AbdonMarinho - Mal educados, miseráveis e sem futuro.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Mal edu­ca­dos, mis­eráveis e sem futuro.

MAL EDU­CA­DOS, MIS­ERÁVEIS E SEM FUTURO.

Por Abdon Marinho.

A ESCOL­INHA do povoado onde nasci há mais de cinquenta anos era uma “latad­inha” com meias pare­des de barro, exceto no fundo onde ficava o quadro negro, chão batido, com uma can­cela por onde todos entravam.

Não cheguei a estu­dar nela, quando estava com oito para nove anos fui “dester­rado” para a sede do municí­pio onde ini­ciei os estu­dos na Unidade Esco­lar Alde­nora Belo, em Gov­er­nador Archer; depois, prossegui os estu­dos na Unidade Esco­lar Castelo Branco, até a quarta série e, da quinta a oitava, na Unidade Ban­deirantes, que fun­cionava no mesmo pré­dio, em Gonçalves Dias,

Quando vim para a cap­i­tal, para cur­sar o segundo grau no Liceu Maran­hense, “estran­hei” o nível de con­hec­i­mento dos meus cole­gas em relação ao meu que era muito infe­rior – e eu era um um dos mel­hores alunos dos colé­gios por onde pas­sei e, desde sem­pre, gostava muito de ler.

Com o pas­sar dos meses fui percebendo que o mesmo estran­hamento que sen­tia em relação aos meus cole­gas de Liceu era com­patível com o descom­passo entre o que estes sabiam com o con­hec­i­mento dos alunos das esco­las pri­vadas.

Ao longo dos anos – e qual­quer um sabe disso –, temos assis­tido, con­tin­u­a­mente, ao enfraque­c­i­mento do ensino como um todo e do ensino público em par­tic­u­lar.

E, ao invés dos gov­er­nantes procu­rarem apri­morar a edu­cação na base e cobrar resul­ta­dos nas eta­pas seguintes, vai deixando o barco cor­rer, não pro­movendo as mel­ho­rias e elim­i­nando as cobranças.

Outro dia, com sur­presa, tomei con­hec­i­mento que os pro­fes­sores são ori­en­ta­dos a não reprovarem os alunos, mesmo que estes não pos­suam con­hec­i­men­tos sufi­cientes para pas­sar de série.

Soube, tam­bém, que os respon­sáveis pela edu­cação estad­ual tra­bal­ham na per­spec­tiva de “treinar” os alunos para mel­ho­rarem o Índice de Desen­volvi­mento da Edu­cação Básica – IDEB, em detri­mento do cur­rículo esco­lar reg­u­lar. Como se apare­cer bem no IDEB fosse mais impor­tante que os estu­dantes terem, efe­ti­va­mente, os con­hec­i­men­tos necessários para um futuro mel­hor.

Outro dia, o pro­grama Fan­tás­tico, da Rede Globo, exibiu uma matéria onde apon­tava fraudes no censo esco­lar para mel­ho­rar os repasses aos municí­pios. Pos­te­ri­or­mente, soube que inúmeros municí­pios estariam prat­i­cando a mesma fraude denun­ci­ada na reportagem.

Ainda que não desmereça a importân­cia de apu­rar e punir os respon­sáveis por quais­quer fraudes cometi­das, o que, ver­dadeira­mente, me chamou a atenção foi a situ­ação das escol­in­has exibidas na reportagem.

Ape­sar de ter pas­sado já meio século desde as min­has lem­branças da escol­inha de latada no meu povoado a qual­i­dade das esco­las públi­cas no Maran­hão não mudou quase nada. São prati­ca­mente as mes­mas “escol­in­has” sem quais­quer estru­turas, anos-​luz de dis­tân­cia do ensino de ponta que já vem sendo prat­i­cado nos mel­hores cen­tros do país.

Não faz muito tempo uma matéria de uma revista sem­anal mostrou que muitas esco­las estão voltadas para o ensi­na­mento de diver­sos e novos con­hec­i­men­tos preparando as cri­anças para o futuro que já chegou, trata-​se de uma ver­dadeira rev­olução no ensino. São con­ceitos estran­hos até no nome, todos em inglês: adap­tive learn­ing; blended learn­ing; byod; cod­ing; gam­i­fi­ca­tion; mak­er­space; project-​based learn­ing; solf skills.

