A SOCIEDADE E O SUPREMO.
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- Criado: Domingo, 25 Março 2018 15:43
- Escrito por Abdon Marinho
A SOCIEDADE E O SUPREMO.
Por Abdon Marinho.
POUCAS VEZES vi o Supremo Tribunal Federal sofrer tantas críticas quanto agora. As incontáveis charges espalhadas nos veículos de comunicações nacionais – e mesmo além fronteiras –, mostram o esgarçamento das relações entre a sociedade e nossa corte Suprema. São achincalhes, críticas ácidas, ofensas e mesmo protestos.
Vivemos tempos difíceis. Quando poderíamos imaginar que entidades da sociedade civil iriam convocar protestos de rua contra a instância máxima da justiça brasileira?
Parece que atingimos o fundo do poço. Só não ouso afirmar isso porque sempre são capazes de cavar um pouco mais. O poço da indecência brasileira não tem fundo.
Certamente irão dizer: — tudo bem, são apenas piadas, charges.
Pode ser, mas nada comunica melhor o sentimento de um povo que o satírico, que a piada, que a conversa informal na mesa do bar.
E tem sido isso o que temos visto: as piadas, as charges, os debates de mesa de bar. O último “bate-boca” entre os ministros rendeu, dentre outras coisas, um inspirado samba-canção e uma poesia declamada na voz de Maria Bethânia.
Além do juridiquês e das falas empoladas nas sessões da Corte o que restou claro para a sociedade foi que o tribunal não fala a sua língua. Pior que isso, que parte das excelências estavam mandando às favas quaisquer escrúpulos de consciência e jogando no lixo sua própria jurisprudência do tribunal para livrar da prisão um ex-presidente condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, com sentença condenatória confirmada e ampliada pela segunda instância.
A sociedade sentiu que a Corte Suprema, guardiã maior da sociedade, responsável em última instância pela igualdade, estava, claramente, como dito pelo próprio condenado, em conversa telefônica interceptada por ordem da Justiça, “acovardada”.
E é fato que o Supremo tem se apequenado na discussão sobre a prisão do ex-presidente. Como se o mesmo, por ser quem é e ter uma claque articulada – além de responsável pela nomeação de muitos deles –, estivesse acima do bem e do mal, inalcançável pela lei.
Em tudo a sessão que iniciou o julgamento de um habeas corpus para livrar o ex-presidente do cárcere a que se encontra condenado, pareceu uma péssima encenação, a começar pela pausa para o cafezinho que de dez minutos rotineiros virou mais de hora e que culminou com um “puxadinho legal” que deu um salvo conduto para não ser preso até a conclusão do julgamento, já aprazado, inicialmente, para o dia 4 de abril próximo.
O cidadão, mesmo aquele que não vive ou circula no meio jurídico, percebeu, com clareza solar, que a Suprema Corte estabeleceu um tratamento distinto entre os brasileiros.
Afinal, nas mesmas condições do ex-presidente, quantos condenados, mesmo presos, teriam um habeas corpus examinado com tanta celeridade? A resposta é sabida por todos. Inúmeros são os que não conseguem chegar até o STF e os que chegam, pela tradição da Corte, não têm seus reclames nem conhecidos.
Agora mesmo, quantos não são os pedidos de presos, até por crimes menores, mesmo famélicos, que repousam nos gabinetes dos ministros do Supremo sem que ninguém os examine? Estes têm o mesmo direito do ex-presidente de serem soltos ou não serem guardados presos até que o tribunal os examine? Claro que não.
Ouvi na sessão que o paciente não poderia ser preso por inércia do corte em não concluir o julgamento do seu habeas corpus. Mas quantos não estão presos nestas condições? Não foi o tribunal que entendeu que isso era possível? Que não ofendia a Constituição? Agora não pode mais?
Acaso, antes da condenação, e posterior confirmação da sentença pela segunda instância do senhor ex-presidente e outros graúdos, havia tanto furor e mobilização pela revisão da decisão do STF de 2016 que considerou constitucional o cumprimento antecipado da pena? A resposta é não.
