SOBRE GOVERNOS E GALINHAS.
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- Criado: Quarta, 18 Abril 2018 22:55
- Escrito por Abdon Marinho
SOBRE GOVERNOS E GALINHAS.
Por Abdon Marinho.
UMA amiga a quem não via há algum tempo visitou-me recentemente. Lá pelas tantas, após termos tratado do objetivo da visita, indagou-me:
— Abdon, o que você acha dos atuais governos? Referia-se aos governos das três esferas.
Respondi-lhe:
— Olha, com as honradas exceções, que justificam as regra, os governos da atualidade parece-me geridos por galinhas.
Olhou-me intrigada e perguntou-me:
— Como assim?
Expliquei-lhe sobre uma das mais antigas alegorias. Aquela que explica a razão dos ovos de galinhas venderem mais que ovos de patas.
— Como sabes ovos de patas possuem as mesmas propriedades dos ovos de galinhas e é bem maior. Apesar disso tem pouca saída se compararmos à venda da outra ave. A razão é que a pata não divulga seu produto, já a galinha coloca um “ovinho” e sai fazendo escândalo, anunciando aos quatro ventos.
A quadra atual é a da gestão das galinhas. Os gestores, de cima a baixo do estado e do país, fazem quase nada, mas tentam, com uma mídia regiamente paga, convencer os eleitores, os cidadãos pagadores de impostos que fizeram muito ou que estão fazendo muito.
A distorção começa pelo governo federal. Quanto os mais variados órgãos não gastam, anualmente, com propaganda para tentar convencer os cidadãos que se estão fazendo muita coisa?
A mesma coisa é vista nos governos estaduais. Se olharmos com cuidado veremos que o investimento na “propaganda” é bem superior aos investimentos noutras áreas com alcance social mais relevante para a população.
As prefeituras não ficam atrás. Gastam importante parcela de recursos públicos com “propaganda”, com mídia, com remunerações de jornalistas ou blogueiros e a quem se dispuser a vender seu peixe.
A propaganda, da forma como é vendida, parece mais importante que a suposta obra ou serviço disponibilizados aos cidadãos.
Não reclamo que divulguem o que fazem. Aliás, um dos princípios da administração pública é justamente publicidade dos atos e atividades públicas. Tal princípio ganha maior relevo a partir da promulgação das leis e decretos relativos à transparência.
Os reclamos que faço é por tentarem incutir com propaganda exagerada que aquele pouco é uma grande coisa, que aquela insignificância é algo extraordinário, quando não é.
Outro dia, já perplexo com esse tipo de coisa, escrevi sobre tais fatos. Critiquei que o governo estadual tenha deslocado uma comitiva para a inauguração de um poço artesiano e o oferecimento de outros serviços essenciais em um longínquo povoado. Foi o que bastou, imediatamente uma tropa de choque de aduladores se formou para elogiar o feito.
Presos num sectarismo tosco não entenderam que a crítica não se destinava a obra. Qualquer um sabe o enorme significado de um poço artesiano, ainda que com um simples chafariz para uma comunidade que não possui água potável ou ainda é abastecida por cacimbas.
A critica, na linha do que venho dizendo, destinava-se ao exagero na publicização de uma coisa que deveria ser encarada como uma rotina normal de trabalho e que as pessoas deveriam “corar” por fazerem tanto “carnaval” por oferecerem um poço a uma comunidade nos rincões do Maranhão.
A inauguração de um poço deveria ser algo que comportaria ao presidente de uma associação ou sindicato fazer, mesmo para um vereador ou prefeito, ao nosso sentir, é algo exagerado, fazer tal coisa vendendo-a como um grande feito de um governo estadual é algo a refletir a “grandiosidade” dos governos destes tempos.
Como somos carentes de uma imprensa livre e crítica acabam por “vender” como grandes feitos coisas ínfimas.
Na verdade muitos dos que se intitulam “jornalistas” se prestam a fomentarem este tipo de equívoco, investindo-se, na verdade, em assessores de imprensa das gestões, propagando o cocoricó das gestões galináceas.
Querem ver outro exemplo da nossa realidade? O governo estadual “vende” como a “redenção” da educação maranhense o projeto “Escola Digna”.
Com efeito, a concepção do projeto é muito boa. Substituir escolas de chão batido, latadas ou casas de farinha por escola com um mínimo de conforto é algo muito bom. Entretanto, como já expliquei noutras oportunidades, trata-se de uma medida que está longe de significar avanços para educação, pelo contrário, os recursos que estão sendo gastos com construção de centenas de escolinhas, representariam um avanço significativo se ao invés de apenas substituir uma por outra, substituíssem diversas destas escolinhas por uma escola de qualidade com todos os recursos de escolas de ponta, em sistemas de polarização.
Tal solução seria mais viável para os municípios e representaria uma melhoria significativa para educação.
Pois bem, ao invés de se tentar construir uma política educacional consistente auxiliando os municípios preferem o efeito midiático dos números, falar de centenas de escolinhas construídas ou reformadas, pouco importando se as mesmas continuarão a funcionar em sistema multisseriado, não possuirem acesso à internet banda larga, bibliotecas, laboratórios e outros recursos que, reconhecidamente, contribuem para elevar o nível do ensino.
Quer me parecer, infelizmente, que a propaganda, o impacto da mídia, é mais importante que a finalidade perseguida pela administração que é o bem comum, o interesse da sociedade, o crescimento de todos, o oferecimento de serviços de qualidade aos contribuintes.
Vivemos uma estranha quadra na administração pública.
Antigamente, ainda lembro, os governantes quando iam a uma inauguração, faziam questão de conferir se aquela obra possuía qualidade, as vezes munidos de picaretas, testavam a qualidade o asfalto, via se era de qualidade, se a espessura estava correta, etc.
Nos dias atuais, a foto da inauguração na redes sociais, nos meios de comunicação, na propaganda oficial possui mais relevância que a obra em si. Pior que isso, não se “gasta” com propaganda apenas na inauguração da obra.
Atualmente os gestores não possuem constrangimento de “inaugurarem” ordens de serviços, fazerem festa em pedra fundamental. Os mais “afoitos” ou sem noção, têm o desplante de “inaugurarem” a intenção de fazer determinada obra. O cidadão diz que tem a intenção de fazer tal coisa e já faz a festa, a “inauguração” da intenção.
Um dado curioso que deve servir de alerta aos cidadãos: a sanha propagandística cresce na mesma proporção que diminui a qualidade das obras públicas.
Os exemplos estão aí, à vista de todos. Bastou um inverno um pouquinho mais rigoroso para inúmeras obras públicas se dissolverem, os alagamentos aparecerem e os prejuízos destruirem as finanças dos contribuintes.
Obras que contaram com verdadeiras fortunas em investimentos não resistindo a um inverno. Não precisa ir muito longe, olhe para as ruas dos bairros, as pistas das principais avenidas, as rodovias estaduais e federais. Estão todas a comprovar a sua péssima qualidade.
Aproveitem e puxem pela memória para lembrarem o quanto de propaganda, matérias jornalísticas (certamente pagas) se fez de tais obras, o quanto se gastou.
Este é o retrato do Brasil, um pais onde os governantes não se constrangem em venderem ilusões e enganarem os cidadãos.
Este é o retrato de um pais em que a propaganda tem mais importância que o investimento real em benefício da sociedade.
Maior respeito merece, de fato, as galinhas pois elas próprias fazem seu comercial, mas diferentes dos atuais governantes, entregam um produto de qualidade.
Abdon Marinho é advogado.
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