assunto porque outro dia a imprensa noti­ciou que o secretário de segu­rança, que figura, em princí­pio, como inves­ti­gado por deter­mi­nação do TJMA, esteve em audiên­cia com o pres­i­dente do tri­bunal que deter­mi­nou a inves­ti­gação e que, iden­ti­fi­ca­dos crimes pelos quais venha a ser denun­ci­ado, o julgará.

Exceto por uma not­inha ou notí­cia aqui ou ali, não vi ninguém “estran­hando” que uma parte estivesse de con­versa com o pres­i­dente do tri­bunal que poderá vir a julgá-​lo.

O gov­er­nador, chefe do secretário, que acha um “absurdo” que um juiz tenha tro­cado opiniões com o procu­rador fed­eral, não deve ter achado nada demais que o seu secretário de segu­rança, que o tri­bunal man­dou inves­ti­gar por acusações gravís­si­mas, tenha ido se avis­tar com quem deter­mi­nou a inves­ti­gação.

O próprio gov­er­nador que tam­bém foi juiz — e todo dia faz questão em nos infor­mar disso –, será que se fosse pos­sível “abrir” o sig­ilo de suas con­ver­sas encon­traríamos o mesmo con­teúdo daque­las do ex-​juiz Moro com os procu­radores?

Ele – ou qual­quer outro –, pode se achar imune à inter­pre­tação de uma palavra mal colo­cada em uma con­versa – que não dev­e­ria ser, mais é –, privada?

Uma das for­mas de coibir isso, ao meu sen­tir, seria proibir que os mag­istra­dos falassem com uma parte sem a pre­sença da outra.

Como não existe essa vedação, logo as más inter­pre­tações ou ilações sem­pre ocor­rerão ao sabor das con­veniên­cias políti­cas e econômi­cas do momento.

O que existe de con­creto, pelos ele­men­tos que dis­po­mos até o momento, é a man­i­fes­tação escan­car­ada da hipocrisia. Pedem a cabeça de um ex-​juiz por ter con­ver­sado com as partes de proces­sos sem qual­quer crime aparente, mas nada acham de estranho na nor­mal­i­dade com que isso ocorre diari­a­mente.

A propósito deste tipo de escân­dalo, até recordei uma pas­sagem de uma obra de Milan Kun­dera sobre espi­onagem nos tem­pos da ocu­pação da The­coslováquia, país que exis­tiu entre 1918 e 1992, pela antiga União Soviética: “O rádio trans­mi­tia um pro­grama sobre a emi­gração tcheca. Era uma mon­tagem de con­ver­sas par­tic­u­lares gravadas clan­des­ti­na­mente por um espião theco que se infil­trara entre os emi­grantes, para depois entrar nova­mente no país com grande estardal­haço. Eram con­ver­sas insignif­i­cantes, entrecor­tadas de vez em quando por palavras cruas sobre o régime de ocu­pação, mas tam­bém de frases nas quais os imi­grantes se xin­gavam mutu­a­mente de cretinos e impo­s­tores. O pro­grama insis­tia prin­ci­pal­mente no seguinte: era necessário provar que essas pes­soas não ape­nas falam mal da União Soviética (o que não deixa ninguém indig­nado), mas tam­bém se calu­niam mutu­a­mente, dizendo palavrões sem a menor hes­i­tação. Coisa curiosa, dize­mos palavrões de manhã à noite, mas se ouvi­mos no rádio uma pes­soa con­hecida e respeitada pon­tuar suas frases com “estou me cagando”, ficamos um pouco decepcionados.”

Por tudo já dito, atribuo esse “cerco” ao ex-​juiz e atual min­istro Sér­gio Moro a duas cir­cun­stân­cias: a vin­gança e o medo.

Todos sabe­mos que desde que o então juiz começou a con­denar os donos do poder cul­mi­nando com a con­de­nação e encar­ce­ra­mento do ex-​presidente Lula por cor­rupção e lavagem de din­heiro, atraiu o ódio e desejo de vin­gança dos seus devotos.

O ex-​presidente foi con­de­nado em primeira, segunda e ter­ceira instân­cias, mas para os seus fanáti­cos a culpa é do Moro.

