É preciso coragem para fazer a coisa certa.
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- Criado: Sábado, 01 Março 2025 13:37
- Escrito por Abdon Marinho
É preciso coragem para fazer a coisa certa.
Por Abdon C. Marinho.
EXISTE um consenso na sociedade: todos gostamos de festejar, de festa, diversão. Os que não gostam são as exceções que justificam a regra. Existe até um sambinha cuja letra é mais ou menos assim: “quem não gosta de samba bom sujeito não é ou está ruim da cabeça ou doente do pé…”
O prefeito de Cedral, Danilo Moraes, meu amigo e revisor desta coluna, praticamente, desde que ela existe – os compromissos da campanha e, agora, do mandato, o afastou dessa “missão” mas, sempre que possível ainda contribui –, integra a grande maioria dos que gostam de festejar, ainda assim, com a coragem de bem poucos tomou uma decisão que foi na “contramão” do consenso generalizado: decidiu que os recursos públicos do município que administra não iriam, esse ano, custear o Carnaval local.
Esse fato faz com ele saia da posição de revisor para a de protagonista da nossa coluna de hoje.
Até onde sei, apenas dois prefeitos maranhenses tomaram essa iniciativa – se existirem outros me avisem para que possa fazer o registro –, o prefeito de Amarante do Maranhão, na região sul do estado, que decidiu suspender o carnaval por razões sanitárias (o prefeito informou a existência de um surto de COVID 19 no município) e o prefeito de Cedral, no litoral norte.
O que torna a decisão de Danilo Moraes corajosa e especial é que ele, pessoalmente, foi para as redes sociais e veículos de comunicação e disse que deixava de patrocinar o Carnaval local com bandas e tudo mais, porque, nesse momento, as prioridades dele, como gestor, são outras: é recuperar os prédios públicos, veículos, melhorar os acessos dos povoados e tantas outras coisas que o município precisa resolver antes de gastar direta e indiretamente quase um milhão dos recursos municipais em três dias de festa. Isso parece tão óbvio.
No seu vídeo o prefeito se comprometeu (e fez) em buscar outros patrocinadores para custear as brincadeiras locais como eram os carnavais de antigamente.
O que torna a atitude do prefeito louvável é que mesmo diante das incompreensões, que certamente virão, ou da exploração do fato pelos adversários, ele não se quedou, não teve medo de fazer o certo, que é, na sua visão (e na visão das pessoas sensatas) priorizar os serviços públicos em detrimento das festas carnavalescas.
Ao virar a chave e romper com o roteiro previamente estabelecido: tem que gastar com o carnaval, tem que contratar banda (de preferência a melhor e mais cara), ele mostra que não terá medo de fazer o que é certo, ainda que isso venha a desagradar algumas pessoas.
Muito embora ele esteja coberto de razões para decidir não colocar 600, 700 ou mesmo um milhão de reais numa festa de três dias, pois recebeu os equipamentos públicos sucateados, contas para pagar e zero de recursos nas contas públicas, muitos são os que não compreendem essa atitude, uns por ignorância, outros por má-fé e, ainda, outros pelo sempre presente oportunismo.
É claro que muitos outros gestores receberam seus municípios em idêntica situação ou até mesmo em situação pior, infelizmente, esses não tiveram a cautela de fazer o enfrentamento que o prefeito de Cedral fez.
Com isso ele “inaugura” uma nova forma de administrar: ter a coragem de enfrentar as críticas para fazer a coisa certa e cumprir com o plano de governo com o qual se comprometeu na eleição.
Como dito, certamente o prefeito nada tem contra as festas carnavalescas ou qualquer outra, mas sabe que não faz sentido pagar uma fortuna para algumas bandas e estruturas em detrimento das necessidades da população, dos seus servidores, dos serviços públicos de qualidade.
Desde muito tempo exponho a opinião de que não faz muito sentido um município, sobretudo, os pequenos municípios, contratarem com recursos públicos grandes bandas “alienígenas” para suas programações de carnaval, festejos juninos, aniversários ou outros eventos de seus calendários culturais.
Explico os motivos: exceto pela a alegria momentânea dos cidadãos, o resto é só prejuízo. O município tira, por exemplo, 500, 600 mil para pagar artistas e estrutura de festa, esse dinheiro deixa de circular na cidade e vai circular na cidade e/ou no estado da sede da empresa ou da casa do artista. Jamais esse recurso é recuperado com os tributos gerados pelo evento, até porque a maioria dos municípios maranhenses não possuem estrutura de arrecadação de impostos e quando possui o que consegue arrecadar é incipiente.
Tem mais de uma década que fiz um desafio: que provem que estou errado nessa assertiva. Nunca ninguém me provou. É preciso que haja essa comprovação técnica: vamos investir X e vamos receber em tributos XY.
Arrisco dizer que, talvez o governo estadual – que resolveu investir bastante nesse seguimento –, ou os grandes municípios consigam, ao menos, “empatar” o que gastam com esses eventos com a arrecadação de impostos, o restante dos municípios, arrisco dizer, mais de noventa por cento, retira dinheiro público que poderia ser investido em coisas mais urgentes para mandar para outras cidades e estados, sem qualquer retorno.
Dá-se, o que já alertei diversas vezes, uma espécie de Robin Hood ao contrário: tira-se dos pobres para dar aos ricos.
Essa é uma questão matemática: se você pega o dinheiro público e manda para outros municípios e estados, sem que o mesmo capital ou mais, retorne através de arrecadação de impostos, você está tornando seu município mais pobre e enricando os que recebem esses recursos.
Para começar, a maioria das pessoas que vão para os pequenos municípios por ocasião do Carnaval, Semana Santa, ou outros feriados, são os filhos da terra que retornam para visitar os parentes, não são turistas de verdade.
Os pequenos municípios que têm vocação turística, aliás, precisam, antes, investir na infraestrutura local para conseguir atrair outros turistas e assim justificar com a previsão de incremento na arrecadação, os investimentos na contratação de shows artísticos.
Essa, ainda, não é a realidade da maioria dos municípios maranhenses.
O jovem prefeito de Cedral, rompeu com um paradigma ao preferir, acertadamente, utilizar os recursos públicos que destinaria ao pagamento de bandas e estruturas alienígenas e investir na recuperação dos prédios e equipamentos públicos. Acertará, ainda, mais se conseguir contratar apenas empresas e mão de obra locais para realização dos serviços, fazendo com que o dinheiro circule dentro do município.
É preciso ter coragem para fazer a coisa certa principalmente nos dias de hoje em que os conceitos e valores parecem ter se invertido. Muitos, na verdade, até têm vergonha de fazer o que é certo, preferindo apenas seguir o que os outros fazem sem qualquer questionamento.
O que o prefeito de Cedral fez é o que deveria ser feito por todos os demais prefeitos e prefeitas: primeiro verificar as reais necessidades do povo e só depois “investir” em outras coisas que não são tão necessárias e/ou urgentes em um início de mandato.
Abdon C. Marinho é advogado.