AbdonMarinho - A SOCIEDADE E O SUPREMO.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A SOCIEDADE E O SUPREMO.

A SOCIEDADE E O SUPREMO.
Por Abdon Mar­inho.
POU­CAS VEZES vi o Supremo Tri­bunal Fed­eral sofrer tan­tas críti­cas quanto agora. As incon­táveis charges espal­hadas nos veícu­los de comu­ni­cações nacionais – e mesmo além fron­teiras –, mostram o esgarça­mento das relações entre a sociedade e nossa corte Suprema. São achin­cal­hes, críti­cas áci­das, ofen­sas e mesmo protestos.
Vive­mos tem­pos difí­ceis. Quando poderíamos imag­i­nar que enti­dades da sociedade civil iriam con­vo­car protestos de rua con­tra a instân­cia máx­ima da justiça brasileira?
Parece que atingi­mos o fundo do poço. Só não ouso afir­mar isso porque sem­pre são capazes de cavar um pouco mais. O poço da indecên­cia brasileira não tem fundo.
Cer­ta­mente irão dizer: — tudo bem, são ape­nas piadas, charges.
Pode ser, mas nada comu­nica mel­hor o sen­ti­mento de um povo que o satírico, que a piada, que a con­versa infor­mal na mesa do bar.
E tem sido isso o que temos visto: as piadas, as charges, os debates de mesa de bar. O último “bate-​boca” entre os min­istros ren­deu, den­tre out­ras coisas, um inspi­rado samba-​canção e uma poe­sia decla­mada na voz de Maria Bethâ­nia.
Além do juridiquês e das falas empo­ladas nas sessões da Corte o que restou claro para a sociedade foi que o tri­bunal não fala a sua lín­gua. Pior que isso, que parte das excelên­cias estavam man­dando às favas quais­quer escrúpu­los de con­sciên­cia e jogando no lixo sua própria jurisprudên­cia do tri­bunal para livrar da prisão um ex-​presidente con­de­nado por cor­rupção e lavagem de din­heiro, com sen­tença con­de­natória con­fir­mada e ampli­ada pela segunda instân­cia.
A sociedade sen­tiu que a Corte Suprema, guardiã maior da sociedade, respon­sável em última instân­cia pela igual­dade, estava, clara­mente, como dito pelo próprio con­de­nado, em con­versa tele­fônica inter­cep­tada por ordem da Justiça, “aco­var­dada”.
E é fato que o Supremo tem se ape­que­nado na dis­cussão sobre a prisão do ex-​presidente. Como se o mesmo, por ser quem é e ter uma claque artic­u­lada – além de respon­sável pela nomeação de muitos deles –, estivesse acima do bem e do mal, inal­cançável pela lei.
Em tudo a sessão que ini­ciou o jul­ga­mento de um habeas cor­pus para livrar o ex-​presidente do cárcere a que se encon­tra con­de­nado, pare­ceu uma pés­sima ence­nação, a começar pela pausa para o cafez­inho que de dez min­u­tos rotineiros virou mais de hora e que cul­mi­nou com um “puxad­inho legal” que deu um salvo con­duto para não ser preso até a con­clusão do jul­ga­mento, já aprazado, ini­cial­mente, para o dia 4 de abril próx­imo.
O cidadão, mesmo aquele que não vive ou cir­cula no meio jurídico, perce­beu, com clareza solar, que a Suprema Corte esta­b­ele­ceu um trata­mento dis­tinto entre os brasileiros.
Afi­nal, nas mes­mas condições do ex-​presidente, quan­tos con­de­na­dos, mesmo pre­sos, teriam um habeas cor­pus exam­i­nado com tanta celeri­dade? A resposta é sabida por todos. Inúmeros são os que não con­seguem chegar até o STF e os que chegam, pela tradição da Corte, não têm seus reclames nem con­heci­dos.
Agora mesmo, quan­tos não são os pedi­dos de pre­sos, até por crimes menores, mesmo faméli­cos, que repousam nos gabi­netes dos min­istros do Supremo sem que ninguém os exam­ine? Estes têm o mesmo dire­ito do ex-​presidente de serem soltos ou não serem guarda­dos pre­sos até que o tri­bunal os exam­ine? Claro que não.
Ouvi na sessão que o paciente não pode­ria ser preso por inér­cia do corte em não con­cluir o jul­ga­mento do seu habeas cor­pus. Mas quan­tos não estão pre­sos nes­tas condições? Não foi o tri­bunal que enten­deu que isso era pos­sível? Que não ofendia a Con­sti­tu­ição? Agora não pode mais?
Acaso, antes da con­de­nação, e pos­te­rior con­fir­mação da sen­tença pela segunda instân­cia do sen­hor ex-​presidente e out­ros graú­dos, havia tanto furor e mobi­liza­ção pela revisão da decisão do STF de 2016 que con­siderou con­sti­tu­cional o cumpri­mento ante­ci­pado da pena? A resposta é não.
