AbdonMarinho - AUTORITARISMO: OS FALSOS DEMOCRATAS CHEGARAM PRIMEIRO.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

AUTORI­TARISMO: OS FAL­SOS DEMOC­RATAS CHEGARAM PRIMEIRO.

AUTORI­TARISMO: OS FAL­SOS DEMOC­RATAS CHEGARAM PRIMEIRO.

Por Abdon Marinho.

DURANTE todo o processo eleitoral das últi­mas eleições pres­i­den­ci­ais uma ameaça ron­dou os dis­cur­sos de quase todos os can­didatos: o retro­cesso democrático, o retorno do autori­tarismo que rep­re­sen­taria a eleição daquele que acabaria por eleger-​se.

Esse dis­curso cat­a­stró­fico, do bem con­tra o mal, da trevas con­tra a luz, mobi­li­zou a classe artís­tica, os int­elec­tu­ais, os ditos evoluí­dos cul­tural­mente, em oposição aos toscos, à vio­lên­cia, a ditadura, ao inferno insta­l­ado na terra.

Com cem dias de gov­erno não sei se todo o alarmismo semeado irá vin­gar, se a catástrofe prometida acon­te­cerá, porém, em relação ao cercea­mento das liber­dades indi­vid­u­ais e de expressão, os alarmis­tas chegaram primeiro.

Por estes dias vi, numa rede social, a dep­utada fed­eral pelo Par­tido dos Tra­bal­hadores — PT, Maria do Rosário “fes­te­jar” a con­de­nação do humorista Danilo Gen­tili por crime de injúria.

Não con­heço o tipo de humor deste cidadão – depois de certa idade só assisto aquilo que ver­dadeira­mente tenho inter­esse, assim, nunca vi um dos seus pro­gra­mas ou assisti aos seus vídeos nas redes soci­ais, den­tre os quais este que sus­ci­tou a sua con­de­nação por, suposta­mente, injuriar a dep­utada.

A dep­utada, decerto, sentiu-​se injuri­ada – e este é um sen­ti­mento de cunho pes­soal –, a ponto de, usando a pre­rrog­a­tiva do cargo, perseguir – e con­seguir –, a con­de­nação do humorista na Justiça Fed­eral.

Desde que, há dez anos, o Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, decidiu por maio­ria, que a Lei nº. 5250/​67, a chamada Lei de Imprensa, não fora recep­cionada pela Con­sti­tu­ição Fed­eral de 1988, não me recordo de ter visto con­de­nação crim­i­nal pelos chama­dos crimes de opinião.

O que vi, vez ou outra, foram con­de­nações nas esferas cíveis, por dano moral, quando uma ou outra pub­li­cação, trans­borda do razoável.

Assim, soa estranho que alguém seja con­de­nado à prisão (ainda que isso, efe­ti­va­mente, não venha ocor­rer) por, suposta­mente, ter se exce­dido numa crítica, ou mesmo que tenha sido gros­seiro ou dese­l­e­gante, con­tra uma deputada.

Mais estranho, ainda, que uma dep­utada fed­eral, se val­endo do cargo, tenha perseguido a con­de­nação do humorista, tendo por base os mes­mos instru­men­tos de repressão do régime mil­i­tar que tanto jura com­bater.

A con­de­nação crim­i­nal por crimes de opinião ou de livre expressão é incom­patível com a ordem democrática vigente. Foi neste sen­tido a decisão do STF em 2009, ao dizer que a Lei de Imprensa não fora recep­cionada pela Carta Magna.

Por que a dep­utada não bus­cou a con­de­nação na esfera cível? Por que o desejo de con­denar o humorista à prisão?

Só tenho uma resposta: porque ela, assim como seus ali­a­dos, não con­seguem con­viver com a crítica às suas contradições.

Não seria a primeira vez. O extinto jor­nal­ista Wal­ter Rodrigues certa vez me con­tou o episó­dio em que um, então juiz fed­eral usou o mesmo expe­di­ente: valeu-​se da Lei de Imprensa e da Justiça Fed­eral para ten­tar calar um jor­nal que falara dele. Essa era a condição para o edi­tor do jor­nal não ser con­de­nado crim­i­nal­mente.

O vet­er­ano jor­nal­ista, muitos anos depois ainda rev­elava sua sur­presa com o pendão autoritário dos fal­sos democratas.

–– Abdon, que­riam fechar o jor­nal! Fechar o jor­nal.

Não sei se o atual pres­i­dente da República, em tão pouco tempo de cargo, já man­dou proces­sar algum jor­nal­ista ou blogueiro por criticá-​lo.

Sei, que difer­ente do que foi pro­fe­ti­zaram, ele fez foi se sol­i­darizar com o humorista con­de­nado.

