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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Quarta-feira, 02 de Abril de 2025



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho

A verdade de cada um passa longe de ser a verdade de todos.

Por Abdon C. Marinho.

 

ESSE é um texto para se ler desarmado.

 

Em 15 de março de 1985 acordamos estupefatos com a notícia de que Tancredo Neves o presidente eleito e por quem tanto torcemos – antes, na campanha das diretas e depois no embate com Paulo Maluf, no colégio eleitoral, em janeiro do mesmo ano –, fora internado na madrugada e não mais tomaria posse naquele dia. 

 

Naquela manhã ainda se debatia se seria dado posse a José Sarney – que ao longo da carreira política até então dera sustentação ao regime militar, inclusive, fora o presidente da ARENA até sair para ingressar no MDB e ser o candidato a vice-presidente na chapa –, ou ao deputado Ulysses Guimarães que fora o líder da oposição ao regime militar durante toda vida política.

 

Como sabemos, Ulysses Guimarães foi contra tal arranjo e um dos defensores da normalidade democrática com a posse do vice-presidente eleito, José Sarney, que assumiu interinamente.

 

Daquele dia até o 21 de abril seguinte o Brasil acompanhou, com os olhos grudados na televisão ou ouvidos nos rádios, o calvário de Tancredo Neves. Coube ao jornalista Antônio Brito, porta-voz do presidente eleito – e que depois se tornaria governador do Rio Grande do Sul –, anunciar a tragédia. 

 

O 15 de março de 1985 teve esse misto de sentimentos: era o fim do regime militar – cujo o último presidente-general, João Baptista de Figueiredo, recusou-se a passar a faixa a José Sarney, deixando-a com um ajudante de ordens –, mas com um amargor de continuidade. 

 

Oficialmente a ditadura chegara ao fim.

 

O restante da história todos conhecemos (ou deveríamos conhecer). Sarney tirou os cinco anos de mandato sob o signo da desconfiança e da ilegitimidade popular – o povo queria Tancredo –, cumpriu os compromissos da campanha, como retirar da ilegalidade partidos e entidades, conotar eleições livres e uma nova Constituição Federal, entre outros. 

 

E o tempo passou.

 

Em 15 de março de 2025 comemorou-se os quarenta anos da reinstalação da democracia em nosso país. Muitas saudações, matérias especiais nos jornais para celebrar os fatos de quarenta anos atrás. 

 

Num daqueles paradoxos que só a história caberá avaliar, no dia seguinte alguns milhares de pessoas foram às ruas para pedir anistia aos que, dois anos antes, em 8 de janeiro de 2023, supostamente, tentaram “derrubar” o governo eleito. 

 

Vejam que situação interessante: em um dia comemoramos quarenta anos do retorno da democracia em nosso país; no dia seguinte, pede-se anistia para aqueles que tentaram romper com o ciclo democrático e “reimplantar” um regime autoritário no país, novamente sob o comando de militares que sessenta anos antes tomaram o poder e só o devolveram às custas de muitos sacrifícios, assassinatos, torturas, banimentos, exílios, vinte e um anos depois. 

 

O clima de polarização política impede o cidadão comum, aquele não se encontra nos extremos do debate político, de entender o que vem acontecendo no Brasil e como deve ou se deve se posicionar. 

 

Algumas perguntas são importantes para serem feitas:

 

Quarenta anos após encerrarmos a ditadura militar, vivemos numa democracia como a festejada no 15 de março?

Em 8 de janeiro de 2023 vivenciamos uma tentativa de golpe contra essa democracia?

 

Se vivemos em uma democracia seria legítimo que se tentasse um golpe para devolver novamente o poder aos militares e seus aliados?

 

Se não vivemos em uma democracia o que efetivamente se festejou no 15 de março de 2025?

 

Se vivenciamos uma tentativa de golpe contra a democracia em 8 de janeiro de 2023, os seus participantes merecem responder por ela?

 

O tema da discussão da anistia me parece ser uma pauta incontornável e quer me parecer urgente diante da severidade (?) das penas aplicadas pelo Supremo Tribunal Federal - STF aos envolvidos. 

 

Quer me parecer que ambas as “facções” políticas utilizam-se da metáfora do “final de campeonato” a seu favor. Essa metáfora é a seguinte: imaginem um final de campeonato importante com o estádio fervilhando de torcedores, todos na incontida emoção; o jogador marca o gol da vitória, corre para o centro do campo e é abraçado, agarrado, beijado por um, por dois, por três ou mais companheiros de time. Se você tirar o final de campeonato, o estádio  lotado, os torcedores emocionados, o clima de euforia, o gol da vitória, o terá será apenas dois, três, quatros ou mais homens se agarrando e se beijando, muda totalmente o contexto. 