O que temos no Maran­hão? Temos que os alunos são dis­pen­sa­dos, muitas das vezes, com duas horas de aula porque diver­sas dis­ci­plinas não têm pro­fes­sores; porque a escola não apre­senta condições mín­i­mas; porque “sumi­ram” com a ali­men­tação esco­lar das cri­anças.

Diante de tanto atraso, vejo como grande feito da edu­cação estad­ual a con­strução de “escol­inha” que de tão dis­tante da edu­cação de ponta, mas fun­cionam como uma espé­cie de “pelego” para amorte­cer o dis­tan­ci­a­mento entre o que temos e o tanto que o ensino pri­vado de ponta já avançou.

E não é por falta de recur­sos. Se colo­car­mos na ponta do lápis ver­e­mos que o ensino público gasta muito mais que o pri­vado para for­mar o mesmo número de pes­soas com muito mais qualidade.

A edu­cação pública foi – e ainda está –, sendo destruída, aumen­tando o dis­tan­ci­a­mento e a desigual­dade entre os cidadãos.

Essa é a primeira desigual­dade: a do con­hec­i­mento. Basta pegar uma cri­ança de uma escola pública e com­parar o seu nível de con­hec­i­mento com uma cri­ança da escola pri­vada para con­statar isso.

Esta é a primeira cru­el­dade cometida con­tra o “futuro da nação”. Todas as cri­anças dev­e­riam ter as mes­mas chances e opor­tu­nidades.

Mas essa desigual­dade não gera indig­nação da sociedade. É assim que vão se per­pet­uando os cic­los de explo­ração.

Não é sem razão que na mesma sem­ana em que gan­hou destaque a denún­cia do Fan­tás­tico sobre pos­síveis fraudes com os recur­sos da edu­cação e con­stata­mos a situ­ação caótica das nos­sas esco­las o Insti­tuto Brasileiro de Geografia e Estatís­ti­cas – IBGE, divul­gou um dado igual­mente inqui­etante: o Maran­hão é o estado mais mis­erável do Brasil.

Pior, a mis­éria, ao invés de diminuir, tem é aumen­tado.

Segundo o IBGE, mais de cinquenta por cento da pop­u­lação do estado sobre­vive na linha da pobreza, com renda domi­cil­iar per capita de até R$ 420,00 (qua­tro­cen­tos e vinte reais).

Qual­quer um com mais de dois neurônios sabe que essa renda não é sufi­ciente para nada.

Mas des­graça pouca é bobagem. Ainda, segundo o insti­tuto, o Maran­hão pos­sui 20%(vinte por cento) da sua pop­u­lação sobre­vivendo na linha da extrema pobreza, ou seja, com cidadãos cuja a renda famil­iar per capita é de até R$ 145,00 (cento e quarenta e cinco reais).

O Maran­hão está no topo na relação de pes­soas mis­eráveis. E, em ter­mos per­centu­ais, o nosso numero de mis­eráveis cor­re­sponde quase que a total­i­dade de mis­eráveis dos dez ou doze esta­dos da fed­er­ação que se encon­tram no final da fila.

Enten­deram? Se pegar­mos, em ter­mos per­centu­ais, a quan­ti­dade de dez ou doze esta­dos de baixo para cima, nós os super­aremos.

Só não é mais ver­gonhoso porque é demasi­ada­mente triste tal situação.

Querem ver outra coisa igual­mente triste? Os atu­ais donatários do poder, que se elegeram con­de­nando os quase cinquenta anos de atraso do grupo ante­rior, em ape­nas qua­tro anos no poder, aumen­taram o número de mis­eráveis em 20% (vinte por cento).

Fico pen­sando se não há qual­quer con­strang­i­mento nes­tas pes­soas em gastarem uma ver­dadeira for­tuna em pro­pa­ganda dizendo que o paraíso é aqui diante de estatís­ti­cas tão ver­gonhosa­mente acacha­pantes.

