AbdonMarinho - A morte da sensatez.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 22 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A morte da sensatez.


A MORTE DA SENSATEZ.

Por Abdon Marinho.

ACABARA de chegar, depois de uma sem­ana no inte­rior, quando recebi a lig­ação de um amigo querido convidando-​me para o lança­mento de seu livro na sem­ana seguinte. Brin­cal­hão, disse tratar-​se de um evento sim­ples e para pou­cas pes­soas, enfa­ti­zando que estas eram das que podíamos dis­cor­dar sem cor­rer o risco de virar­mos inimi­gos eter­nos.

A par­tir daí, pas­samos a tro­car algu­mas impressões sobre o clima rad­i­cal­izado das relações pes­soais e políti­cas que dom­ina o país no qual você, obri­ga­to­ri­a­mente, tem que escol­her um “lado”, con­viver com seus iguais e satanizar os que pen­sam diferente.

Con­cluí­mos que no Brasil, a única certeza é a morte da sen­satez. Ela, a sen­satez, mor­reu assas­si­nada pela intol­erân­cia política que dom­ina nos­sos dias.

Lem­brei ao amigo a famosa frase atribuída a Antônio Car­los Brasileiro de Almeida Jobim, ou sim­ples­mente, Tom Jobim, nascido no Rio de Janeiro aos 25 de janeiro de 1927 e fale­cido em em Nova Iorque em 8 de dezem­bro de 1994, segundo o qual “o Brasil não é para prin­cipi­antes”.

Rimos e nos des­ped­i­mos com a promessa de que ten­taria me fazer pre­sente ao lança­mento do livro, diante da própria difi­cul­dade de loco­moção e de morar longe do local do evento.

Nos dias seguintes pus-​me a pen­sar na frase do mae­stro brasileiro (até no nome) sobre as com­plex­i­dades do nosso país con­cluindo que ele estava longe de imag­i­nar o alcance de sua frase em relação à quadra atual da real­i­dade nacional.

Em pouco mais de uma sem­ana con­vive­mos com fatos capazes de red­i­men­sionar a frase do com­pos­i­tor, mae­stro, pianista, can­tor, arran­jador e vio­lonista brasileiro.

A sem­ana ini­ciou sob o impacto da divul­gação por uma revista sem­anal de que o ex-​presidente e pre­sidiário con­de­nado pelos crimes de cor­rupção e lavagem de din­heiro, Luís Iná­cio Lula da Silva, seria um dos autores int­elec­tu­ais da tor­tura e homicí­dio do ex-​prefeito de Santo André/​SP, Celso Daniel, ocor­rido no iní­cio do ano de 2002, do seu próprio par­tido, suposta­mente, por este ter descoberto e se recu­sado a par­tic­i­par de um esquema de propinas na prefeitura dirigida por ele, pro­movido pelo par­tido de ambos.

A rev­e­lação foi feita pelo “oper­ador” dos esque­mas de cor­rupção do par­tido, con­de­nado no famoso escân­dalo do men­salão, Mar­cos Valério, que durante anos abaste­ceu de din­heiro público a gula dos com­pan­heiros, até ter sua ação rev­e­lada pelo ex-​deputado Roberto Jef­fer­son, do Par­tido Tra­bal­hista Brasileiro — PTB, em 2005.

O Par­tido dos Tra­bal­hadores — PT ainda se ocu­pava dos des­men­ti­dos pro­to­co­lares e as con­tu­mazes ale­gações de perseguição – mas trazendo como ele­mento novo: a ale­gação de que o crime que “não come­teram” suas lid­er­anças estaria pre­scrito nos ter­mos da leg­is­lação penal –, quando os atu­ais inquili­nos do Palá­cio do Planalto, talvez, toma­dos pela “inveja” da atenção dis­pen­sada aos arquir­rivais pas­saram a chamar a atenção para as suas peripé­cias.

