AbdonMarinho - PORQUE É FEIO, EXCELÊNCIAS. SÓ ISSO.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

PORQUE É FEIO, EXCELÊN­CIAS. ISSO.

PORQUE É FEIO, EXCELÊN­CIAS. ISSO.
Por Abdon Mar­inho.
LOGO nos meus primeiros tem­pos como advo­gado, acom­pan­hava uma sessão no tri­bunal.
Após bril­hante sus­ten­tação oral do colega advo­gado – com a qual con­cor­dava inteira­mente –, os votos começaram a ser toma­dos e, salvo um, se não me falha a memória, a tese do colega foi der­ro­tada.
Tomado pelo ímpeto da juven­tude e pela irres­ig­nação – pois emb­ora o processo não fosse “meu” sen­tia o come­ti­mento de grave injustiça –, rev­elei ao colega toda minha insat­is­fação com o resul­tado do jul­ga­mento:
— Que absurdo, pro­fes­sor, como é pos­sível que não ten­ham visto a clareza do dire­ito que o sen­hor expôs? Não é aceitável uma coisa dessas!
O mestre, talvez com quase tan­tos anos de profis­são do que eu de vida, ensinou-​me uma lição da qual, no meu min­istério, procuro não me afas­tar:
— Abdon, só sou advo­gado porque acred­ito na Justiça. No dia que deixar de con­fiar na Justiça vou procu­rar outra coisa para fazer. Se não fui ouvido aqui, recor­rerei, quem sabe, noutra instân­cia, não serei ouvido. Você mesmo diz que o dire­ito é bom. Pode ser que não tenha me feito com­preen­der.
Aquele jul­ga­mento, aquela der­rota do colega, me legara uma lição para toda vida.
Quase vinte anos depois daquele episó­dio, e sendo colo­cado à prova quase que diari­a­mente, man­te­mos firme na crença de que deve­mos acred­i­tar na Justiça e que, mais cedo ou mais tarde, nos­sos reclames serão ouvi­dos e enten­di­dos por aque­les que têm a mais ele­vada das respon­s­abil­i­dades: jul­gar os homens.
Agora mesmo somos sur­preen­di­dos com mais mais uma provação.
Leio que juízes fed­erais – sem­pre mere­ce­dores da mais ele­vada estima e con­sid­er­ação –, vão fazer “greve”, par­al­isar suas ativi­dades, negar ao juris­di­cionado a assistên­cia que lhe é dev­ida.
A primeira inda­gação: como é pos­sível agentes de Estado se acharem no dire­ito de parar suas ativi­dades?
Ao meu sen­tir é como se o próprio Estado decidisse “fechar” as por­tas.
São os juízes que dizem quando os out­ros estão cer­tos ou erra­dos em suas reivin­di­cações.
Mas não é só. Suas excelên­cias não vão par­al­isar suas ativi­dades por uma grave ameaça à segu­rança de suas decisões, por uma ameaça à ordem insti­tu­cional, mas sim por que enten­dem mere­ce­dores de um priv­ilé­gio que estrap­ola – segundo o entendi­mento das mais abal­izada análises –, os lim­ites legais e que vai de encon­tro ao que pre­ceitua o próprio man­da­mento con­sti­tu­cional.
Ora, é a Carta repub­li­cana que esta­b­elece um teto para venci­men­tos de todos os agentes públi­cos, limitando-​os ao que ganha um min­istro do Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF e, ainda, que este deve ser pago em parcela única.
As exceções ao teto esta­b­ele­cido são igual­mente pre­vis­tas: como é o caso em que o servi­dor ou agente público seja deslo­cado para fora do local apon­tado como seu local de residên­cia.
Assim, não me parece razoável ou aceitável que jul­gadores, homens que, por sua sapiên­cia, têm a pre­rrog­a­tiva de diz­erem o dire­ito, saiam às ruas prote­s­tando pelo dire­ito de des­cumprir as leis e a Con­sti­tu­ição da República.
Os “pen­duri­cal­hos” que engrossam os salários de suas excelên­cias – não há como deixar de recon­hecer –, são uma afronta aos cidadãos de bem, estes que pas­sam mais de cinco meses do ano tra­bal­hando ape­nas para pagar impos­tos e sus­ten­tar uma máquina pública mas­todôn­tica, enquanto lhes são nega­dos dire­itos bási­cos como saúde, edu­cação, assistên­cia social, pre­v­idên­cia e o prin­ci­pal de todos eles: a segu­rança pública, pois como diz um amigo é necessário que se esteja vivo para usufruir dos demais dire­itos.
E aí ques­tionam que gan­ham muito pouco.
É pos­sível que seja, de fato, irrisório o que gan­ham, mas esse pouco rep­re­senta trinta vezes o que recebe grande parte dos tra­bal­hadores brasileiros ou os mil­hões de aposen­ta­dos obri­ga­dos a sobre­viver com um salário mín­imo men­sal.
Não dis­cuto que cerca de trinta mil seja pouco – na visão de uma min­is­tra de Estado rece­ber só isso é o mesmo que tra­bal­har em condições de escravidão –, mas esse pouco rep­re­senta quase vinte vezes a média do salário nacional.
