AbdonMarinho - O TIRO QUE ACERTOU OS BRIOS
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O TIRO QUE ACER­TOU OS BRIOS

O TIRO QUE ACER­TOU OS BRIOS.

Por Abdon Marinho.

OUVI ou li em algum lugar que, cer­ta­mente, um dos hit’s do Car­naval de 2018, seria o funk “Que Tiro Foi Esse”, da funkeira car­i­oca Jojo Maront­tinni (talvez esse seja um nome artístico).

Recluso durante todo período da folia de Momo – aproveitei para ler umas coisas, ouvir umas músi­cas, ver uns doc­u­men­tários ou filmes, pouco liguei a tele­visão nos noti­ciários –, não pude con­statar se, de fato, o tal funk tornou-​se o hit prometido.

Noutro giro con­statei que a tal música des­per­tou – como há tem­pos não se via –, largas críti­cas, indo desde as mais intol­er­antes onde a mesma é com­parada a lixo musi­cal a out­ras de maior quilate, como ques­tion­a­men­tos ao momento de inse­gu­rança que vive o país.

Ape­nas para se ter uma ideia da “polêmica”, artis­tas recon­heci­dos como Gabriel, o Pen­sador, manifestaram-​se, assim como out­ros supos­tos intelectuais.

Até o col­u­nista da Globo, Arnaldo Jabor, achou opor­tuno fazer uma crônica inspi­rada no tal funk.

Aliás, ape­nas para reg­istro, foi após a crônica de Jabor que fui atrás do funk para saber o que des­per­tara tan­tos sen­ti­men­tos e questionamentos.

Na inter­net encon­trei a letra e videos com clipes e per­for­mances diver­sas. Até uma de servi­do­ras públi­cas de um municí­pio maran­hense, essa e mais out­ras bem hilárias.

Assim, como lá em mea­dos dos anos noventa, com as músi­cas e letras da banda “Mamonas Assas­si­nas”, só achei engraçado.

E, acred­ito, que não deva ir além disso, além do chiste, da brin­cadeira, da performance.

A letra não diz nada: «Que bum foi esse que tá um arraso /​Que tiro foi esse que tá um arraso?! /​Que tiro foi esse? /​Que tiro foi esse que tá um arraso?! /​Que tiro foi esse, viado? /​Que tiro foi esse que tá um arraso?! /​Que tiro foi esse, viado? Que tiro foi esse que tá um arraso?! Samba /​Na cara da inimiga /​Vai, samba /​Des­fila com as ami­gas /​Vai, samba /​Na cara da inimiga Vai, samba /​Des­fila com as ami­gas…”. E por aí vai. Não diz nada.

A letra, como podemos ver, não tem qual­quer crit­ica social ou mesmo à situ­ação de vio­lên­cia que con­fla­gra o país, prin­ci­pal­mente, o Rio de Janeiro, estado de origem da funkeira. É de uma pobreza extra­ordinária. Ade­mais, tão-​pouco pos­sui o apelo erótico vul­gar de out­ros funks de duplo sen­tido ou mesmo aque­les que vão direto à pornografia e ao sexo em todas var­iáveis, inclu­sive aque­las que se aprox­i­mam e ultra­pas­sam os lim­ites da legalidade.

Noutras palavras: ainda que fosse para ser lev­ada a sério como música – o que está bem longe –, e digo isso sem a pre­ten­são de querer impor meus próprios gos­tos musi­cais, não seria motivo para tan­tas reações contrárias.

Exis­tem coisas bem piores no mer­cado fono­grá­fico nacional. Umas, inclu­sive, que têm lev­ado as autori­dades a rece­berem moções no sen­tido de pro­mover cen­sura a deter­mi­nadas músi­cas, tal o con­teúdo aten­tatório à for­mação de cri­anças e jovens.

Então é de se per­gun­tar que tiro foi esse que acer­tou tanto o brio das pes­soas a ponto de as moti­var as diver­sas man­i­fes­tações? Terá sido o sen­ti­mento de quê não deve falar de corda em casa de enfor­cado? Talvez seja.

