AbdonMarinho - A desonra da Casa Branca
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 08 de Março de 2025



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A des­onra da Casa Branca


A des­onra da Casa Branca.

Por Abdon C. Mar­inho.

QUANDO me pro­pus a escr­ever o pre­sente texto a primeira dúvida a assaltar-​me foi se o título seria “ a des­onra na Casa Branca” ou “A des­onra da Casa Branca”. Acabei optando pelo segundo e, ao final do texto, os leitores podem dizer se acertei ou errei na escolha.

O assunto incon­tornável do momento é o encon­tro (ou armadilha) entre o pres­i­dente da Ucrâ­nia, Volodymyr Zelen­sky e o presidente-​gângster dos Esta­dos Unidos, Don­ald Trump, ladeado pelo não menos gâng­ster vice-​presidente, J. D. Vance.

O “encon­tro” que descam­bou para uma baixaria jamais vista em uma visita de Estado, muito menos no Salão Oval da Casa Branca já gan­hou seu ingresso na história mundial.

Imag­ino que o “bar­raco” possa ser inter­pre­tado, estu­dado ou avali­ado em três gradações:

Na primeira e mais super­fi­cial pode-​se dizer que o pres­i­dente Zelen­sky foi humil­hado pub­li­ca­mente e que a Ucrâ­nia pas­sará por dias, meses ter­ríveis com o claro risco de ser re anex­ada à Rús­sia ou sim­ples­mente desa­pare­cer como nação livre ou perder grande parte de seu ter­ritório.

Na segunda e inter­mediária avali­ação, pode-​se dizer que os EUA pro­tag­oni­zaram em rede mundial a maior ver­gonha enquanto nação de toda sua história tornado-​se aquele per­son­agem de quem não se recomenda a aquisição de veículo usado por não ser con­fiável ou por não ter palavra ou por não ter qual­quer crédito a palavra empen­hada ou o con­trato fiado.

Na ter­ceira e última avali­ação podemos dizer que a humanidade saiu humil­hada e der­ro­tada no “bar­raco” da Casa Branca. O que ficou explíc­ito aos olhos do mundo é que os Esta­dos Unidos estão sendo gov­er­na­dos por gâng­sters que colo­cam os seus inter­esses mer­can­tilis­tas acima de qual­quer coisa, inclu­sive dos inter­esses da humanidade. O que restou claro é que no médio e longo prazo pas­sará a vig­o­rar no cenário mundial a “lei do mais forte” com uma clara tendên­cia para a “lib­er­ação” dos mais fortes esma­garem os mais fracos.

Em relação à humil­hação imposta a Ucrâ­nia, que luta brava­mente con­tra uma invasão russa – a segunda desde a extinção da União Soviética –, essa começou com a per­mis­são para que o vice-​presidente tivesse assento e voz na reunião de pres­i­dentes. Isso foi com­bi­nado com Trump. Tivesse o Zelen­sky a pre­sença de espírito e não tivesse tão frag­ilizado pela guerra, a primeira coisa que dev­e­ria ter feito era ter dito que estava ali para uma con­versa de chefes de estado ou seja, de pres­i­dente para pres­i­dente.

O pres­i­dente amer­i­cano “ava­cal­hou” a reunião ao per­mi­tir que um chefe de estado con­vi­dado para estar ali fosse “destratado” por alguém que sequer dev­e­ria par­tic­i­par do encon­tro. O vice-​presidente arvorou-​se de uma autori­dade que não pos­suía para destratar e desre­speitar o con­vi­dado do país – que depois, inclu­sive, foi “con­vi­dado” a deixar a Casa Branca –, que lá estava para tratar de assun­tos de inter­esse das duas nações. O “com­binemos” de gâng­sters fez-​se tão pre­sente quanto a humil­hação imposta ao con­vi­dado que Trump não ape­nas per­mi­tiu que o vice con­duzisse a baixaria como lhe deu total razão e lhe tomou as dores.

Imag­ine numa situ­ação colo­quial: você con­vida alguém para ir a sua casa e lá esse con­vi­dado é destratado. Você acharia isso correto?

O Zelen­sky, por suas próprias condições, comportou-​se como se estivesse naquele encon­tro para pedir favor quando na ver­dade dev­e­ria ter ido com o ímpeto de cobrar um compromisso.

O com­pro­misso dev­ido pelos Esta­dos Unidos a Ucrâ­nia de garantir-​lhe a segu­rança esta­b­ele­cido no Mem­o­rando de Budapeste sobre Garan­tias de Segu­rança, assi­nado pelos Esta­dos Unidos em 5 de dezem­bro de 1994.

Por tal mem­o­rando a Fed­er­ação Russa, o Reino Unido e os Esta­dos Unidos estão proibidos de ameaçar ou de qual­quer força mil­i­tar ou coerção econômica con­tra a Bielor­rús­sia, o Caza­quistão e a Ucrâ­nia, exceto em caso de legí­tima defesa ou de qual­quer outro modo em con­cordân­cia com a Carta das Nações Unidas.