Com­por­ta­mento bem difer­ente de muitos artis­tas, int­elec­tu­ais que tanto falaram con­tra a ditadura que se insta­laria no Brasil a par­tir de janeiro e que silen­ciam diante de uma con­de­nação que abre um sério – e grave prece­dente –, con­tra as liber­dades civis e que foi provo­cado por uma dep­utada “mod­erna”, “democrática” e que dizia jus­ta­mente o oposto.

Meu pai – que era anal­fa­beto por parte de pai, mãe e parteira –, cos­tu­mava dizer: –– meu filho, quem disso usa, disso cuida.

Quer dizer: aquele que tem o pendão pelo autori­tarismo, enx­erga no opo­nente seus próprios defeitos.

Vejam o exem­plo do Maran­hão. Aque­les que sem­pre criticaram o grupo Sar­ney, a quem apon­tam como uma espé­cie de sen­hor feu­dal desta cap­i­ta­nia, se rev­e­lam bem piores em deter­mi­nadas práti­cas que aque­las que lhe imputavam – e ainda imputam –, vez que, qua­tro anos depois de terem assum­ido o gov­erno, até se faz chuva ou sol, ainda apon­tam o dedo para Sar­ney.

E, ape­nas para ficar no que­sito da liber­dade de expressão e opinião, o que ouço de inúmeros jor­nal­is­tas e blogueiros é que nunca tan­tos foram tão proces­sa­dos, inclu­sive na esfera penal, como fez a dep­utada fed­eral do PT.

Tudo para calar as opiniões difer­entes.

Outra estraté­gia é a coop­tação medi­ante argu­men­tos irrecusáveis. Fazendo valer assim o velho adá­gio de que “no Maran­hão, o que din­heiro ou taca não resolver, é porque foi pouca”.

Nunca acred­itei (ou respeitei) mod­e­los democráti­cos com pen­sa­mento monolítico. Esses mod­e­los, para mim, são arreme­dos de ditaduras. Ou ditaduras completas.

Daí, porque nas ditaduras se perseguem tanto as liber­dades indi­vid­u­ais, de expressão e pen­sa­mento. Daí, porque pre­cisam cen­surar, reprimir ou proibir a cir­cu­lação de ideias e opiniões.

As democ­ra­cias – e só mere­cem ser chamadas assim –, respeitam a plu­ral­i­dade de ideias, per­mitem e estim­u­lam a liber­dade de pen­sa­mento.

Do Maran­hão, tam­bém, sai outro pés­simo exem­plo para a con­cepção do que seja uma democ­ra­cia. E, vem de onde menos se espera: da uni­ver­si­dade.

Não com tanta sur­presa tomei con­hec­i­mento que o Con­selho de Pesquisa, Ensino e Exten­são — CON­SEPE, da Uni­ver­si­dade Fed­eral do Maran­hão — UFMA, se reuniu e decidiu cen­surar um evento onde seria exibido o filme “1964: Entre Armas e Livros”.

Não sei se este con­selho se reúné para dis­cu­tir e pro­por soluções visando mel­ho­rar as condições de ensino dos seus alunos.

Soube que o argu­mento usado para a cen­sura foi “garan­tir a segu­rança do corpo dis­cente e de servi­dores”.

Não sei o con­teúdo da tal película, mas os con­sel­heiros acham que a exibição de um filme atenta con­tra a segu­rança de alunos e servi­dores?

Out­ros even­tos, de out­ras cor­rentes ide­ológ­i­cas, tam­bém mere­ce­ram reuniões do CON­SEPE e foram cen­sura­dos?

Qual a util­i­dade de uma uni­ver­si­dade que não respeita ou não admite a pos­si­bil­i­dade de pen­sa­men­tos diferentes?

Não me parece que pes­soas que agem assim mereçam respeito quando falam em democ­ra­cia, quando criti­cam a ditadura, pois, na prática, o que defen­dem, não ape­nas como mod­e­los exter­nos, mas, tam­bém, para o Brasil, são seus próprios mod­e­los dita­to­ri­ais.

As provas estão aí, à vista de todos: os mes­mos que vibram ou silen­ciam diante da con­de­nação crim­i­nal de um humorista pro­posta e perseguida por uma agente do estado (uma dep­utada fed­eral); que fes­te­jam ou defen­dem que a uni­ver­si­dade seja por­ta­dora de um pen­sa­mento único; que proces­sam ou defen­dem proces­sos con­tra jor­nal­is­tas, blogueiros ou escritores e que os mes­mos sejam con­de­na­dos à prisão, são os mes­mos que acusaram e acusam o atual gov­erno de autori­tarismo e dita­to­r­ial.

E são os mes­mos, tam­bém, que protes­tam e cla­mam con­tra a prisão de Julian Assange, que através de seu site divul­gou, inclu­sive, seg­re­dos mil­itares de diver­sos países, colo­cando em risco a segu­rança de mil­hares de pes­soas ao redor do mundo. Enquanto dis­pen­sam o elo­quente silên­cio em relação às prisões polit­i­cas na Venezuela, em Cuba …

Abdon Mar­inho é advo­gado.