PORQUE É FEIO, EXCELÊNCIAS. SÓ ISSO.
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- Criado: Terça, 06 Março 2018 14:50
- Escrito por Abdon Marinho
PORQUE É FEIO, EXCELÊNCIAS. SÓ ISSO.
Por Abdon Marinho.
LOGO nos meus primeiros tempos como advogado, acompanhava uma sessão no tribunal.
Após brilhante sustentação oral do colega advogado – com a qual concordava inteiramente –, os votos começaram a ser tomados e, salvo um, se não me falha a memória, a tese do colega foi derrotada.
Tomado pelo ímpeto da juventude e pela irresignação – pois embora o processo não fosse “meu” sentia o cometimento de grave injustiça –, revelei ao colega toda minha insatisfação com o resultado do julgamento:
— Que absurdo, professor, como é possível que não tenham visto a clareza do direito que o senhor expôs? Não é aceitável uma coisa dessas!
O mestre, talvez com quase tantos anos de profissão do que eu de vida, ensinou-me uma lição da qual, no meu ministério, procuro não me afastar:
— Abdon, só sou advogado porque acredito na Justiça. No dia que deixar de confiar na Justiça vou procurar outra coisa para fazer. Se não fui ouvido aqui, recorrerei, quem sabe, noutra instância, não serei ouvido. Você mesmo diz que o direito é bom. Pode ser que não tenha me feito compreender.
Aquele julgamento, aquela derrota do colega, me legara uma lição para toda vida.
Quase vinte anos depois daquele episódio, e sendo colocado à prova quase que diariamente, mantemos firme na crença de que devemos acreditar na Justiça e que, mais cedo ou mais tarde, nossos reclames serão ouvidos e entendidos por aqueles que têm a mais elevada das responsabilidades: julgar os homens.
Agora mesmo somos surpreendidos com mais mais uma provação.
Leio que juízes federais – sempre merecedores da mais elevada estima e consideração –, vão fazer “greve”, paralisar suas atividades, negar ao jurisdicionado a assistência que lhe é devida.
A primeira indagação: como é possível agentes de Estado se acharem no direito de parar suas atividades?
Ao meu sentir é como se o próprio Estado decidisse “fechar” as portas.
São os juízes que dizem quando os outros estão certos ou errados em suas reivindicações.
Mas não é só. Suas excelências não vão paralisar suas atividades por uma grave ameaça à segurança de suas decisões, por uma ameaça à ordem institucional, mas sim por que entendem merecedores de um privilégio que estrapola – segundo o entendimento das mais abalizada análises –, os limites legais e que vai de encontro ao que preceitua o próprio mandamento constitucional.
Ora, é a Carta republicana que estabelece um teto para vencimentos de todos os agentes públicos, limitando-os ao que ganha um ministro do Supremo Tribunal Federal — STF e, ainda, que este deve ser pago em parcela única.
As exceções ao teto estabelecido são igualmente previstas: como é o caso em que o servidor ou agente público seja deslocado para fora do local apontado como seu local de residência.
Assim, não me parece razoável ou aceitável que julgadores, homens que, por sua sapiência, têm a prerrogativa de dizerem o direito, saiam às ruas protestando pelo direito de descumprir as leis e a Constituição da República.
Os “penduricalhos” que engrossam os salários de suas excelências – não há como deixar de reconhecer –, são uma afronta aos cidadãos de bem, estes que passam mais de cinco meses do ano trabalhando apenas para pagar impostos e sustentar uma máquina pública mastodôntica, enquanto lhes são negados direitos básicos como saúde, educação, assistência social, previdência e o principal de todos eles: a segurança pública, pois como diz um amigo é necessário que se esteja vivo para usufruir dos demais direitos.
E aí questionam que ganham muito pouco.
É possível que seja, de fato, irrisório o que ganham, mas esse pouco representa trinta vezes o que recebe grande parte dos trabalhadores brasileiros ou os milhões de aposentados obrigados a sobreviver com um salário mínimo mensal.
Não discuto que cerca de trinta mil seja pouco – na visão de uma ministra de Estado receber só isso é o mesmo que trabalhar em condições de escravidão –, mas esse pouco representa quase vinte vezes a média do salário nacional.
