INAUGURAREMOS A ERA DOS MINISTROS CAPACHOS?
Por Abdon Marinho*.
O MINISTRO Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal - STF, “pendurou” a toga por estes dias, mais precisamente, no dia 13 de outubro, dias antes de completar os 75 anos idade, em 1º de novembro, data limite para aposentadoria compulsória, com 31 anos na Corte Suprema e 50 anos de serviço público ao país – graduou-se em 1969 e, a partir de 1970, através de concurso, onde foi aprovado em primeiro lugar, passou a integrar o Ministério Público do Estado de São Paulo, de onde saiu para integrar o STF.
Com uma vida inteira dedicada ao Direito, o ex-decano do STF, possui uma carreira jurídica sólida, tendo se caracterizado por seus votos densos e de inigualáveis conteúdos.
Ao ingressar no Supremo e com 19 anos de carreira no MPSP, já era reconhecido por sua notável capacidade jurídica, esta, aliás, um dos pré-requisitos para o ingresso na corte.
Nunca tivemos notícias de questionamentos à sua notável capacidade jurídica ou, tão pouco, quanto à falta de ilibação de sua conduta, seja nos trinta e um anos na Suprema Corte, seja nos dezenove anos antecedentes no Ministério Público de São Paulo.
Nas sessões que antecederam sua saída, na turma e no pleno, vimos em emocionadas saudações, os demais ministros reconhecerem a sua honradez e dignidade.
Mesmo o ministro Gilmar Mendes, que por inúmeras vezes, discordou dos posicionamentos do ex-ministro, não conteve as lágrimas no discurso de despedida.
Um justo reconhecimento pelos cinquenta anos de dedicação ao direito e ao serviço público brasileiro.
Mas, como nem tudo são flores, nos últimos anos, principalmente desde que se instalou o atual governo, o ex-ministro vinha sofrendo ataques das hostes governistas e, principalmente, da militância partidária vinculada ao presidente, inconformada com algumas decisões e votos e, até, por críticas que fez em ambiente privado – mas que vieram a público –, ao atual governo, onde comparou os arroubos autoritários dos atuais mandatários, com manifestações semanais contra os demais poderes, ao ocorrido na triste República de Weimar, naqueles anos que precederam a tomada definitiva do poder na Alemanha pelos nazistas e toda a desgraça que a ela se sucedeu.
A sanha detratora à guisa de não encontrar um escândalo nos votos ou suspeita de favorecimento ou corrupção ou interesses subalternos, foi revolver da página de um livro do ex-ministro da Justiça do governo Sarney, Saulo Ramos, um único episódio pouco edificante, jamais desmentido – por educação ou pudor –, por Celso de Mello.
O episódio narrado por Ramos, incerto no livro Código da Vida, dar conta de um diálogo havido entre o autor e o ex-ministro sobre uma votação que interessaria ao ex-presidente José Sarney, que o indicara para o cargo de ministro e que ele, Mello, votara contra.
Ao cobrar os motivos de seu posicionamento, o ex-ministro teria respondido ao autor do livro que votara contra porque o jornal Folha de São Paulo antecipara que ele votaria a favor do ex-presidente Sarney e, como este já ganhara a votação antes de chegar sua vez de votar, votou contra.
No livro, Ramos diz que o chamou de “juiz de merda” e nunca mais lhe dirigiu a palavra.
O livro de Ramos foi questionado por algumas pessoas, que disseram que o mesmo contara a história “causa própria”. O próprio Mello, como dito anteriormente, nunca soube ter dito nada sobre o assunto.
Com quase trinta anos de “mundo jurídico”, onde tudo se comenta, como em um salão de beleza, e gozando de boa memória, nunca ouvi falar de nada, exceto este episódio, que desabonasse ou pusesse em xeque a conduta do ministro recém-aposentado. Um ato de corrupção ou desvio de conduta, nada.
Pois este único episódio, que já conta com quase três décadas, foi o que bastou para uma sórdida campanha dos militantes bolsonaristas contra o ex-ministro, a quem só se referiam (ou se referem) como “juiz de merda”. Essa tem sido a cantilena nos dois últimos anos.
Faço tais considerações sobre a vida do ex-ministro porque o presidente da República, até com um derradeiro gesto de grosseria por alguém que dedicou 50 anos de sua vida ao serviço público, mal o então decano anunciara a data da saída, já tinha o nome pronto para ocupar a vaga. Não esperou a “missa de sétimo dia”, o defunto ainda quente na sala, já o substituto adentrava ao recinto.
E é sobre este proceder presidencial e sobre as suas escolhas que, propriamente, trata o presente texto.
Desde que assumiu – e mesmo antes disso –, o presidente vem usando as vagas que surgirão no Supremo, e também, nos outros tribunais, como moeda de troca.
Faz isso com tanta desfaçatez e “desavergonhamento” que por vezes chego a pensar que isso é normal. Apenas por um momento, logo percebo que nada disso é normal, nem mesmo o “novo normal”, é apenas descaramento diante da omissão dos poderes constituídos que teimam em perseguir a própria desmoralização.
