AbdonMarinho - A TRAIÇÃO DE JUDAS: UMA REFLEXÃO PARA A QUARESMA.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A TRAIÇÃO DE JUDAS: UMA REFLEXÃO PARA A QUARESMA.

A TRAIÇÃO DE JUDAS: UMA REFLEXÃO PARA A QUARESMA.
Por Abdon Mar­inho.
NO EVAN­GELHO de Lucas (22:48), col­he­mos: E Jesus lhe disse: “— Judas, com um beijo trais o Filho do homem?”.
Ser­tanejo, sem­pre tive pelo período quares­mal um respeito extremoso. Mais jovem, guardava-​o com pen­itên­cias ou pri­vações as quar­tas e sextas-​feiras o lapso entre as Cin­zas e a Paixão de Cristo, nos últi­mos dias, sequer o gado era preso, man­tendo vacas e bez­er­ros jun­tos de sorte a evi­tar ordenha.
No inte­rior, de min­has lem­branças, a Sem­ana Santa sem­pre foi período mais impor­tante do cal­endário cristão.
A intro­specção da Quaresma a cul­mi­nar com morte e pos­te­rior ressur­reição de Cristo sem­pre me troux­eram as maiores inda­gações e ques­tion­a­men­tos.
A prin­ci­pal delas: a traição de Judas a Cristo.
Quando Jesus diz: — Judas, com um beijo trais o Filho do homem? Ele não afirma. Indaga pela a sur­presa da modal­i­dade, a uti­liza­ção do beijo – sím­bolo maior do afeto –, como sinal aos cap­tores de Cristo no jardim Get­sê­mani.
Ora, a traição de Judas já era con­hecida por Cristo que a rev­e­lara aos seus dis­cípu­los por ocasião da última ceia. ‘E, comendo eles, disse: — Em ver­dade vos digo que um de vós me há de trair. Mateus, 26:21.
A certeza de Cristo quanto a iden­ti­dade do traidor resta clara em seguida, em Mateus 26:25 — E, respon­dendo Judas, o que o traía, disse: — Por­ven­tura sou eu, Rabi? Ele disse: — Tu o diss­este.
Então qual seria a natureza da traição de Judas se a mesma já se dera por anun­ci­ada? Se estava escrito que a mesma acon­te­ceria a fim de jus­ti­ficar o que fora escrito para a história do Sal­vador?
A traição era con­hecida por todos e anun­ci­ada por aquele que seria traído.
Então, é de se inda­gar: por que Cristo sentiu-​se traído por Judas quando, ante­ci­pada­mente, sabia que estava em seu des­tino, que a mesma viria, quando viria e forma como se daria?
Ainda assim Cristo o teve por traidor e lhe disse isso.
É sabido que dos após­to­los, Judas era o único que não era da Galiléia, era, de longe, o mais instruído e, talvez por isso, rece­beu do próprio Cristo a respon­s­abil­i­dade para a admin­is­tração do fundo comum.
Mas não foi só esta prova de apreço dis­pen­sada por Jesus ao seu traidor: curou a par­al­isia de seu pai e a lepra de sua mãe.
Abaixo de Pedro – o primeiro após­tolo –, Judas rece­bia um trata­mento acima dos out­ros dez. Diz-​se que Jesus lavou-​lhe os pés e a ele per­mi­tia mol­har o pão em seu próprio cálice.
Vejam o quanto isso é sim­bólico: justo aquele que tanta defer­ên­cia rece­beu, justo este tinha de ser o traidor.
Podemos dizer, então, que Cristo além de tudo que fez por Judas, tirou-​o do ostracismo em que vivia – emb­ora recon­heci­da­mente sábio e letrado –, e o trouxe para a frente, para a fama, para o recon­hec­i­mento público, fê-​lo e o recon­heceu como impor­tante entre os seus.
O que mais que­ria Judas, o traidor?