Aliás, bem poucos foram o que se colocaram contrários aquele entendimento, até mesmo, em virtude do reduzido número de recursos especiais que são providos no Superior Tribunal de Justiça — STJ, cerca de 0,6% (zero vírgula seis por cento) e menos ainda os que conseguem chegar e serem providos no Supremo Tribunal Federal — STF.
Quando naquela oportunidade me coloquei ao lado da minoria que foi derrotada na discussão ou seja, contrário ao cumprimento antecipado da pena, foi por entender que tal entendimento estava em desacordo com a regra constitucional do artigo 5º.: “LVII — ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;”.
O STF e muita gente boa entenderam que bastaria a confirmação da condenação em segunda instância para que o condenado fosse instado ao cumprimento da pena. E que tal medida, conforme defendeu na época o ministro Gilmar Mendes, aproximaria o Brasil do mundo civilizado, uma vez que o Brasil era um dos poucos países onde os condenados não cumpriam a pena logo na primeira ou na segunda instância.
Ora, se aquelas pessoas de notável saber jurídico, que têm a missão de interpretar o texto constitucional, ainda que por estreita maioria, estavam dizendo que o cumprimento da pena poderia ocorrer a partir da segunda instância instância, como não aceitar? Ainda que discordando, aceitei.
Agora, com os escândalos se sucedendo e um “monte de gente importante envolvida” – como na música da banda RPM –, sendo convidada a conhecer as dependências do sistema carcerário nacional, as mesmas excelências que “criaram” a regra que vem sendo aplicada no país inteiro, querem rediscutir a matéria.
Na verdade, rediscussão é um eufemismo, suas excelências querem é mudar a regra com o jogo em andamento.
Diante de tudo isso, com as informações circulando com uma velocidade nunca visto, não é de se estranhar a insatisfação da sociedade com a sua Corte Suprema.
A sociedade está acobertada de razão ao questionar e se indagar os porquês de tantas oscilações de comportamento agora, se decidiram, ainda ontem, que estava tudo certo.
Como é possível a instância maior da Justiça brasileira tomar uma decisão e esta mesma decisão não ser cumprida nem pelos seus ministros? Como é possível que a regra valha para uns e não para outros? Como querem que a sociedade entenda isso como normal? Como achar normal que, agora, quando os poderosos estão na eminência de cumprirem o “carma” dos demais mortais busquem subterfúgios para driblar a regra que criaram?
Alertei antes e o faço novamente: o STF, a partir de suas últimas posições caminha a passos largos para conquistar sua irrelevância na história; para tornar-se um tribunal sem o respeito da sociedade brasileira; para ser referido como um tribunal bolivariano.
O Brasil que já tem uma classe política horrorosa – piorando a cada dia –, com os poderes legislativo e executivo competindo, entre si, para saber quem comete mais crimes, passar a ter uma Corte Suprema em que a sociedade não possa confiar, teremos a insolvência das instituições e o fim da democracia. Se é que esta algum dia existiu por aqui. Em todo caso, fingíamos que tínhamos.
Um país com tal nível de descrédito institucional não tem como funcionar o que leva a ser um campo aberto a todo tipo de oportunistas, milagreiros e criminosos.
A quadra de insegurança jurídica em vive o país é inédita, não tem solução fácil e, infelizmente, tem uma “pitada” de presepada do nosso Supremo Tribunal Federal — STF, que não tem para onde ir nem para onde voltar.
Como desfazer a decisão de 2016 sem cair no mais absoluto descrédito? Como manter a decisão de 2016 sem submeter todos a ela, inclusive os membros da próprio tribunal que teimam em não cumprir? Como fica a sociedade? Ao alvedrio de um tribunal em que a sorte do jurisdicionado depende da mesa onde seu processo vai repousar? Uma lei para cada parte?
A atual situação do país é esta. Entretanto acredito que mais importante que o diagnóstico, sejam as causas: como chegamos a essa situação de caos institucional? Quem são os culpados? Esse é o resultado do atual modelo que temos?
São perguntas que precisamos nos fazer para darmos um norte ao país para os próximos anos. Fora isso, só muita fé em Deus para acreditar que sairemos cedo de tamanha instabilidade.
Abdon Marinho é advogado.