Como escon­der que mais da metade da pop­u­lação, mais de três mil­hões e quin­hen­tas mil pes­soas vivem na pobreza?

Antes de chegarem ao poder diziam que a culpa de toda a mis­éria do Maran­hão era do grupo Sar­ney que atrasaram o estado em bene­fí­cio próprio por cinquenta anos, e agora, de quem é a culpa por terem aumen­tado o número de mis­eráveis em ais de vinte por cento em tão pouco espaço de tempo?

Deve­mos con­sid­erar, ainda, que quando rece­beram o gov­erno as con­tas públi­cas estavam rel­a­ti­va­mente em ordem e o gasto com a folha de pes­soal não chegava a 40%(quarenta por cento) da receita cor­rente líquida; o fundo prev­i­den­ciário dos servi­dores apre­sen­tava um saldo con­sid­erável; os impos­tos cobra­dos estavam muito abaixo dos que hoje são cobra­dos.

Em menos de cinco anos, o estado, se já não pas­sou dos lim­ites de gas­tos pre­vis­tos na Lei de Respon­s­abil­i­dade Fis­cal — LRF, se encon­tra na eminên­cia disso; o fundo de pre­v­idên­cia, segundo dizem, que­brado; e nunca a classe tra­bal­hadora pagou uma carga trib­utária tão ele­vada.

Ape­sar de tudo isso, não tive­mos mel­ho­rias em quase nada. A Edu­cação é o que falamos; a saúde só se ouve recla­mações; a infraestru­tura desafia a paciên­cia de Jó.

Se antes tín­hamos a esper­ança e son­há­va­mos com dias mel­hores, hoje nem isso temos mais. Basta olhar para o quadro político que se desenha para os próx­i­mos anos para ter­mos a certeza que fomos nós, os maran­henses, quem ati­ramos as pedras na cruz.

Nada, entre­tanto, é mais ilus­tra­tivo de que nos “roubaram” tam­bém o futuro do que um fato acon­te­cido outro dia na Assem­bleia Leg­isla­tiva do Estado.

Durante décadas atribuiu-​se ao grupo do ex-​presidente Sar­ney a respon­s­abil­i­dade pelo atraso no Maran­hão, como dito ante­ri­or­mente, os atu­ais gov­er­nantes foram eleitos com tal dis­curso.

Pois bem, outro dia foi aprovada por una­n­im­i­dade uma hom­e­nagem ao ex-​presidente, acred­ito que pelo tran­scurso do seu aniver­sário de noventa anos a serem fes­te­ja­dos em abril do ano que vem.

A ALEMA já aprovou inúmeras hom­e­na­gens por una­n­im­i­dade a pes­soas que nunca fiz­eram por mere­cer. Outro dia cau­sou polêmica a hom­e­nagem a um can­tor local que rece­beu a comenda João do Vale; mais recente foi a vez de um blogueiro amer­i­cano que, acred­ito, nem saiba onde fica o Maran­hão ser agra­ci­ado com a prin­ci­pal comenda da Casa.

O próprio gov­er­nador do estado agra­ciou, por con­veniên­cia política, o atual pres­i­dente da OAB com a prin­ci­pal comenda do estado.

Por esse ângulo o ex-​presidente até teria maior “legit­im­i­dade” para o mimo. O que me chamou atenção na hom­e­nagem a Sar­ney foi jus­ta­mente a una­n­im­i­dade. Nem mesmo aque­les que sem­pre enx­er­garam nele a razão de toda a des­graça do estado, dis­seram qual­quer coisa, pelo con­trário, con­cor­daram, assen­ti­ram, votaram a favor.

Pelo que soube, um dep­utado, com inco­mum hon­esti­dade, reg­istrou o fato dizendo que a hom­e­nagem fora aprovada à una­n­im­i­dade uma vez que agora “eram todos Sar­ney”.

Dec­re­taram o fim da história. Temos que aceitar que somos mal edu­ca­dos, mis­eráveis e sem futuro, com muito orgulho.

Abdon Mar­inho é advo­gado.