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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Quarta-feira, 02 de Abril de 2025



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho


O Centro Novo – Parte II.

Por Abdon C. Marinho.

 

PASSAVA, certa vez, pelo Centro Novo – apesar de ser filho da terra minha área de atuação sempre foi outros recantos do estado, nunca trabalhei nos municípios da região, fazendo com que visite meu torrão menos do que gostaria, o que acaba por justificar aquele velho adágio de que “santo de casa não faz milagres”, rsrsrs –, mas, numa daquelas visitas “de passagem” ou para tratar de algo bem específico, avistei uma escolinha em um ponto elevado: Escola Municipal  Diolino Calheiro. 

 

Fiquei emocionado com a singela homenagem ao meu tio tão amado. 

 

Enquanto contava aos amigos de viagem sobre o meu tio a memória me remetia há dezenas de anos, remetia à minha doce infância. 

 

Lembrei-me que quando voltava para casa, vindo de Governador Archer, nos finais de semanas ou durante as férias, algumas coisas me cativavam a atenção, uma delas eu enorme pé de tamarindo que ficava à meio caminho da viagem, depois as entradas dos povoados Venceslau, à direita e do Centro dos Camelos, à esquerda (nunca soube se por lá passou algum camelo alguma vez), depois atravessava-se um grande riacho de águas bravas no inverno para em seguida estarmos propriamente no Centro Novo, ao dobrarmos a curva avistávamos a casa do senhor Batista, do velho Arthur, para, em seguida a casa do “tie Dió”.

 

A distância de Governador Archer ao Centro Novo era duas léguas, mas como não haviam estradas era como se fosse bem mais. Ao avistar a casa de “tie Dió”, sabíamos que estávamos em casa. 

 

A casa de “tie Dió” era uma casa grande com um amplo alpendre com piso de cimento queimado, que para alcançar precisamos subir alguns degraus. Além do alpendre o imóvel possuía dois ambientes, a parte residencial e a parte comercial, uma quitanda, com enorme balcão  de madeira e prateleiras onde se colocava de tudo, arroz, sardinha, manteiga, café,  farinha, açúcar,  diversos tipos de bebidas alcoólicas, fumo de rolo, cigarros, querosene, tudo ali separado numa mistura de aromas únicas. Sobre o balcão um vistosa balança de dois pratos onde eram pesadas as compras: um kilo de arroz, uma quarta de café, meio quilo de fumo e por aí se ia. Tudo pesado e embrulhado em um papel grosso que era cortado com uma régua de madeira. 

 

Ao lado da casa de tio Deolindo, seguindo o mesmo padrão, a casa de prima Clarice. 

 

No lado oposto da estrada, um pomar com frutas diversas, com destaque para as mangueiras, tendo ao centro um poço, na verdade um cacimbão redondo com uma borda quase um metro de altura bem cimentada em cimento queimado, a água era retirada com a ajuda de uma linda gangorra, onde se enrolava uma corda de cânhamo. 

 

O poço da comunidade já era um local nato de encontro. Os vizinhos chegavam com suas latas para retirarem a água que levariam para cozinhar ou beber. Em torno do poço, enquanto um vai tirando a água e outro aguarda a vez vai se trocando informações sobre o dia a dia, a colheita, o que se fez ou que se deixou de fazer. 

 

O poço de “tie Dió”, embora não fosse comunitário, tinha esse papel. Já o poço da casa de meu pai, por ser um pouco mais para dentro da propriedade era utilizado basicamente por nossa casa e por uns poucos vizinhos. Era também uma cacimba toda revestida em madeira e mais profunda Igualmente possuía uma gangorra em madeira trabalhada. 

 

Esse conjunto era o centro cultural do Centro Novo. Durante o dia as pessoas ficavam por lá conversando, mas para a noite, ficavam no alpendre ou dentro da quitanda, onde toda hora chegava alguém para comprar algo ou tomar uma dose conhaque ou cachaça da terra. 

 

Sempre tinha gente pela quitanda, pelo alpendre ou sob a sombra das árvores do pomar. 

 

O melhor momento do ano era durante as férias. 

 

Era por ocasião das férias escolares que todos voltavam para o Centro Novo, os que estudavam em Governador Archer, os que estudavam em Gonçalves Dias e, principalmente, aqueles que estudavam em Pedreiras. Esses além, voltarem traziam as primas e primos já radicados por lá para passarem as férias no Centro Novo.

 

Eram dias inteiros de brincadeiras, de passarinhadas, de banhos nos riachos e açudes, de passeios. 

 

As noites, até o cansaço chegar, eram gastos com brincadeiras de roda, queimado, caí no poço, cão-cão, esconde-esconde …

 

Eram momento em que os maiores já se aproveitavam para um flerte mais furtivo ou para ensaiar um namoro com a prima ou primo, roubar um beijo, etc. 

 

Quando coincidia de aparecerem pelo Centro Novo em junho a alegria era maior, acendia-se as fogueiras e os vastos terreiros rigorosamente limpos eram iluminados enquanto a criançada brincava até tarde da noite, enquanto assavam milho ou batatas. 

 

Fui dos últimos a ir para escola por conta da poliomielite, achavam que não estava preparado para morar na cidade, por conta disso ficava ainda mais ansioso enquanto esperava os irmãos voltarem para darem um pouco de “movimento” para o Centro Novo. 

 

Ainda vindo na estrada, do mesmo lado da casa de “tie Dió” ficava a casa de tia Chiquinha e a frente a casa de seus filhos e outros parentes. 

 

Mais adiante ficava nossa casa. A casa dos meus primeiros dias e da minha infância. Onde fui tão feliz e tão triste ao mesmo tempo. 

 

Na última vez que estive no Centro Novo percebi que muito do que narrei nesse e em tantos textos só existe nas minhas lembranças. 

 

Abdon C. Marinho é advogado, escritor, cronista.