Nesse con­texto os Esta­dos Unidos pro­tag­oni­zaram no bar­raco da Casa Branca sua auto desmor­al­iza­ção. Naquele dia de infâmia os EUA fin­gi­ram descon­hecer o acordo do qual foi fiador, pois desde o iní­cio da guerra dev­e­riam ter deix­ado claro que a Rús­sia estava violando aquele acordo e que isso seria inad­mis­sível, como tenta, ele próprio des­cumprir o acordo na modal­i­dade da coerção econômica.

Em 1994 os EUA fiaram um acordo que “des­cumprido” pela Rús­sia ao invés de ficarem con­tra quem o desre­speitou se coloca ao seu lado e busca tirar van­ta­gens econômi­cas em cima da vítima, a Ucrâ­nia.

O “bar­raco” da Casa Branca destruiu o mito de que os EUA são uma nação com insti­tu­ições fortes e consolidadas.

O Mem­o­rando de Budapeste mal acabou de com­ple­tar trinta anos e as autori­dades amer­i­canas agem como se ele nunca tivesse exis­tido.

Muito emb­ora os Esta­dos Unidos sejam dirigi­dos por pres­i­dente que foge da nor­mal­i­dade e tenha um vice-​presidente que não fica muito longe disso, não se viu quais­quer out­ras autori­dades amer­i­canas lem­brando que exis­tem com­pro­mis­sos do país que estão acima dos seus gov­er­nantes de plan­tão. Esse é o sen­tido do termo insti­tu­ições fortes: os gov­er­nantes pas­sam, as insti­tu­ições ficam.

Não se viu “uma insti­tu­ição” falando em cumpri­mento do acordo. Aliás, não se ouviu de ninguém a sug­estão de que o pres­i­dente ao negar apoio ao Ucrâ­nia ou usar da coerção econômica con­tra o “ali­ado” em guerra estava des­cumprindo um acordo do país com aquela nação.

Mesmo os par­tidos políti­cos amer­i­canos – exceto por algu­mas man­i­fes­tações iso­ladas –, se colo­caram con­trários a esse com­por­ta­mento ver­gonhoso e ultra­jante do gov­erno amer­i­cano.

Em 1994 o Mem­o­rando pelo qual os três países abri­ram mão de seus instru­men­tos de defesa, foram assi­na­dos pelos próprios diri­gentes dos países, não é com­preen­sível que uma nação que se diga uma democ­ra­cia descon­heça a natureza de tais compromissos.

Em 1994, Esta­dos Unidos, Reino Unido Ucrâ­nia e Rús­sia assi­naram o acordo – pos­te­ri­or­mente China e França tam­bém se mudaram dando garan­tias –, pelo qual a Ucrâ­nia, que abria mão de seu arse­nal nuclear em favor da Rús­sia não seria ata­cada e nem sofre­ria coerção econômica por parte daque­les países.

O que acon­te­ceu? Em 2014 a Ucrâ­nia foi inva­dida e teve um pedaço do seu ter­ritório (Crimeia) anex­ado a Rús­sia; em 2022, mais uma vez a Rús­sia invade a Ucrâ­nia.

O que se esper­ava era que todos os países – pelo menos aque­les que foram sig­natários do acordo –, se colo­cassem con­tra e garan­tis­sem a segu­rança da nação inva­dida.

No “bar­raco” da Casa Branca o pres­i­dente Zelen­sky errou ao pedir garan­tias de segu­rança para os Esta­dos Unidos.

Essas garan­tias a Ucrâ­nia já as pos­sui desde 1994. Um com­pro­misso assi­nado pelos Esta­dos Unidos da América.

Uma sug­estão para a Ucrâ­nia é ela entrar na justiça amer­i­cana cobrando o cumpri­mento dos ter­mos do Mem­o­rando de Budapeste. Não ape­nas as garan­tias de segu­rança mas, tam­bém, que não sofr­erá a coerção econômica que vem sofrendo do atual governo.

Seria impor­tante tal medida para saber se ao menos a justiça daquele país ainda existe.

Encerro repetindo o que já disse ante­ri­or­mente, o mundo cam­inha a pas­sos lar­gos para um retro­cesso jamais visto em sua história. O que os grandes querem travar não é ape­nas relações onde val­ham a lei do mais forte, querem mais que isso, alme­jam uma nova ordem mundial sem qual­quer con­ceito do que seja honra, dig­nidade e respeito.

No final de tudo, mais do que nunca, a humanidade é a grande der­ro­tada pela ambição dos homens.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

Comen­tários

0 #1 Antônio Car­los Ferna 03-​03-​2025 18:08
Muito bom o Texto. Parabéns, Dr. Abdon.
A respeito do título, eu digo que, não fos­sem mís­seis apon­ta­dos pra nós, eu poria «A des­on­rada Casa Branca».
Des­on­rada pelo próprio man­datário, quando não cumpre acor­dos, desre­speita leis, faz ameaças e chan­ta­gens, etc., etc.
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