Além do “pouco” que percebem, e que não nos cabe dis­cu­tir, até porque cada um sabe a “fun­dura” do seu bolso, suas excelên­cias, pos­suem out­ras van­ta­gens que os demais tra­bal­hadores, que efe­ti­va­mente “pagam” a conta nem son­ham, como aposen­ta­do­ria espe­cial, férias de sessenta dias/​ano. Sem con­tar a “punição” de serem aposen­ta­dos com­pul­so­ri­a­mente quando come­tem algum “malfeito” ou afas­ta­dos recebendo os venci­men­tos como se estivessem na ativa.
O achata­mento salar­ial faz parte da real­i­dade nacional, entre­tanto, não se pode exi­gir muito mais dos tra­bal­hadores do que deles já é exigido.
Ade­mais, quando suas excelên­cias optaram pela esta­bil­i­dade das car­reiras foi sabendo das lim­i­tações salari­ais que o Estado podia ban­car.
Se o que gan­ham não é sufi­ciente para fazer face às suas neces­si­dades – recebendo as maiores remu­ner­ações da car­reira pública –, o que dizer dos tra­bal­hadores que recebem um ou dois salários mín­i­mos e que é a grande massa dos tra­bal­hadores? O que dizer das aposen­ta­do­rias dos tra­bal­hadores que, alque­bra­dos pelos anos, têm de com­pro­m­e­ter parte do que recebem com medica­men­tos e cuida­dos espe­ci­ais?
O que suas excelên­cias pre­ten­dem – e não dis­cuto se são jus­tas ou não –, é algo que o país não pode ofer­e­cer. Não sem aumen­tar, ainda mais, o fosso entre as camadas soci­ais e sobre­car­regar os cidadãos pagadores de impos­tos.
E por que mere­ce­riam gan­har ainda mais enquanto os demais tra­bal­hadores gan­ham tão pouco? A caso não trataria de grave dis­torção pre­con­ceitu­osa tanta dis­tinção entre a pro­dução int­elec­tual e o tra­balho man­ual ou braçal?
Não bas­tasse isso, pelo inusi­tado da reivin­di­cação, tratar-​se-​á de um priv­ilé­gio difí­cil de se explicar: como jus­ti­ficar que deter­mi­nadas pes­soas rece­bam um auxílio-​moradia para residir em suas próprias casas? Pior ainda, quando recebem duas vezes, como é o caso de deter­mi­nado juiz, que tanto ele quando a esposa recebem o tal “pen­duri­calho” para morarem, jun­tos, no próprio imóvel.
Vejam, ainda que digam que rece­ber tal auxílio é legal (emb­ora o mesmo esteja man­tido por uma lim­i­nar que “teima” em não ser jul­gada), o mesmo falece de escopo moral para se sus­ten­tar.
Noutras palavras, o que pre­ten­dem ver legal­izado, como dizia-​se lá no meu sertão, “é feio”. Não faz qual­quer sen­tido, não tem jus­ti­fica­tiva.
Agora mesmo – até extrap­olando no pro­tag­o­nismo –, o Poder Judi­ciário por suas mais vari­adas instân­cias, inva­diu uma das pre­rrog­a­ti­vas de outro poder para dizer que deter­mi­nada pes­soa não pode­ria ser nomeada para o Min­istério do Tra­balho porque, na sua vida pes­soal, fora con­de­nada numa ação tra­bal­hista.
Na visão dos ilus­tres jul­gadores que apre­cia­ram a matéria a tal nomeação feriria o Princí­pio da Moral­i­dade insculpido na Con­sti­tu­ição.
Em vinte anos de profis­são o que mais tenho visto são gestores públi­cos serem con­de­na­dos pelas mais dis­tin­tas tolices, desde um erro numa data, uma falta de atenção ou uma falha mera­mente admin­is­tra­tiva ao des­cumpri­mento de uma ori­en­tação qual­quer, e que na maio­ria das vezes não rep­re­sen­tou qual­quer pre­juízo aos cofres públi­cos.
Estas infor­tu­nadas pes­soas são pri­vadas dos seus bens – ten­ham sido eles ou não obti­dos de forma ilícita –, são con­de­na­dos a pesadas mul­tas, são proibidas de con­tratar com o poder público e, até mes­mos pri­va­dos do exer­cí­cio da cidada­nia, não podendo votar ou serem vota­dos.
São trata­dos como mar­gin­ais a quem assenta tudo. São as “Geni” da vida mod­erna.
Não raro, sofrem, até mesmo, pri­vação de liber­dade por meros erros admin­is­tra­tivos ou fal­has de menor monta. Con­heço pes­soas que cumprem penas ele­vadas por incor­reções em um processo processo lic­i­tatório. Uma página numer­ada errada, uma assi­natura fora do lugar têm sido sufi­cientes para balizar con­de­nações por fraude à lei de lic­i­tações.
Aí, quando vemos suas excelên­cias ameaçando “greve” por uma causa de duvi­dosa legit­im­i­dade, um “pen­duri­calho” enx­er­tado nos venci­men­tos para des­cumprir o teto con­sti­tu­cional, nos per­gun­ta­mos: não resta qual­quer con­strang­i­mento em con­denar – muitas das vezes por tolices, meras for­mal­i­dades e sem pre­juízo ao erário –, out­ros agentes públi­cos, enquanto recebem auxílio-​moradia, por anos a fio, para morarem em suas próprias casas?
Como explicar tal con­tor­cionismo ético?
São estas incom­preen­sões sobre a real­i­dade do país que colo­cam em provação a fé dos que acred­i­tam na Justiça.
Abdon Mar­inho é advogado.