Para eles, ainda que o Lula fosse visto “tirando” lit­eral­mente o din­heiro do cofre da nação e levando para sua casa não seria roubo, estava levando por ser a sua casa por ser local mais seguro para guardar o din­heiro público. Mais, se o visse o reti­rando o din­heiro do cofre, para todos os efeitos não estaria tirando e sim colo­cando.

Ninguém fala ou rev­ela os diál­o­gos sobre as prisões ou proces­sos dos out­ros malfeitores.

Não foi só o ex-​presidente Lula que foi alcançado pela Oper­ação Lava Jato, dezenas de out­ros cidadãos foram pre­sos, con­de­na­dos e cumprem pena por seus deli­tos; bil­hões de reais já foram recu­per­a­dos para os cofres públi­cos do muito que roubaram da edu­cação, da saúde, da assistên­cia aos menos favorecidos.

Não vimos ainda o con­teúdo do vaza­mento de out­ras con­ver­sas como, por exem­plo, com algum advo­gado de parte. Se têm tudo porque não rev­e­lar tudo? O próprio ex-​juiz já disse que podem rev­e­lar.

Na ver­dade, não fazem isso porque não inter­essa. O que de fato importa é o pro­longa­mento da vin­gança, da sus­peição, da dúvida. O que querem é destruir o ex-​juiz.

Resta um con­luio (este sim, a mere­cer o nome) entre os ali­a­dos do ex-​presidente e dos demais crim­i­nosos que son­ham em reverter suas con­de­nações e, quem sabe, recu­perar, pelo menos parte dos recur­sos públi­cos que roubaram de nos­sas cri­anças, dos nos­sos pobres, dos nos­sos enfermos.

A vin­gança vem tam­bém de parte da imprensa nacional e inter­na­cional, que foi ben­e­fi­ci­ada acin­tosa­mente pelos gov­er­nos ante­ri­ores, e que agora sen­ti­ram que a fonte secou.

Com a obtenção e que­bra crim­i­nosa do sig­ilo da comu­ni­cação do juiz e dos procu­radores, vingam-​se, tam­bém, do gov­erno Bolsonaro.

Mas o grosso da vin­gança é mesmo con­tra o ex-​juiz Sér­gio Moro, pois junto com ela (vin­gança) existe tam­bém o medo.

O medo que ele se torne imbat­ível numa eleição pres­i­den­cial futura.

A vin­gança e o medo movem os ataques opor­tunistas do gov­er­nador do Maran­hão, Flávio Dino e do ex-​governador Ciro Gomes. Eles, assim como todos os out­ros, sabem que o ex-​juiz, se não for “abatido” o quanto antes, é uma séria ameaça aos seus son­hos de poder.

Esse medo tem números bem reais: com menos seis meses no cargo de min­istro da justiça, já vimos diver­sas oper­ações de com­bate ao crime orga­ni­zado, seque­stro de bens, iso­la­mento de crim­i­nosos, etc.

O resul­tado das ações efe­ti­vas das forças de segu­rança sob o comando do ex-​juiz se reflete na redução de todos indi­cadores de vio­lên­cia, só em homicí­dios a queda foi de 23%(vinte e três por cento), segundo dados do Sinesp, na com­para­ção com o mesmo período de 2018.

Ora, se em seis meses a política de segu­rança já mostra os resul­ta­dos aferi­dos, quanto não se avançará com o pas­sar do tempo, sobre­tudo, se o Con­gresso Nacional aprovar o “Pacote Anticrime”?

Os ataques são pinça­dos e dirigi­dos con­tra ex-​juiz para desmor­alizar sua rep­utação como vin­gança e por medo, porque ele rep­re­senta um sério embaraço a todos que tem como pro­jeto de poder a sucessão de Bol­sonaro.

Por isso essa “afi­nação” entre tan­tas forças políti­cas con­tra ele.

Não se ilu­dam, nen­hum dos que ata­cam o ex-​juiz Sér­gio Moro – os out­ros são víti­mas indi­re­tas –, fazem isso por amor a causa do dire­ito ou da Justiça. Agem moti­va­dos pelos próprios – e escu­sos –, interesses.

Abdon Mar­inho é advo­gado.