A democracia venceu. A derrota tem dono.
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- Criado: Segunda, 30 Novembro 2020 10:38
- Escrito por Abdon Marinho
A DEMOCRACIA VENCEU. A DERROTA TEM DONO.
Por Abdon Marinho.
DIZEM os mais sábios que eu que se aprende mais com os reveses e dificuldades do que com as vitórias e facilidades. Um outro dito, bem comum, é aquele que diz que mares tranquilos não fazem bons marinheiros.
Encerradas as apurações das eleições na capital do estado, consagrou-se a democracia, a vontade livre e soberana da população da cidade. Entretanto, muito mais do que isso, mostrou aos donos do poder, os novos “dinotários” desta capitania, que, ainda que possam muito, não podem mais que o povo.
Essa é a lição que, se tiverem sabedoria e humildade, espero que tenham aprendido.
Na Roma antiga de tantas glórias e tantos césares, o Senado impôs uma regra aos desfiles em se festejavam os triunfos das suas campanhas ao redor do mundo: ao lado do governante, enquanto esse saia a “saborear” seus feitos, um cidadão repetia ao seu ouvido, à exaustão “tu és mortal” ou “tu és apenas um homem”.
O propósito de tal recomendação era evitar que o governante vitorioso, saudado como um Deus pelo povo, assim se achasse.
Se, no pleito que se encerra, tivemos a democracia como a grande vitoriosa, temos, por outro lado, que a derrota não está órfã e, mais, que a derrota tem um dono que é o atual ocupante do gabinete principal do Palácio dos Leões.
O candidato que oficialmente consta como “não eleito”, no mapa de apuração do Tribunal Superior Eleitoral — TSE, para onde chegou, pode até se considerar vitorioso pois a derrota não é dele.
Todos que assistimos e acompanhamos de perto esses últimos 15 dias, somos sabedores que houve uma “troca de candidatos”, o candidato Duarte Júnior, que ficou em segundo lugar e passou para a etapa seguinte, cedeu lugar ao governador Flávio Dino, que assumiu a candidatura como se fosse sua e se expôs além do devido.
Desde a redemocratização do país, que permitiu as eleições nas capitais a partir de 1985, que acompanho as eleições em São Luís, e não me recordo de uma interferência maior da parte do governo estadual na eleição da capital do que nesta. Nem mesmo naquela primeira eleição, em que o governo estadual teve um candidato cujo slogan era “Força Total”.
Naquela eleição, ocorrida há trinta e cinco anos, “fez-se de tudo”, mas, ainda assim, chegou foi longe de alcançar o que foi feito nesta e que rogo a Deus, nunca mais se repita.
Se me permitem uma alegoria sobre estas eleições, seria como aquela em que temos dois meninos brigando no recreio da escola e um irmão, bem maior e mais forte, assume lugar daquele que está apanhando.
O governador do estado, esse irmão maior, parece ter dito: se afasta que agora é comigo.
Pois é, e apanhou feio.
Como dizíamos, fazendo um paralelo com as eleições de 1985, o governo estadual tentou – e interferiu –, no pleito, mas ficou foi longe de colocar todos os secretários na campanha do candidato, ameaçando, chantageando, constrangendo servidores públicos a aderirem e a fazer campanha e, muito menos, que o vice-governador chamasse os que não estavam na campanha de “desertores”, que na acepção comum da palavra é “aquele que abandona uma causa, um partido, uma luta qualquer do qual era partidário ou um dever ou compromisso a que estava afeito ou vinculado”, e que o próprio governador fosse para a “linha de frente” da campanha, como se aquela fosse a sua própria eleição.
Sim, vivemos no Maranhão, no atual pleito eleitoral, uma situação inédita na nossa história.
Desde que o atual governo se instalou que me pergunto quem são os conselheiros do governador – em diversos textos já falei disso –, pois causa-me espécie que ninguém tenha a coragem de lhe chamar a atenção para as loucuras que comete.
O saudoso amigo Walter Rodrigues dizia: — Abdon, loucuras só são admissíveis quando feitas por amor, pois o amor tem razões que a própria razão desconhece. Dizia isso, e caia na gargalhada.
A exceção dos amantes e dos loucos, por serem inimputáveis, devemos agir com racionalidade.