Como falar em tiro quando mais de sessenta mil brasileiros tombaram, só no ano pas­sado, viti­mas da vio­lên­cia urbana? Quando, só no Rio de Janeiro, bem mais de uma cen­tena de poli­ci­ais tombaram na guerra de enfrenta­mento à ban­didagem? Quando cen­te­nas de pes­soas, inclu­sive cri­anças, tombaram víti­mas de balas per­di­das nesta guerra que se tornou a vida das pes­soas? Quando as pes­soas já dotam com­por­ta­men­tos típi­cos de zonas de guerra quando se deparam com os infind­áveis tiroteios que con­somem suas vidas? Quando a taxa de homicí­dios por grupo de 100 mil habi­tantes chega a ser quase dez vezes àquela aceitável pela Orga­ni­za­ção Mundial de Saúde — OMS?

O incô­modo, talvez, decorra disso: da falta de enga­ja­mento político e social a uma causa tão pre­mente quanto o é a vio­lên­cia no país.

Ora, é provável que a autora – chamar de artista, mesmo nestes tem­pos de indigên­cia int­elec­tual, parece um exagero –, não tenha tipo a intenção de denun­ciar nada. E esse é um dire­ito dela. O tiro, tão pre­sente no cotid­i­ano das pes­soas, para ela não deve ter pas­sado de mera fig­u­ração na sua “não letra”. E, daí?

Emb­ora o tema “vio­lên­cia» esteja na ordem do dia de qual­quer dis­cussão, as pes­soas não estão obri­gadas a tratá-​lo como um tabu e ou a se vestirem de ativis­tas soci­ais em toda e qual­quer manifestação.

Cer­ta­mente a autora do hit é con­hece­dora – e, provavel­mente, muito mais sofre­dora – de tal real­i­dade que muitos que a criticam.

Por isso mesmo, acho inter­es­sante essa capaci­dade do brasileiro de fazer graça da própria mis­éria a que vive sub­metido. Fazer piadas diante da tragé­dia, tam­bém deve ser con­sid­er­ada uma forma de rebel­dia, de inconformismo.

O mais cômodo, diante da real­i­dade bru­tal da vio­lên­cia, talvez fosse a sociedade, em peso, se tran­car em casa, com medo ou em protesto con­tra a guerra que se tornou a vida nos cen­tros urbanos, prin­ci­pal­mente no Rio de Janeiro.

Ao invés disso, estava nas ruas fazendo per­for­mances e fazendo piadas com a situ­ação, fes­te­jando a vida mais que temendo a morte.

Não deixando que a situ­ação de dom­i­nação do Estado pelo crime orga­ni­zado rep­re­sen­tasse a dom­i­nação da própria sociedade.

O fato de se fazer piada, de rir-​se da própria des­graça, não pode ser con­sid­er­ado um mal em si, ou mesmo, objeto de tan­tas crit­i­cas, pelo con­trário, pode ser, até, em último caso, um grito de alerta à indifer­ença ou banal­iza­ção da vio­lên­cia, a ponto da mesma – emb­ora acred­ite não tenha sido a intenção – virar hit de carnaval.

Noutro viés, e afora tudo isso, o tal “Que Tiro Foi Esse” é ape­nas uma música ruim, o que, nos dias de hoje, não dev­e­ria causar tanto alvoroço.

Afi­nal, o tiro da música só atingiu os brios de uns poucos.

Abdon Mar­inho é advogado.

Comen­tários

0 #1 Rodrigo ramos 15-​02-​2018 09:51
[fv]o tiro
que acer­tou os brios[/fv]
Con­serteza acer­tou a mar­gin­al­i­dade do Rio de Janeiro des­fi­lando com armas e dando tiro para cima ‚isso só mostra o poder que eles têm, É quanto ao gov­er­nado do Rio não demon­stra autori­dade e sim estremo de braços cruzados.
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