DA TRANSVIADÔNICA DE LULA À BOIOLAGEM DE BOLSONARO.
Por Abdon Marinho.
JÁ se passaram mais de trinta anos desde que o ex-presidente Lula, em visita a Pelotas, no Rio Grande Sul, sugeriu que aquela cidade seria um pólo exportador de “veados”. O áudio captado indiscretamente (parece-me que ele não sabia que o microfone estaria ligado) daria conta que o então político sem mandato ainda propusera a construção de uma rodovia ligando a cidade gaúcha à cidade de Campinas, em São Paulo, a “transviadônica”.
Depois da “transviadônica”, dos tempos que o político ainda sonhava em ser presidente da República, depois de sê-lo – acho que em 2017 ou 18 –, quando acossado por investigações policiais da chamada operação Lava jato, o ex-presidente Lula, novamente captado em áudios indiscretos, desta vez autorizados pela justiça, sugeriu que colocassem militantes do sexo feminino na linha de frente de protestos, referindo-se a elas como sendo “mulheres do grelo duro”. Até hoje não sei o que significa isso.
Ainda naquela oportunidade por conta de uma operação na sede do Instituto Lula e nas casas de alguns dos membros/funcionários, sugeriu que determinada secretária ao vê os policiais “invadindo” sua casa pensou tratar-se de um atendimento de uma prece. Induzindo que a mesma gostaria de ser “atacada” por aqueles homens.
Durante todos esses anos a militância política ligada ao ex-presidente Lula sempre se esquivaram ou tentaram justificar as falas homofóbicas e/ou preconceituosas, desprovidas de educação e respeito do seu líder.
Por estes dias, em visita ao Maranhão, o atual presidente da República, senhor Bolsonaro, também gravado indiscretamente repetiu a “graça” do antecessor feita há trinta anos, ao ser apresentado ao guaraná Jesus, disse: “Agora eu virei boiola. Igual maranhense, é isso?”, disse o presidente entre risos. “Guaraná cor-de-rosa do Maranhão aí, quem toma esse guaraná aqui vira maranhense”, completou mostrando a bebida.
Em tempos de internet, com a repercussão à fala ganhando o mundo, inclusive sendo objeto de debates nas redes de televisão, à noite o presidente, na sua live semanal e vestindo a camisa de um popular time maranhense, “emendou” um pedido desculpas tomando novamente o guaraná Jesus e dizendo que “não sentiu nada”. Tudo isso entre muxoxos e piadinhas.
Acredito que a desculpa tenha até saído pior que a ofensa inicial.
Existe alguma diferença entre dizer que “Pelotas é um grande polo exportador de veados” ou a referência às “mulheres do grelo duro” e “agora virei boiola. Igual maranhense”?
Talvez a única diferença seja que as duas primeiras tenha sido proferidas pelo senhor Lula antes e depois do mesmo ser presidente, já a última, a fala do senhor Bolsonaro, tanto em solo maranhense quanto aos muxoxos e piadinhas durante a live se deram em pleno exercício do cargo.
Vivemos tempos de ineditismos. Acredito ser a primeira vez que um presidente da República se refira a população inteira de um estado, inclusive, muitos seus aliados e defensores como “boiolas”.
Idêntico, também, é o comportamento dos “faccionados” de ambos os lados.
Assim como os lulistas estão há anos fingindo que nunca houve tal ofensa ou fazendo pouco caso das mesmas, o mesmo ocorre com os bolsonaristas, que acharam lindo o que o seu líder disse e defendem nas redes sociais e meios de comunicação a sua fala.
Dizem: — o Bolsonaro falou de diversas coisas, só repercutiram isso; — o presidente falou dos milhões em investimentos para Maranhão; — o presidente fez mais pelo guaraná Jesus do que qualquer outra pessoa.
Outros até se saíram com a inusitada tese de que o presidente chamou os “maranhenses de ‘boiolas’ de forma carinhosa”.
E por aí vai. Morro e entendo o comportamento de “militontos” que são capazes de
‘passar o pano’ para tudo que seus líderes dizem ou fazem. Chega ser engraçado que todos estes que se calaram ou justificaram todas as asneiras do Lula durante anos agora virem censores do Bolsonaro, não que ele não mereça severa censura, mas porque nunca disseram nada anteriormente.
Já disse por diversas vezes que não deveria ser considerado ofensivo dizer que alguém é homossexual, gay, etc.
Os últimos textos que abordo o assunto, que lembro foram: “A ofensa gay”, onde trato de um entrevero entre os hoje senadores Roberto e Weverton Rocha, onde o primeiro referiu-se ao segundo e ao presidente do seu partido como um casal e fechava a publicação dizendo que “desejava felicidades ao casal” e por ocasião do recebimento de uma queixa ofertada pela esposa do senador Weverton contra o senador Roberto, pelo mesmo fato, no Supremo Tribunal Federal - STF. O título do texto é “Insinuação de ‘viadagem’ aflora preconceitos até no Supremo”.
Nestes dois textos os leitores encontram com maiores detalhes o que penso.
Descarto tanto das falas do ex-presidente Lula quanto do atual presidente Bolsonaro a ausência de preconceitos. Ambas foram manifestações de quem vêem os gays como seres humanos inferiores e ambas foram feitas com intuitos de ofender as pessoas.
Embora muito comum entre os brasileiros, não consigo enxergar graça no chamado “preconceito recreativo”, este em que as pessoas tiram motivos para riso de situações físicas ou situações sexuais de outras pessoas.
O gordo, o magrelo, o negro, o albino, o deficiente, o gay, não são motivos de graça para ninguém.
Não é por sua situação que devem ser motivos de chacotas ou discriminações.
No caso do presidente o caso se reveste de maior gravidade, não só pela honradez e respeito que o cargo requer, como representante de todos os brasileiros, inclusive dos gays e dos maranhenses, mas, também, porque ele pautou sua carreira política inteira reforçando preconceitos contra as pessoas, chegando ao ponto de, em determinada entrevista, ter dito que preferiria muito mais um filho morto a um filho gay, muito embora saibamos que todos os seus filhos estejam bem vivos, com a graça de Deus, e um ou outro até ensaie sair do armário de vez em quando. E ninguém tem nada com isso.
Um presidente da República é presidente de todos e deve respeito a todos os presididos. Ainda que seja honesto, trabalhador, que faça obras importantes e necessárias, isso não lhe dar o direito de ofender os sentimentos de nenhum cidadão. Ainda que traga “burras” de ouro não lhe permite dizer asnices.
O Brasil é um país que enfrenta desafios imensos, é a economia que não vai bem, com o dívida pública consumindo quase a totalidade do PIB, é o dólar nas alturas, é o desemprego com números absurdos, é a fome que ronda o lares de milhões de brasileiros, é a crise ambiental que se tornou a maior da história, é a educação que não avança, é a saúde que não atende como deveria, é a corrupção que drena os recursos públicos.
Com tantos problemas, precisamos de um presidente da República que se preocupe com os fundos da nação e não com fundos dos seus cidadãos. Destes, cada um cuida do seu como melhor lhe aprouver.
Ah, apenas encerrar, o presidente e seus aduladores podem tomar guaranás ou bebidas de qualquer cor que não correrão o risco de ficarem “boiolas” por conta disso.
Noutra palavras, não poderão usar essa desculpa se quiserem “soltar a franga”.
E, para os que não sabem, no Maranhão não temos “boiolas”, apenas “qualiras” e nenhum por ter tomado guaraná Jesus.
Abdon Marinho é advogado.