Uma eleição na capital é uma eleição importante, é fato, mas não tanto assim. Hoje, o eleitorado de São Luís, representa menos de 15% (quinze por cento) do eleitorado do estado. Ou seja, não faz nenhum sentido, se pensarmos com racionalidade, que o governador e, mais grave, o governo, se exponha como se expôs, na disputa, a ponto da autoridade máxima estadual “chamar para a briga” nas redes sociais, o candidato adversário.
Não deveria ter se envolvido no primeiro turno e, muito menos agora, ter “assumido” a campanha municipal no segundo.
Tudo errado desde o começo. E não teve ninguém para dizer que o governador do estado se excedia.
Tão errado que o governador só conseguiu “levar para apoiar o seu candidato” os seus dependentes, melhor dizendo, os secretários “dinodependentes”.
Nem mesmo os políticos expressivos do seu próprio partido atenderam ao chamado; o mesmo acontecendo com os partidos da sua base de sustentação.
Vejam que do tal consórcio, só lembro de ter visto atendendo a “ordem” do governador para apoiar o candidato “chapa branca”, o candidato do Partido Comunista do Brasil — PC do B, e, assim mesmo, um apoio tão esquisito, tendo em vista tudo que o “apoiado” disse dele e da família dele, que acredito que o apoio, teve mais efeito contrário que a favor.
Os demais, aqueles que não se engajaram na campanha adversária, preferiram a neutralidade.
É verdade que o candidato do governador “semeou” estes ventos. Mas, mesmo assim, sua excelência, tendo tal desculpa para “ficar na sua”, fez foi o contrário, perdoou todos os “malfeitos” do candidato, e “caiu de cabeça” na campanha. Ignorou, até mesmo, a gravíssima informação de que o candidato passara, pelo menos, cinco dias fazendo campanha quando se sabia contaminado pela COVID-19.
Segundo li, mesmo amigos pessoais, de longas datas, do governador, acharam “lamentável” a escolha ou postura do governante.
Muitos movidos pelos próprios interesses e outros por dever cívico, entenderam que não podiam atender o chamado do governador nesta estratégia de “tudo ou nada” que adotou no segundo turno destas eleições.
Como disse, desde a primeira eleição de capital, após a redemocratização do país, em 1985, não tínhamos notícias de um grau tão grande de “intervenção” do governo estadual no pleito.
Esse sentimento, a compreensão de que a atitude do governador em relação ao pleito era excessiva e representava um retrocesso às conquistas democráticas do país, levou diversas pessoas, inclusive, muitas que nunca tiveram qualquer apreço pelo candidato que sagrou-se vitorioso nas urnas, a lhe hipotecar apoio e solidariedade.
Uns fizeram isso publicamente, outros, entre os seus amigos e conhecidos e, outros, simplesmente, votando nele.
Se os excessos públicos causaram repulsa das pessoas de bem, criando o efeito “Davi versus Golias”, as informações – que jamais serão provadas –, de que ultrapassaram todos os limites para alterar a vontade do povo, pode ter sido responsável pela diferença de votos não ter sido mais expressiva.
Ao agir de forma tão impensada – ou por razões que desconhecemos –, arrisco dizer que o governador “fragilizou” sua posição como liderança política capaz de alçar voos mais alto, ameaçando, até mesmo, a condição de virtual senador eleito, em 2022.
Os “desertores” de hoje – que no frigir dos ovos, possuem mais representatividade, inclusive eleitoral –, pensarão duas vezes antes de embarcar numa suposta “candidatura nata”, de sua excelência ao senado, vaga que poderá acabar “sobrando” para o atual prefeito da capital, que sai do pleito “bem na fita” e sem nenhum arranhão.
A ironia do dia da eleição ficou por conta de uma postagem de sua excelência dizendo que votou “com muita gratidão aos que enfrentaram e derrotaram a ditadura militar, devolvendo-nos o direito de escolher os nossos governantes”.
Acredito que os ludovicenses ao votarem contra sua excelência e o seu candidato estiveram imbuídos do mesmo sentimento das memoráveis lutas dos anos oitenta contra a ditadura.
A democracia venceu. A ditadura perdeu novamente.
Abdon Marinho é advogado.