PROIBIDO PARA DEFICIENTES.
Por Abdon C. Marinho.*
FERIADO DA ADESÃO do Maranhão a Independência do Brasil com quase um ano de atraso trouxe a lembrança que um compromisso profissional no início da semana levou-me a um edifício público.
Lá chegando percebi que tinha uma rampa de acesso para facilitar o acesso de pessoas com deficiência e/ou mobilidade reduzida. Os cinco ou seis degraus e existência de corrimão me fizeram optar pelo caminho mais curto.
No saguão fui informado que o compromisso seria no segundo andar e que não haveria um elevador para levar-me ao local da reunião.
Na vez anterior que lá estive para tratar da mesma pauta a direção do órgão público e os técnicos gentilmente desceram para nos atender em uma saleta improvisada no térreo. Confiando nas várias sessões de fisioterapia que tenho feito nos últimos meses e considerando que na reunião haveria a exibição de slides, tal qual o cavaleiro errante D. Quixote impus-me a tarefa de vencer os intermináveis quatro lances de escada até o local do compromisso.
As dificuldades da subida me fizeram observar cada detalhe da empreitada. Os degraus, embora altos para os que têm dificuldades de locomoção, são largos e, pareceram-me, dentro das normas de construção; o corrimão, em madeira de lei, ao meu sentir, estava adequado, a iluminação péssima.
Cheguei ao topo exausto e dando meu reino por uma cadeira.
Findada a reunião pus-me ao desafio de fazer o caminho de volta. E, para quem disse que para descer todo santo ajuda, certamente não conhece o formato da escada e fato de que à direita de quem desce não possui corrimão e, os degraus altos, torna cada passo um risco de estatelar-se lá embaixo.
Então, para descer precisei do braço amigo do meu acompanhante que fez às vezes de corrimão portátil.
Apenas assim consegui chegar de volta ao térreo são e salvo.
Pois bem, se você chegou até aqui merece saber que o prédio que falo e que representa um verdadeiro acinte à mobilidade das pessoas como dificuldades de locomoção é o Palácio Henrique de La Roque.
A considerar a acessibilidade, uma homenagem infame ao importante político maranhense.
Nunca tinha ido lá – e devo passar tantos outros anos sem voltar.
Chega a ser inacreditável que um edifício público que já serve ao governo do estado há mais de vinte anos seja um prédio proibido à pessoas com deficiência.
Vejam, fui lá uma vez, e até que coloquem um elevador, não desejo voltar. Fico imaginando que exceto no térreo o edifico não admite que pessoas com deficiência trabalhem nele. É desumano submeter qualquer pessoa com deficiência à missão de, diariamente, ter que subir e descer aquelas escadas. Só conseguem com muito sofrimento e risco de morte diário.
Cadeirantes e deficientes visuais, nem pensar.
Como deixei claro, a dificuldade é maior – pelo menos no meu caso –, é para descer, vez que a escada não possui corrimão à direita de quem desce e a parede (irregular) não permite qualquer apoio, sem contar a altura dos degraus e a baixa iluminação.
Disse que o edifício serve ao estado há vinte anos, mas acredito que já se vão quase trinta anos, tempo em que serviu aos diversos tipos de governos sem que ninguém, uma viva alma se desse conta que nós deficientes físicos, visuais existimos, e mais, que somos sujeitos de direitos – e obrigações.
Um dos principais diretos – garantidos a todos –, é o direito de locomoção, o de ir e vir, o de poder acessar as repartições e órgãos públicos.
Para o Estado do Maranhão, durante todos esses anos, é como se fôssemos invisíveis.
A nenhuma das autoridades estaduais, secretários, gerentes, intermediários ou mesmo puxa-sacos, que sempre cerca o poder, sobrou um mínimo de sensibilidade para perceber que qualquer pessoa com deficiência não consegue acessar o edifico além do térreo.
Certamente a engenharia daria um jeito de implantar um elevador, mas nada. Em quase três décadas, sei lá, ninguém ligou.
Mas nem falo de obras mais caras ou elaboradas – muito embora um edifico público tenha o dever de assegurar acessibilidade para todos –, o que mais me chamou a atenção foi a ausência de um corrimão. Um mísero de um corrimão para ajudar a nós, desgraçados deficientes – que aos olhos do Estado devemos ser culpados por nossa condição –, a subir e descer escadas de uma repartição pública.
Sempre que me deparo com situações assim, nos momentos de raiva, frustração e humilhação me passa pela cabeça mandar fazer e instalar o c** do corrimão no local.
Qualquer hora dessa ainda faço – e divulgo.
Outra ideia que me ocorre é fazer uma “vaquinha” pedindo a população doações para fazer e instalar o bendito corrimão.
Não é crível que o estado que gasta milhões com lagosta, canapés, trufas e outras guloseimas não consiga, ao menos, tornar acessível a todos os logradouros públicos, suas repartições ou mesmo colocar um corrimão numa escada.
Igualmente inacreditável que o Ministério Público tão diligente – e que certamente sobretudo quando o edifico funcionava como sede do governo –, nunca tenha se dado conta e cobrado a acessibilidade para as pessoas com deficiência, não apenas naquele edifício, mas, também, em tantos outros que nos são proibidos o acesso.
Tão ilustres e insensíveis autoridades são incapazes de imaginar o quanto é frustrante e por vezes humilhantes não conseguimos acessar os logradouros, repartições ou mesmo os meios de transporte público e precisamos do socorro de terceiros para fazê-lo.
Tão ilustre quanto omissos talvez devessem “pagar penitência” no milho por suas omissões.
É difícil imaginar uma sociedade igualitária quando mesmo os direitos mais básicos nos são negados.
Diariamente, em todos os lugares, nos deparamos com desafios a acessibilidade, mesmo quando tentam fazer, fazem de forma errada ou inadequada, sem levar em conta a necessidade de acesso de quem vai utilizar. Um exemplo, precisamos de rampas, tenho encontrado algumas por onde ando que a elas preferiria uma escada com corrimão.
No caso do palácio proibido o que me chama atenção é o fato de que todos que o frequentou e frequenta ao longo dos anos, sobretudo, quando foi sede do governo, certamente perceberam sua “deficiência” mas fizeram questão de ignorar.
O prédio não é inadequado e inacessível porque não sabiam ou porque falte dinheiro (até para o corrimão) é por insensibilidade e desumanidade.
Repito: para eles é como se não existíssemos.
Como na Independência, na acessibilidade o Maranhão também chega atrasado.
Abdon C. Marinho é advogado.