Além do “pouco” que percebem, e que não nos cabe discutir, até porque cada um sabe a “fundura” do seu bolso, suas excelências, possuem outras vantagens que os demais trabalhadores, que efetivamente “pagam” a conta nem sonham, como aposentadoria especial, férias de sessenta dias/ano. Sem contar a “punição” de serem aposentados compulsoriamente quando cometem algum “malfeito” ou afastados recebendo os vencimentos como se estivessem na ativa.
O achatamento salarial faz parte da realidade nacional, entretanto, não se pode exigir muito mais dos trabalhadores do que deles já é exigido.
Ademais, quando suas excelências optaram pela estabilidade das carreiras foi sabendo das limitações salariais que o Estado podia bancar.
Se o que ganham não é suficiente para fazer face às suas necessidades – recebendo as maiores remunerações da carreira pública –, o que dizer dos trabalhadores que recebem um ou dois salários mínimos e que é a grande massa dos trabalhadores? O que dizer das aposentadorias dos trabalhadores que, alquebrados pelos anos, têm de comprometer parte do que recebem com medicamentos e cuidados especiais?
O que suas excelências pretendem – e não discuto se são justas ou não –, é algo que o país não pode oferecer. Não sem aumentar, ainda mais, o fosso entre as camadas sociais e sobrecarregar os cidadãos pagadores de impostos.
E por que mereceriam ganhar ainda mais enquanto os demais trabalhadores ganham tão pouco? A caso não trataria de grave distorção preconceituosa tanta distinção entre a produção intelectual e o trabalho manual ou braçal?
Não bastasse isso, pelo inusitado da reivindicação, tratar-se-á de um privilégio difícil de se explicar: como justificar que determinadas pessoas recebam um auxílio-moradia para residir em suas próprias casas? Pior ainda, quando recebem duas vezes, como é o caso de determinado juiz, que tanto ele quando a esposa recebem o tal “penduricalho” para morarem, juntos, no próprio imóvel.
Vejam, ainda que digam que receber tal auxílio é legal (embora o mesmo esteja mantido por uma liminar que “teima” em não ser julgada), o mesmo falece de escopo moral para se sustentar.
Noutras palavras, o que pretendem ver legalizado, como dizia-se lá no meu sertão, “é feio”. Não faz qualquer sentido, não tem justificativa.
Agora mesmo – até extrapolando no protagonismo –, o Poder Judiciário por suas mais variadas instâncias, invadiu uma das prerrogativas de outro poder para dizer que determinada pessoa não poderia ser nomeada para o Ministério do Trabalho porque, na sua vida pessoal, fora condenada numa ação trabalhista.
Na visão dos ilustres julgadores que apreciaram a matéria a tal nomeação feriria o Princípio da Moralidade insculpido na Constituição.
Em vinte anos de profissão o que mais tenho visto são gestores públicos serem condenados pelas mais distintas tolices, desde um erro numa data, uma falta de atenção ou uma falha meramente administrativa ao descumprimento de uma orientação qualquer, e que na maioria das vezes não representou qualquer prejuízo aos cofres públicos.
Estas infortunadas pessoas são privadas dos seus bens – tenham sido eles ou não obtidos de forma ilícita –, são condenados a pesadas multas, são proibidas de contratar com o poder público e, até mesmos privados do exercício da cidadania, não podendo votar ou serem votados.
São tratados como marginais a quem assenta tudo. São as “Geni” da vida moderna.
Não raro, sofrem, até mesmo, privação de liberdade por meros erros administrativos ou falhas de menor monta. Conheço pessoas que cumprem penas elevadas por incorreções em um processo processo licitatório. Uma página numerada errada, uma assinatura fora do lugar têm sido suficientes para balizar condenações por fraude à lei de licitações.
Aí, quando vemos suas excelências ameaçando “greve” por uma causa de duvidosa legitimidade, um “penduricalho” enxertado nos vencimentos para descumprir o teto constitucional, nos perguntamos: não resta qualquer constrangimento em condenar – muitas das vezes por tolices, meras formalidades e sem prejuízo ao erário –, outros agentes públicos, enquanto recebem auxílio-moradia, por anos a fio, para morarem em suas próprias casas?
Como explicar tal contorcionismo ético?
São estas incompreensões sobre a realidade do país que colocam em provação a fé dos que acreditam na Justiça.
Abdon Marinho é advogado.