Começou com o próprio pres­i­dente divul­gando em sua rede social o famoso vídeo do “leão e as hienas”, onde ele seria o leão sendo ata­cado por uma família de hienídeos, os mes­mos iden­ti­fi­ca­dos por par­tido, STF, etc.

O “chiste” mais do que impróprio para um pres­i­dente da República feriu os brios dos min­istros da Corte que, como se tornou comum, cor­reram para a mídia para recla­mar do “ataque” insti­tu­cional que estavam sofrendo.

Era só o começo!

Já no dia seguinte a prin­ci­pal emis­sora de tele­visão aberta do país, a Rede Globo, no seu prin­ci­pal jor­nal, o Jor­nal Nacional, levou ao ar densa matéria na qual insin­u­ava através do depoi­mento de um porteiro, ter havido alguma par­tic­i­pação do pres­i­dente da República no assas­si­nato da vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco e do seu motorista, Ander­son Silva, ocor­rido já há quase dois anos, em que as inves­ti­gações real­izadas mais con­fun­dem que esclare­cem.

A matéria não ouviu o pres­i­dente ou sua asses­so­ria antes da veic­u­lação, ape­sar de uma equipe da emis­sora seguir os pas­sos da comi­tiva pres­i­den­cial na tour pela Ásia e Ori­ente Médio.

A forma como a matéria foi dis­posta – não pelo con­teúdo, uma vez que existindo inter­esse público, tudo pode e deve ser divul­gado –, sus­ci­tou duras críti­cas de alguns arti­c­ulis­tas “inde­pen­dentes” e, até mesmo, de out­ras emis­so­ras mais alin­hadas ao gov­erno.

O pres­i­dente, fiel ao estilo “bateu, levou” e devoto do ditado de que “remé­dio de doido é doido e meio”, lá mesmo da Arábia Sau­dita, na madru­gada, pelo horário ofi­cial de Brasília, dis­parou durís­si­mas acusações con­tra a emis­sora da família e con­tra o gov­er­nador do Rio de Janeiro, Wil­son Witzel. Visivel­mente emo­cionado e transtor­nado, acredita-​se que diante de uma acusação injusta, sua excelên­cia elevou o tom con­tra a emis­sora, seus profis­sion­ais e con­tra o gov­er­nador do estado, não os poupando de epíte­tos como canal­has, pat­ifes, e diver­sos out­ros,

Em depoi­mento à polí­cia o porteiro teria dito que o suposto mata­dor da vereadora teria estado no con­domínio onde residia o pres­i­dente e a ele teria aden­trado através de uma autor­iza­ção do próprio “seu Jair”.

Na sua resposta através da “live” na madru­gada, o pres­i­dente provou que naquele dia não se encon­trava no Rio de Janeiro e sim em Brasília, tendo o painel de votação da Câmara dos Dep­uta­dos reg­istrado sua pre­sença em dois momen­tos, o que tornaria inviável o depoi­mento do porteiro.

O próprio Min­istério Público, que acom­panha as inves­ti­gações, afir­mou através de nota e de entre­vista cole­tiva que o depoi­mento do porteiro se chocava com as provas téc­ni­cas cola­cionadas aos autos onde con­sta, inclu­sive o áudio da autor­iza­ção do ingresso do suposto crim­i­noso que fora se encon­trar com o outro impli­cado na morte da vereadora.

Ape­sar da oposição e seus seguidores tentarem esta­b­ele­cer uma nar­ra­tiva impli­cando o pres­i­dente no crime abjeto, até então, ape­sar dos exces­sos cometi­dos na “defesa bateu, levou”, a audiên­cia estava favorável a ele, seria uma vitória quase que por nocaute (lit­eral­mente) con­tra a acusação de homicí­dio qual­i­fi­cado con­tra a vereadora e seu motorista, não pas­sando de infe­lizes coin­cidên­cias o fato de um dos sus­peitos de envolvi­mento no crime morar no mesmo con­domínio que ele, um dos seus fil­hos ter namorado (ou namorar) a filha do impli­cado ou mesmo a afeição que ele e seus famil­iares sem­pre demon­straram com pes­soas envolvi­das com as milí­cias.