Me detendo apenas no Supremo Tribunal Federal, a Constituição Federal, no artigo 101, estabelece “Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada”.
Muito embora, dentro das balizas constitucionais, exista uma vastidão a permitir a escolha, espera-se que as escolhas recaíam sobre elas.
Antes mesmo de abrir a vaga ocupada pelo ex-ministro Celso de Mello, o presidente já havia dito que indicaria um ministro “terrivelmente” evangélico, doutra feita, que indicaria um ministro com quem pudesse tomar uma cerveja.
Nada tenho contra os evangélicos ou os apreciadores de cervejas, mas estes não são critérios para se escolher ministros de tribunais.
Apesar das inusitadas colocações a patuleia e, pior, os poderes constituídos silenciam como se fossem normais.
Mesmo aquela militância que disse ter votado no atual mandatário numa perseguição à ética perdida na política, aplaude e acha normal estes despautérios.
E não falo apenas daqueles que se deixaram “cegar” pelas escolhas ideológicas, mesmo pessoas esclarecidas, aplaudem e acham normais esse tipo de coisa.
E, das palavras à ação – principalmente diante do silêncio cúmplice, obsequioso ou covarde –, é um pulo.
Antes mesmo de aberta a vaga ocupada pelo decano, o presidente, como dissemos, tratou logo de indicar para preenchê-la o desembargador do Tribunal Regional da Primeira Região, Kássio Marques, que ingressou naquele tribunal na vaga do quinto constitucional destinados aos advogados, nomeado, em 2011, pela então presidente Dilma Rousseff.
Estranhamente, segundo noticia a mídia, o desembargador estava em “campanha” por uma vaga no Superior Tribunal de Justiça - STJ, quando acabou caindo nas “graças” do presidente e ganhando a indicação para o mais alto degrau da fama.
Indicação feita, exceto por algumas franjas bolsonaristas, – e pelos motivos errados –, que cobravam a nomeação de alguém “terrivelmente” evangélico, a escolha, ao que parece, agradou em “cheio” classe politica, sobretudo, aqueles mais encalacrados com a justiça, do chamado “centrão”, agora principal força politica na base do governo e que, certa vez, um importante ministro do governo fez o seguinte trocadilho: – se gritar pega “centrão”, não fica um meu irmão; os petistas, responsáveis, como dito anteriormente, pela indicação ao TRF1.
A classe politica parece tão satisfeita com a nova indicação para Suprema Corte que ninguém diz nada, impera o mutismo, em relação as inconsistências curriculares do indicado, aos indicativos de plágios nas teses defendidas e, até mesmo, nas denúncias – várias –, de que não possuiria o notável conhecimento jurídico e a conduta ilibada.
É verdade que ninguém disse nada, aliás, nem ligou, quando da nomeação pelo governo do Partido dos Trabalhadores - PT, para o cargo que ocupa hoje. Como é comum nestes casos.
Entretanto, agora, estamos falando de uma indicação para mais elevada corte de justiça do país, onde o escolhido, com menos de 50 anos, ficará por lá, com o direito de “errar por último”, como os próprios integrantes da Corte fazem questão de dizer, por quase trinta anos.
Trata-se de algo de tamanha importância que deveria mobilizar toda a sociedade.
Assiste-se, entretanto, uma estranha letargia diante de uma indicação, no mínimo controversa, tendo o relator da indicação no Senado República adiantado, diante das inconsistências curriculares do postulante, que o currículo para o mais elevado cargo do judiciário brasileiro, não tem relevância.
A mim, soa como inacreditável que a classe política e a sociedade civil tratem a indicação e escolha de um ministro para STF com o pouco caso de quem se apeia um bode em uma beira de estrada no Piauí.
Mesmo aqueles que estavam nas ruas, desde o ano de 2013, cobrando moralidade, respeito a coisa pública e o fim da corrupção, parece-me que nada têm a dizer diante da nomeação de um ministro do STF por um convescote de pessoas de conduta duvidosa.
Quer me parecer que nada aprenderam com as consequências de quando o ex-presidente Lula, indicou um militante do partido e subordinado de Zé Dirceu para o Supremo, ainda no seu primeiro governo.
A escolha do novo ministro parece seguir os mesmos passos daquela infeliz escolha, numa versão piorada.
Ao bater os olhos no indicado por seus novos aliados políticos, o presidente tratou de levá-lo pessoalmente para um “acerto” de posições com os notáveis ministros Gilmar Mendes e Dias Tóffoli.
Não satisfeito, em “bate-boca” com seguidores nas redes sociais, adiantou uma dezenas de votos do futuro ministro.
Chega a ser desmoralizante não só para o ministro mas para todo o tribunal os votos de qualquer integrante da corte seja antecipado por quem quer que seja.
Como alguém, em sã consciência, pode acreditar que esse tipo de coisa está certa? Não, não tem nada certo nisso.
Assim, como Celso de Mello, temo pelo futuro do país. Temo mais ainda quando vejo a comunhão de malfeitores em torno de um mesmo interesse.
A certeza é que dias piores virão.
Abdon Marinho é advogado.