AbdonMarinho - Aborto, maconha e outras polêmicas (Parte 1).
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Quinta-​feira, 21 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

Aborto, maconha e out­ras polêmi­cas (Parte 1).


ABORTO, MACONHA E OUT­RAS POLÊMI­CAS (parte 1).

Por Abdon C. Marinho.

OS MAIS sábios que me ante­ced­eram tin­ham por norte uma con­vicção: que a estu­pidez dos seres humanos pareceria-​lhes ilim­i­tada.

Cada vez mais, nos dias atu­ais, os debates eiva­dos de con­vicções inque­bran­táveis dar-​lhes razão.

O Brasil vive, como poucos, esse Fla x Flu de rad­i­cal­is­mos sobre tudo. Até sobre a cor do pavil­hão nacional o debate é inc­on­cil­iável.

O prob­lema em si, nem são as divergên­cias, mas, prin­ci­pal­mente, a qual­i­dade do debate. O cidadão forma sua con­vicção por alin­hamento ide­ológico, reli­gioso ou por qual­quer outro viés e pronto, aquilo se tornou um dogma insuscetível de qual­quer dis­cussão ou pos­si­bil­i­dade de análise por qual­quer outro prisma que não seja o seu.

Muito pior que isso é que para firmar-​se como “certo”, como o “dono da razão” pouco importa falsear a ver­dade ou difundir infor­mações fal­sas.

Como ninguém parece, sequer, inter­es­sado em ouvir out­ros posi­ciona­men­tos ou argu­men­tos dis­crepantes, cheg­amos a situ­ação em que não existe mais debate no Brasil. Cada um faz suas pre­gações para os seus reban­hos (nada a ver com o “gado” de lado a lado) e tenta impor seu ponto de vista, sem con­cessão, aos out­ros.

Veja como é irônico: esta­mos todos tão próx­i­mos uns dos out­ros, com tanto acesso às várias for­mas de comu­ni­cação, mas perdemos a capaci­dade de dialogar e de nos enten­der­mos sobre quais­quer coisas.

Somos um espé­cie de Babel dos tem­pos mod­er­nos.

Em meio a tudo isso – e tam­bém em razão disso –, dois temas viraram motivos para o “cabo de guerra” entre os extremos: a questão do aborto e um jul­ga­mento sobre a descrim­i­nal­iza­ção da posse de até quarenta grama de maconha, para con­sumo próprio, pelo Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF.

Cumpre esclare­cer ao leitor que chegou até aqui que não é minha intenção convencê-​lo de nada (ou mesmo de ten­tar fazer isso) e, menos ainda, con­cor­dar com o posi­ciona­mento for­mado de quem quer que seja.

Nossa intenção é tão somente debater os temas – talvez o mais cômodo fosse ape­nas ficar com o meu próprio ideário a respeito dos mes­mos e guardar pra mim o que penso, mas não é do meu feitio.

Logo que entrei na fac­ul­dade de Dire­ito aprendi com o mestre Alberto Tavares, então lente de Dire­ito Proces­sual Penal que a tudo dev­eríamos anal­isar com grano salis — no sen­tido que nos ensi­nou “com pon­der­ação”, “com parcimô­nia”, com cautela, com uma pitada de sal.

Dos ban­cos da fac­ul­dade, trouxe para a vida tal ensi­na­mento. Vez ou outra, em algum texto ou mesmo dis­cussão com algum amigo, cito a frase do mestre: — cum grano salis doutor. Cum grano salis.

Vejamos o tema do aborto.

O assunto veio à baila depois o pres­i­dente da Câmara dos Dep­uta­dos aprovou em vinte três segun­dos que um pro­jeto de lei tratando do assunto tivesse urgên­cia na sua trami­tação, ou seja, que fosse para ser votado dire­ta­mente em plenário sem qual­quer dis­cussão nas comis­sões daquela Casa.

Segundo dizem essa votação relâm­pago e com o endosso de quase todos líderes par­tidários seria uma estraté­gia para encur­ralar o gov­erno fed­eral para que o mesmo “mostrasse a cara” em um tema tão sen­sível.

