Deficientes: Solidariedade, Direitos e Respeito.
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- Criado: Segunda, 21 Setembro 2020 18:07
- Escrito por Abdon Marinho
DEFICIENTES: SOLIDARIEDADE, DIREITOS E RESPEITO.
Por Abdon Marinho.
21 DE SETEMBRO é o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência.
A data foi instituída pelos movimentos sociais, ainda, em 1982, e oficializada pela pela Lei nº. 11.133, de 14 de julho de 2005.
Este ano, imprensada numa segunda-feira preguiçosa, talvez até passasse desaparecida por muitos ou, no máximo, lembrada por uma ou outra pessoa solidária ou por alguns políticos oportunistas às vésperas das eleições.
Não deveria me manifestar – como, aliás, não lembro de tê-lo feito em datas anteriores –, ou para evitar dizerem que o faço em causa própria ou por um proselitismo desnecessário.
Em meio a tantos desrespeitos, violações de direitos e abusos, um em especial, praticado contra um grupo de quatro surdos no Município de Santo Antonio dos Lopes, chamou minha atenção e mostrou que não poderia “deixar passar” ou apenas fazer uma menção honrosa pela data.
Choca ver, que já avançados pelo século 21, ainda usem as deficiências das pessoas para o “divertimento» de alguns.
Choca ver que as pessoas, mesmo aquelas que se dizem indignadas com tal fato se “divirtam” com esse tipo de coisa.
Até li, em algumas redes sociais, onde o “espetáculo” foi ofertado, depoimentos de pessoas dizendo que riram muito de discurso do surdo chamado para “discursar” pelo ex-prefeito, durante a convenção do seu partido, embora, muitas delas, tenham dito que ficaram indignadas.
Então o cidadão fica indignado com o ato vexatório, mas, ao mesmo tempo, não consegue deixar de rir?
No meu escritório conhecemos o ex-prefeito de Santo Antonio dos Lopes, Sr. Eunélio, “Forró Sacode”.
A história do inusitado apelido é bisonha e interessante.
Como sou natural de Governador Archer, município vizinho ao do ex-prefeito e ali, no Médio Mearim, tudo é perto, acabamos sabendo o que se passa por lá.
Certa vez, pouco tempo depois do senhor Eunélio Mendonça tornar-se prefeito de Santo Antonio dos Lopes, acho que em 2009, um dos meus sobrinhos apareceu no escritório para contar de uma grande festa ocorrida naquele município.
–– Ah, tio, o senhor precisava ouvir o discurso do Eunélio.
–– E o que ele disse de tão importante? Indaguei.
–– Ah, tio, ele foi para o palanque onde a banda se apresentava e foi discursar. E no discurso disse: “Tony Guerra, o maior sonho da minha vida como prefeito era trazer essa banda para tocar para o povo de Santo Antonio dos Lopes e que hoje é o dia mais feliz da minha vida”.
Entre outras coisas de adulação e declaração “amores” pela banda.
O que tornava engraçado a história do discurso de «adoração» do ex-prefeito à banda, era a forma como o meu sobrinho a contava, imitando os trejeitos dele e a sua voz inconfundível.
Depois disso, sempre que alguém falava dele na nossa presença sempre recordávamos o episódio do “Forró Sacode”, tanto que quando alguém citava o nome do cidadão já completava: “o Eunélio, do Forró Sacode?” Ou, dizia «o Eunélio, rapaz, aquele do Forró Sacode”. Por fim, ficou só o “Forró Sacode”.
Vejam que coisa, o cidadão com pouco tempo de eleito, com os recursos dos impostos do gás borbotando, tinha como sonho, não tirar o povo da miséria ou melhorar as condições de saúde e de Educação do povo, e sim, levar para o povo apresentação de “sua” banda de forró favorita.
O volume de recursos, obviamente, trouxe melhorias para população.
A taxa de escolarização tornou-se a primeira do estado, e o IDEB 4,9 nas séries iniciais e 3,5 nos anos finais, está acima de muitos outros municípios.