 

O que acontece na atual quadra política brasileira é mais ou menos isso. De um lado temos a facção que sustenta ter havido uma absurda tentativa de golpe, com desdobramentos inimagináveis, com mortes, assassinatos de autoridades, reimplantação de uma ditadura civil-militar, é tudo que isso possa representar e de outro lado a facção política que sustenta não ter havido nada disso, com pessoas sendo pressas por terem exercido apenas sua liberdade de expressão e de protesto contra o governo que acabara de se instalar. Em tal contexto “pintam” que uma determinada senhora, mãe de família, com dois filhos menores, foi presa e encontra-se em vias de ser condenada, tão somente por haver pichado com batom vermelho a estátua da Justiça, uma outra por ter ido passear na Praça dos Três Poderes por ocasião do ato; ou por ido tirar fotos e escrever sobre os fatos que estavam acontecendo. 

 

Ora, em tal contexto, o Brasil seria uma das piores ditaduras do mundo, talvez comparada a ditadura norte-coreana que impõe penas de banimentos ou de trabalhos forçados e até de morte  a alguém que deixou de adorar o ditador de plantão ou que teve um membro da família que fugiu do país. 

 

Quem em sã consciência não achará absurdo alguém ser condenado a dura pena por haver pintado com batom uma estátua? Ou mesmo um crime de dano mais grave? Quem achará razoável alguém ser condenado a quase vinte anos de prisão por um crime de dano? Praticamente a mesma pena de um homicídio simples. 

 

Quando digo que a verdade de cada um passa longe da verdade de todos é porque acredito que, sim, tentaram um golpe de estado. Golpe esse que vinha sendo ungido desde a ascensão ao poder do ex-presidente através dos seus ataques constantes aos demais poderes e instituições da República, principalmente o Poder Judiciário, em seus diversos segmentos. Essa tentativa de golpe escalou com o resultado das urnas desfavoráveis ao mesmo ex-presidente, os diversos questionamentos à lisura do pleito e a ordem de acampamentos sincronizados em frente aos quartéis como estratégia para forçar as forças armadas a tomarem o poder. 

 

Nesse contexto, o movimento de 8 de janeiro de 2023, não foi um movimento político espontâneo, pelo contrário, foi planejado e executado no sentido de provocar uma reação dos atuais inquilinos do poder com possível repressão violenta e derramamento de sangue, capaz de justificar, em um ato derradeiro, a equivocada interpretação do artigo 142 da Constituição Federal.

 

Por motivos diversos o plano fracassou, seja porque as forças de segurança não reagiram (ou só foram reagir bem depois já no sentido de reduzir prejuízos e retirar as pessoas dos prédios públicos), seja porque, mesmo com o povo nas ruas, as forças armadas não quiseram participar da falsa quartelada. 

 

A tentativa de golpe acabou por se tornar uma espécie de “crime impossível”. 

 

Assim, como acredito que houve uma tentativa de golpe (ou uma organização política para uma subversão à ordem jurídica) acredito, também, que muitos daqueles cidadãos que participaram dos eventos do 8 de janeiro de 2023, em maior ou menor gradação, embora ansiassem pela derrubada do governo recém estabelecido, não tinham consciência de que estavam participando de um golpe de estado ou da gravidade que tal fato tinha. 

 

Essas pessoas, esses cidadãos, foram literalmente usados como “bucha de canhão” dos organizadores da falsa quartelada. Imagino até que tenham torcido para que tivessem sido vítimas fatais de uma reação policial. Uns trinta mortos estendidos no chão e estava pronta a desculpa perfeita para o retrocesso institucional. 

 

Acredito que o STF (não discutirei sobre a competência nesse texto) cometeu o equívoco de realizar o julgamento dos fatos ocorridos no 8 de janeiro de 2023 “de baixo pra cima” ao invés de julgar “de cima pra baixo”. É dizer: deveria ter iniciado por julgar os “grandes”, os que tramaram, planejaram, anuíram, concordaram ou participaram de alguma forma, inclusive, financeiramente e só depois, analisar e julgar as condutas dos “bagrinhos”, também, com a perspectiva de que muitos são igualmente vítimas, foram usados e iludidos pelos verdadeiros líderes da trama. 

 

Essa cautela – e um julgamento justo –, evitaria que se criassem narrativas acerca do que aconteceu e do que se tentou fazer no Brasil. 

Abdon C. Marinho é advogado.