Aliás, bem poucos foram o que se colo­caram con­trários aquele entendi­mento, até mesmo, em vir­tude do reduzido número de recur­sos espe­ci­ais que são provi­dos no Supe­rior Tri­bunal de Justiça — STJ, cerca de 0,6% (zero vír­gula seis por cento) e menos ainda os que con­seguem chegar e serem provi­dos no Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF.
Quando naquela opor­tu­nidade me colo­quei ao lado da mino­ria que foi der­ro­tada na dis­cussão ou seja, con­trário ao cumpri­mento ante­ci­pado da pena, foi por enten­der que tal entendi­mento estava em desacordo com a regra con­sti­tu­cional do artigo 5º.: “LVII — ninguém será con­sid­er­ado cul­pado até o trân­sito em jul­gado de sen­tença penal con­de­natória;”.
O STF e muita gente boa enten­deram que bas­taria a con­fir­mação da con­de­nação em segunda instân­cia para que o con­de­nado fosse instado ao cumpri­mento da pena. E que tal medida, con­forme defendeu na época o min­istro Gilmar Mendes, aprox­i­maria o Brasil do mundo civ­i­lizado, uma vez que o Brasil era um dos poucos países onde os con­de­na­dos não cumpriam a pena logo na primeira ou na segunda instân­cia.
Ora, se aque­las pes­soas de notável saber jurídico, que têm a mis­são de inter­pre­tar o texto con­sti­tu­cional, ainda que por estre­ita maio­ria, estavam dizendo que o cumpri­mento da pena pode­ria ocor­rer a par­tir da segunda instân­cia instân­cia, como não aceitar? Ainda que dis­cor­dando, aceitei.
Agora, com os escân­da­los se suce­dendo e um “monte de gente impor­tante envolvida” – como na música da banda RPM –, sendo con­vi­dada a con­hecer as dependên­cias do sis­tema carcerário nacional, as mes­mas excelên­cias que “cri­aram” a regra que vem sendo apli­cada no país inteiro, querem redis­cu­tir a matéria.
Na ver­dade, redis­cussão é um eufemismo, suas excelên­cias querem é mudar a regra com o jogo em anda­mento.
Diante de tudo isso, com as infor­mações cir­cu­lando com uma veloci­dade nunca visto, não é de se estran­har a insat­is­fação da sociedade com a sua Corte Suprema.
A sociedade está acober­tada de razão ao ques­tionar e se inda­gar os porquês de tan­tas oscilações de com­por­ta­mento agora, se decidi­ram, ainda ontem, que estava tudo certo.
Como é pos­sível a instân­cia maior da Justiça brasileira tomar uma decisão e esta mesma decisão não ser cumprida nem pelos seus min­istros? Como é pos­sível que a regra valha para uns e não para out­ros? Como querem que a sociedade entenda isso como nor­mal? Como achar nor­mal que, agora, quando os poderosos estão na eminên­cia de cumprirem o “carma” dos demais mor­tais busquem sub­ter­fú­gios para driblar a regra que cri­aram?
Alertei antes e o faço nova­mente: o STF, a par­tir de suas últi­mas posições cam­inha a pas­sos lar­gos para con­quis­tar sua irrelevân­cia na história; para tornar-​se um tri­bunal sem o respeito da sociedade brasileira; para ser referido como um tri­bunal boli­var­i­ano.
O Brasil que já tem uma classe política hor­ro­rosa – pio­rando a cada dia –, com os poderes leg­isla­tivo e exec­u­tivo com­petindo, entre si, para saber quem comete mais crimes, pas­sar a ter uma Corte Suprema em que a sociedade não possa con­fiar, ter­e­mos a insolvên­cia das insti­tu­ições e o fim da democ­ra­cia. Se é que esta algum dia exis­tiu por aqui. Em todo caso, fin­gíamos que tín­hamos.
Um país com tal nível de descrédito insti­tu­cional não tem como fun­cionar o que leva a ser um campo aberto a todo tipo de opor­tunistas, mila­greiros e crim­i­nosos.
A quadra de inse­gu­rança jurídica em vive o país é inédita, não tem solução fácil e, infe­liz­mente, tem uma “pitada” de pre­sepada do nosso Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, que não tem para onde ir nem para onde voltar.
Como des­fazer a decisão de 2016 sem cair no mais abso­luto descrédito? Como man­ter a decisão de 2016 sem sub­me­ter todos a ela, inclu­sive os mem­bros da próprio tri­bunal que teimam em não cumprir? Como fica a sociedade? Ao alvedrio de um tri­bunal em que a sorte do juris­di­cionado depende da mesa onde seu processo vai repousar? Uma lei para cada parte?
A atual situ­ação do país é esta. Entre­tanto acred­ito que mais impor­tante que o diag­nós­tico, sejam as causas: como cheg­amos a essa situ­ação de caos insti­tu­cional? Quem são os cul­pa­dos? Esse é o resul­tado do atual mod­elo que temos?
São per­gun­tas que pre­cisamos nos fazer para dar­mos um norte ao país para os próx­i­mos anos. Fora isso, só muita fé em Deus para acred­i­tar que saire­mos cedo de tamanha insta­bil­i­dade.
Abdon Mar­inho é advogado.