AbdonMarinho - O SUPREMO AMEAÇA A DEMOCRACIA.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O SUPREMO AMEAÇA A DEMOCRACIA.

O SUPREMO AMEAÇA A DEMOC­RA­CIA.
Por Abdon Mar­inho.
JAMAIS pen­sei algum dia iria pro­ferir uma assertiva tão dura. Mas o que dizer quando, em rede nacional, min­istros da mais ele­vada Corte de Justiça do Brasil tro­cam acusações dig­nas de bares de pés-​sujos e por pouco não partem para “as vias de fato”?
Já vem de longe a inca­paci­dade de suas excelên­cias cumprirem o ele­vadís­simo papel que lhe reserva a Con­sti­tu­ição Fed­eral e par­tirem para agressões mútuas que, não ape­nas enver­gonham a Justiça, ofen­dem o sen­ti­mento de nação dos cidadãos de bem que “ralam” a não mais poderem para sus­ten­tar o mon­u­men­tal Estado, que den­tre out­ras coisas, garante as mor­do­mias e priv­ilé­gios injus­ti­ficáveis da elite gov­er­nante, inclu­sive da própria corte.
A Justiça, aprendi desde cedo, é a der­radeira trincheira da cidada­nia. Sim, quando nada mais pud­er­mos fazer para ces­sar uma injustiça, uma vio­lação aos nos­sos dire­itos, nos restará bater às por­tas dos tri­bunais para que eles nos socor­ram.
E, se qual­quer órgão da justiça tem tal sig­nificân­cia, o Supremo Tri­bunal Fed­eral, sua instân­cia máx­ima, é a encar­nação de todo esse sen­ti­mento, deve, ele e seus min­istros, serem insuscetíveis de quais­quer críti­cas, pos­suírem, con­forme man­da­mento con­sti­tu­cional, uma con­duta ilibada. Aquela que qual­quer dicionário define como “con­duta limpa, cor­reta, ínte­gra, com honra. Uma pes­soa com idonei­dade moral, hon­esta, que age sem­pre de acordo com a moral e os bons cos­tumes”.
Como o cidadão deve sentir-​se quando ouve em rede nacional de tele­visão e rádio, um min­istro dizer que o outro é a mis­tura do mal com o atraso e pitadas de psi­co­pa­tia e o outro retru­car pedindo que o detra­tor feche seu escritório de advo­ca­cia?
Em que republi­queta esta­mos onde um min­istro diz que o outro é o mal, é um psi­co­pata e é retor­cido com a acusação de que con­tinua atuando como advo­gado?
E vejam, que em cenas de pugi­latos ante­ri­ores as refer­ên­cias foram, igual­mente, do mesmo nível ou pior.
Se o que estar dito tiver algum fundo de ver­dade – e tam­bém se não for, pouco importa –, o cidadão tem todos os motivos do mundo para não con­fiar na sua instân­cia máx­ima de Justiça, dai a razão da assertiva de que o Supremo, na quadra atual, rep­re­senta uma ameaça a democ­ra­cia brasileira.
Uma ameaça porque aos poucos e com o som histriônico dos pic­a­deiros vai caindo no descrédito pop­u­lar. Até porque, o vex­ame moral não alcança ape­nas os mais famosos con­tendores, se espalha por diver­sos out­ros.
Acred­ito que assis­ti­mos um momento hor­rível na cred­i­bil­i­dade da Justiça. Não digo pior porque sem­pre estão na iminên­cia de pio­rarem um pouco mais a já enx­o­val­hada imagem da pobre sen­hora.
Infe­liz­mente, pois não faz tanto tempo assim – talvez menos de um quarto de século –, ninguém ousava ques­tionar uma decisão de um min­istro do STF ou uma de suas decisões cole­giadas, hoje é como se não tivesse importân­cia alguma. Os poderosos, inclu­sive do crime orga­ni­zado, chegaram à con­clusão que os min­istros do STF são “pres­sionáveis”, ou uma definição bem pior que essa, para o desalento da sociedade.
Vejam o caso do cumpri­mento pro­visório da pena após de esgo­ta­dos os recur­sos de segunda instân­cia.
O Supremo decidiu, ainda ontem, em ter­mos jurídi­cos, em 2016, con­fir­mando uma decisão de 2009, que tal pos­si­bil­i­dade não ofend­e­ria o princí­pio con­sti­tu­cional da pre­sunção de inocên­cia.
A decisão foi aper­tada, mas foi uma decisão do tri­bunal, caberia aos demais mem­bros, ainda que ressal­vando seu entendi­mento pes­soal, man­ter a higidez da decisão cole­giada.
Não é isso que tem ocor­rido, os min­istros colo­cam seu posi­ciona­mento pes­soal, sua fração de poder, acima da decisão cole­giada.
Em out­ras palavras: a liber­dade dos cidadãos pas­sou a ser uma lote­ria, depen­dendo de onde seu pedido “cair”, min­istro ou turma, pode ficar livre ou não.
Temos diante de nós o tri­bunal cuja mis­são precípua é a guarda Con­sti­tu­ição, como o primeiro a desrespeita-​la, prin­ci­pal­mente naquela que é sua parte mais impor­tante: dos dire­itos e garan­tias fun­da­men­tais, o Título II.