Não lhe fora sufi­ciente o trata­mento de filho?
A con­fi­ança para admin­is­trar o fundo comum?
Alguns sábios, estu­diosos da Bíblia, dizem que Judas cumpriu um papel histórico pre­vi­a­mente deter­mi­nado. E, é certo que sim, seu ato, tido, mesmo por Cristo como de traição, foi deter­mi­nante para à con­sol­i­dação de uma nova fé e a expan­são de todo o cris­tian­ismo.
Mas Judas não tinha con­sciên­cia disso. Moveu-​o a ideia da traição. E procurou os líderes do tem­plo, Anás e Caifás com o propósito da traição e por ela rece­beu as trin­tas moedas de prata da ver­gonha.
Fora moti­vado pelo inter­esse finan­ceiro? Político? Social?
Este é o mis­tério. O que levara Judas a trair seu mestre? O homem que o “fez”, que em si con­fiou dando-​lhe a admin­is­tração dos recur­sos do fundo comum e que pri­vava de sua intim­i­dade a ponto mol­har o pão no cálice do Sen­hor.
Ao teste­munhar o ini­cio do sofri­mento de Cristo, Judas tomou-​se pelo arrependi­mento e procurou os líderes do tem­p­los para devolver as moedas que rece­bera pelo ato de traição.
E é Mateus (27: 3,4,5) que narra:
“Então Judas, o que o traíra, vendo que fora con­de­nado, trouxe, arrepen­dido, as trinta moedas de prata aos príncipes dos sac­er­dotes e aos anciãos, dizendo: — Pequei, traindo o sangue inocente. Eles, porém, dis­seram: — Que nos importa? Isso é con­tigo.
E ele, ati­rando para o tem­plo as moedas de prata, retirou-​se e foi-​se enfor­car.”.
As trin­tas moedas ati­radas por Judas ao Tem­plo, seus príncipes e anciãos as tiveram como pro­duto da ilic­i­tude e ban­hadas pelo sangue inocente, não podiam ser devolvi­das ao cofre das doações, então, ainda segundo Mateus, com­praram de um oleiro um campo que fora des­ti­nado ao sepul­ta­mento dos estrangeiros. O campo de sangue, em refer­ên­cia às trinta moedas de prata da traição.
Que lições podemos tirar da traição de Judas?
Emb­ora do ato torpe tenha nascido algo extra­ordinário: todo o cris­tian­ismo. Tenha sido algo que ape­nas con­fir­mara o que já fora dito por pro­fe­tas ante­ri­ores, tenha sido cumprida a von­tade de Deus: «Meu Pai, se é pos­sível, passé de mim este cálice; todavia, não seja como eu quero, mas como tu queres.” Mateus (26:39).
Ape­sar de tudo isso a traição ocor­reu. Cristo: que tinha o con­hec­i­mento do pas­sado, do pre­sente e do futuro, a disse como todos as letras: « – – Judas, com um beijo trais o Filho do homem?”.
Os príncipes do Tem­plo – que não tin­has a neces­si­dade de valer-​se de alguém próx­imo a Jesus para fazê-​lo pri­sioneiro, este era pos­sível de ser recon­hecido por qual­quer do povo, pois já pre­gava em Jerusalém e atraía mul­ti­dões –, que recusaram-​se a rece­ber de volta as moedas objeto da traição; e o próprio Judas que não con­seguiu viver com a culpa pelo ato de sor­didez que come­tera, suicidando-​se antes mesmo do jul­ga­mento e morte de Cristo.
A lição der­radeira é que traição é um ato torpe em si, mesmo com com todas as aten­u­antes capazes de elidir a mais famosa traição da história, ela estava lá, ela exis­tiu.
Ainda que dela tenha advindo uma “nova vida”, ela con­tin­uou e con­tinua a exi­s­tir pelos sécu­los sem fim, Amém.
Abdon Mar­inho é advogado.