Com população de aproximadamente 15 mil habitantes, o Município de Santo Antonio dos Lopes possui a maior renda per capita do país, cerca de 113 mil reais/ano por habitante, mas possui apenas 5% (cinco por cento) de esgotamento sanitário adequado, e 0,3% de urbanização de vias públicas.
Certamente poderia ter avançado muito mais.
Com tantos recursos circulando no município a taxa de pessoas ocupadas é de apenas 9,3% (nove virgula três por cento), o que corresponde a 1354 pessoas, enquanto que 54% (cinquenta e quatro por cento da população possui rendimento per capita de mensal de até metade do salário mínimo.
Em resumo, o município é rico mas a população permanece pobre.
Com a derrota do seu grupo nas últimas eleições, as notícias a respeito das peripécias do ex-prefeito, exceto pelos boatos de que de um cidadão pobre tornara-se rico em oito anos, a ponto de vez ou outra promover festas grandiosas, escassearam.
Isso até agora, quando o mesmo Eunélio, “aquele do Forró Sacode”, ganhou destaque nacional por submeter, segundo disse, amigos seus, portadores de deficiência, ao vexame narrado no inicio do texto.
Confesso que não me surpreendeu.
O que esperar de alguém que ao se eleger para dirigir um município rico ao invés de pensar em melhorar a vida o povo tinha como maior sonho levar uma banda de forró para tocar?
Um pangaré, ainda que calçado com ferraduras de ouro, ainda será um pangaré.
Durante séculos pessoas com deficiências foram usadas para o deleite dos tiranos e insensíveis. Muitos deles até provocavam as deficiências para delas rirem.
Até pouco tempo pessoas com as mais variadas deficiências eram exploradas em «circos de horrores” que as expunham como aberrações.
Não faz muito saiu uma noticia de que pessoas verticalmente prejudicadas estavam sendo usadas com objetos nos abjetos torneios de lançamentos de anões.
São milhares de exemplos de violências, explorações e abusos contra as pessoas portadoras de deficiências.
Vejam o vídeo do ex-prefeito Eunélio na convenção do seu partido, o Partido Comunista do Brasil — PC do B, o mesmo partido do governador do estado, que sempre se vendeu como defensor das minorias e oprimidos, embora possamos perceber algum constrangimento, ninguém fez nada para impedir o abuso, a humilhação daquelas pessoas, que não são apenas deficientes, são, também, humildes, pobres.
Pelo que soube o próprio presidente do partido estava lá e nada fez.
E, também não tenho noticias de qualquer medida contra o ex-prefeito da parte do PC do B.
Se fez alguma coisa, mesmo uma nota de admoestação, a publicou atrás da porta, para ninguém ler.
Se o mesmo não conseguir ser candidato não será por qualquer medida do partido, mas sim, pelos malfeitos praticados quando prefeito, o que o inabilita para o exercício de cargos públicos por 08 (oito) anos, segundo soube.
No portal do governo, por mais que procurasse, não encontrei uma nota de repúdio, uma reprimenda, nada. Nem mesmo na parte destinada aos Direitos Humanos existe qualquer referência ao triste episódio. Somos invisíveis aos olhos do estado no presente episódio.
E olha que o governo usa o pomposo slogan: «Maranhão de Todos Nós”.
O todos deles talvez não incluam as pessoas com deficiência, até porque, nem mesmo uma alusão ao Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, 21 de setembro, existe nas várias plataformas do Estado ou dos seus dirigentes.
O silêncio por essa data, a omissão diante de injusta e desumana agressão, talvez revele o que verdadeiramente as autoridades sentem em relação a nós, portadores de deficiências: servir ao seu divertimento e/ou deleite ou para votar.
Outra explicação para o silêncio talvez seja por não terem como saudar o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência sem repudiar de forma veemente o que fez um aliado do governador, numa convenção do partido do governador, contra cidadãos portadores de deficiência e, sobretudo, pobres.
Os deficientes, merecemos solidariedade de todos os cidadãos de bem, se não podem nos conceder isso, que garantam os nossos direitos e nos tratem com respeito.
Só isso.
Abdon Marinho é advogado.