O pres­i­dente e seus seguidores não tiveram tempo de fes­te­jar a “vitória” con­tra os “detra­tores”.

Já no mesmo dia (ou no seguinte, como estava em viagem o acom­pan­hamento dos fatos restou prej­u­di­cado), foi a vez do filho do pres­i­dente, Eduardo Bol­sonaro, o dep­utado fed­eral mais votado do país, meter-​se a falar sobre política inter­na­cional a um canal do YouTube coman­dado pela jor­nal­ista Leda Nagle.

Ao dis­cu­tir os protestos no Equador, Peru, Bolívia e Chile, enx­er­gou um movi­mento orquestrado por comu­nistas finan­cia­dos por Cuba ou Venezuela, sug­erindo que se caso tais movi­men­tos apor­tassem por aqui uma das alter­na­ti­vas seria a adoção de instru­men­tos como o Ato Insti­tu­cional nº. 05, o AI-​5, como ficou con­hecido, lançado mão pelo régime mil­i­tar em 13 de dezem­bro de 1968, que “endure­ceu o régime”, cas­sou mandatos, fechou o Con­gresso Nacional e o Supremo Tri­bunal Fed­eral, sem con­tar as prisões arbi­trárias, a repressão e a tor­tura.

A ver­dade é que o dep­utado não pode­ria ser mais infe­liz.

Até aqui, ape­sar do fes­ti­val de insanidades que toma conta das insti­tu­ições do país, sem exceção, não temos assis­tido a qual­quer movi­mento com “força política” sufi­ciente para levar o país a um clima de insta­bil­i­dade, pelo con­trário, a inflação, que era o fla­gelo de out­rora, deve fechar o ano na casa dos 3% (três por cento); a taxa de juros que no gov­erno ante­rior, beirou os 15% (quinze por cento), hoje está em 5% (cinco por cento), a mais baixa de toda a história; a Bolsa de Val­ores fechou a sem­ana acima dos 108 mil pon­tos, outro recorde histórico, e com tendên­cia de cresci­mento.

A insen­satez do dep­utado fed­eral revig­orou o dis­curso oposi­cionista que ameaçou (ou já pro­to­colou) pedido de cas­sação de mandato e gan­hou o repú­dio de diver­sos setores da sociedade.

Vejam que até o ex-​presidente Sar­ney, que se criou à som­bra do régime mil­i­tar só deixando de apoiá-​lo quando este vivia seus ester­tores, em 1984, achou-​se no dire­ito de criticar o dep­utado pela triste lem­brança de reed­ição do instru­mento da ditadura mil­i­tar, que ele apoiou.

Isso sem falar nos novos/​velhos opor­tunistas de sem­pre – que dis­pen­sarei da audiên­cia de lhes citar os nomes –, que a despeito de apoiarem ditaduras san­guinárias como Cuba, Venezuela e Cor­eia do Norte, só para citar as mais demonía­cas, saíram em busca da cruz para cru­ci­ficar o dep­utado, que errou por ignorân­cia ou estu­pidez, mas que não o difer­en­cia dos seus críti­cos que ren­dem hom­e­na­gens aos piores dita­dores da história da humanidade.

Não pensem que acabou. Para fechar a sem­ana (se nada de novo sur­gir) na terra da insen­satez, na esteira da tolice do filho pres­i­den­cial zero três, surgiu a denún­cia de que o pres­i­dente teria sub­traído o áudio do con­domínio onde morava, favore­cendo o dis­curso da posição que anun­ciou uma rep­re­sen­tação ao STF por “obstrução de justiça” e um pedido de impeach­ment na Câmara dos Dep­uta­dos.

Esqueci alguma coisa? Não!?

E assim ter­mina mais uma sem­ana neste país trop­i­cal abençoado por Deus e bonito por natureza, que nas palavras do artista não é lugar para prin­cipi­antes. Ufa!

Abdon Mar­inho é advo­gado.