Logo no seu artigo 5º., está assen­tado: “Art. 5º Todos são iguais per­ante a lei, sem dis­tinção de qual­quer natureza, garantindo-​se aos brasileiros e aos estrangeiros res­i­dentes no País a invi­o­la­bil­i­dade do dire­ito à vida, à liber­dade, à igual­dade, à segu­rança e à pro­priedade, nos ter­mos seguintes:”.
Com efeito, a bal­búr­dia que tomou conta do STF, retira dos brasileiros a sua situ­ação prin­ci­pal: a igual­dade per­ante a lei. Fran­cisco e José são iguais per­ante a lei mas se forem con­de­na­dos em segunda instân­cia e seus pedi­dos de liber­dade “caírem”, nas mãos dos min­istros Gilmar Mendes e Edson Fachin, respec­ti­va­mente, ape­nas como exem­plo, cessa aí sua “igual­dade”, um esper­ará o jul­ga­mento de todos e quais­quer recur­sos enquanto que o outro irá ou con­tin­uará, sem dó ou piedade, no cárcere.
Existe situ­ação pior que esta? Existe! A decisão ao gosto do freguês.
Vejam o caso do sen­hor Luiz Iná­cio Lula da Silva. O indig­i­tado, por coin­cidên­cia ex-​presidente da República, foi inves­ti­gado, indi­ci­ado, denun­ci­ado, jul­gado e con­de­nado, em primeira e segunda instân­cia e, con­forme o entendi­mento do STF, após o jul­ga­mento dos der­radeiros ape­los no Tri­bunal Regional Fed­eral da Quarta Região, dev­erá ou dev­e­ria seguir para o cumpri­mento da pena de 12 anos e um mês que lhe foi apli­cada.
O que temos visto desde a con­fir­mação da con­de­nação em segunda instân­cia do ex-​presidente é todo tipo de gente, até mesmo réus, exercerem todo o tipo de pressão sobre a Suprema Corte do país, para que ela mude o seu entendi­mento sobre o cumpri­mento pro­visório da pena. E, pior que isso, mesmo os inte­grantes do tri­bunal investi­dos nesta mis­são.
Vejam, o enve­ne­na­mento maior do STF a cul­mi­nar com a sua desmor­al­iza­ção per­ante a sociedade brasileira, não é para o tri­bunal voltar a dis­cu­tir o assunto, o que já não seria recomendável, tão pouco tempo da decisão ante­rior, o que está por trás de todo esse engodo é mudar o entendi­mento e per­mi­tir que o ex-​presidente fique impune pelos crimes aos quais já foi con­de­nado, e pelas demais con­de­nações que não tar­darão a ocor­rer – com mais de setenta anos e com tanta gente dis­posta a livrá-​lo do alcance da lei, além da prover­bial lentidão da justiça nacional, estou certo que ter­mi­nará seus dias, encanecendo da sociedade brasileira, livre, leve e solto.
O meu entendi­mento pes­soal – e escrevi sobre isso por ocasião do jul­ga­mento de 2016 –, é que o encar­ce­ra­mento a par­tir da segunda instân­cia estaria em dis­sonân­cia com o espírito do leg­is­lador con­sti­tu­inte, qual seja, vio­laria a pre­sunção de inocên­cia. E, con­hecendo a Justiça brasileira, via como um risco aos dire­itos dos cidadãos.
Mas, emb­ora irres­ig­nado, quedei-​me inerte em respeito à decisão Corte Suprema.
Agora, diante de tamanho acinte à sociedade brasileira, entendo que o Supremo está às por­tas da dec­re­tação de sua irrelevân­cia.
Esta­mos diante de min­istros que se pre­dis­põem a mudar o entendi­mento da maior instân­cia da Justiça para aten­der uma pes­soa, para isso não impor­tando a imensa inse­gu­rança jurídica que levará o país.
Sim, como a decisão orig­i­nal é de 2009 e a con­fir­mação de 2016, temos diver­sos cidadãos cumprindo pena, quando, tal qual o ex-​presidente Lula, pode­riam nunca con­hecer as dependên­cias do sis­tema pri­sional, seja pelo decurso do prazo, seja pelo perec­i­mento dos ape­na­dos, seja pela gen­erosa pre­scrição das penas no país.
Ora, caso deci­dam pela mudança de entendi­mento (me recuso acred­i­tar que come­terão o suicí­dio cole­tivo), vão, junto com a decisão sob medida, deter­mi­nar, de ofí­cio, que todos que este­jam na mesma situ­ação sejam ben­e­fi­ci­a­dos? Mesmo os que não têm recur­sos pen­dentes? E, o que farão com os que já cumpri­ram suas penas, que foram pri­va­dos da liber­dade, serão ind­eniza­dos?
Talvez fique menos feio que uma decisão para aten­der uma única pes­soa.
Caso, o pior venha acon­te­cer – e digo isso pen­sando no futuro do país e suas insti­tu­ições até porque o infortúnio de ninguém me traz prazer –, serei forçado a con­cor­dar com o con­de­nado Luiz Iná­cio Lula da Silva, quando apan­hado em um grampo autor­izado pela Justiça: “— temos uma Suprema Corte aco­var­dada”.
Mas encerro acred­i­tando que o STF, ape­sar de todos os vex­ames que temos assis­tido, não vai dar o primeiro passo para o Brasil se trans­for­mar numa Venezuela com comida e papel higiênico, como bem disse um incré­dulo amigo, recen­te­mente.
Abdon Mar­inho é advogado.