O pro­jeto de lei que ultra­pas­sou quais­quer out­ros temas de urgên­cia na pauta nacional traz de rel­e­vante a equiparação a homicí­dio sim­ples a inter­rupção da gravidez – em qual­quer situ­ação –, após a vigésima segunda sem­ana de ges­tação.

Essa equiparação per­mi­tirá a con­de­nação da mul­her a uma pena de até 20 anos de reclusão. A con­duta mais gravosa do Estatuto Penal é jus­ta­mente o homicí­dio: “Art. 121. Matar alguém: Pena — reclusão, de seis a vinte anos”.

A lei brasileira (e uma decisão do STF) per­mitem o aborto em casos de estupro, de risco de vida para a mãe e no caso de fetos anencé­fa­los. Nesses casos não have­ria lim­i­tação tem­po­ral à prática do aborto.

Caso o pro­jeto de lei seja aprovado as três situ­ações em que é per­mi­tido o aborto, a par­tir da vigésima segunda sem­ana de ges­tação pas­sará a ser con­sid­er­ado homicí­dio sim­ples, com a pena esta­b­ele­cida nos moldes descritos acima.

Con­forme já ampla­mente debatido e exposto, no caso da mul­her (ou menina ou ado­les­cente) que foi estuprada a sua pena por haver prat­i­cado o aborto, em tese, se torna maior do que aquela que seria con­ferida ao estuprador. Vejamos: “Art. 213. Con­stranger alguém, medi­ante vio­lên­cia ou grave ameaça, a ter con­junção car­nal ou a praticar ou per­mi­tir que com ele se pra­tique outro ato libidi­noso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009) Pena — reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009) § 1º Se da con­duta resulta lesão cor­po­ral de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)”.

Pesquisas mostram que a vio­lên­cia con­tra mul­her, prin­ci­pal­mente, o estupro é uma prática recor­rente com mil­hares acon­te­cendo diari­a­mente.

A essas mul­heres que já sofr­eram (e sofrem) a vio­lên­cia lhes é des­ti­nada uma pena “acessória” de não poder praticar o aborto sob pena de respon­der crim­i­nal­mente por homicí­dio e, se con­de­nadas, cumprir uma pena bem supe­rior ao do estuprador.

E o caso de cri­anças e ado­les­centes que são estupradas den­tro da própria casa e que, por medo, ver­gonha, e out­ros con­strang­i­men­tos só vão saber que estão grávi­das após o lapso tem­po­ral, tam­bém serão obri­gadas a serem mães quando, sequer, tiveram o dire­ito de serem filhas?

E caso da gravidez que rep­re­senta um risco de morte para mãe e esse risco só foi detec­tado já após a vigésima segunda sem­ana ou mesmo no momento parto, os médi­cos estarão obri­ga­dos a per­mi­tir a morte da mãe para sal­var o filho?

E o caso dos fetos anencé­fa­los detec­ta­dos tam­bém após a vigésima segunda sem­ana, as mães e famílias tam­bém serão obri­gadas? Com qual suporte do estado?

Mil­hares de estupros são cometi­dos diari­a­mente, muitos nos seios das famílias, das esco­las, das igre­jas, nos lugares onde cri­anças e ado­les­centes (e tam­bém as mul­heres) dev­e­riam ser pro­te­gi­das – e não são.

Mil­hares de meni­nas de 10, 11, 12, 13 anos (até menos) são vio­len­tadas diari­a­mente neste país, repito, den­tro de casa, den­tro de esco­las, de igre­jas, etc. na maio­ria das vezes esses estupros é abu­sos são cometi­dos por pes­soas de “den­tro” de casa. Indago essas meni­nas, abu­sadas, ameaçadas, se engravi­dam até sem saber, desco­bre a gravidez, se praticar o aborto, vão respon­der ao ato infra­cional (no caso a par­tir dos 12 anos), cor­re­spon­dente ao homicí­dio sim­ples e ficarem “encar­cer­adas” por três anos?

A situ­ação toda me parece absurda do ponto de vista de que os nos­sos rep­re­sen­tantes igno­ram real­i­dades bási­cas da vida dos cidadãos comuns. Não sabem o que falam, não tem con­hec­i­mento das difi­cul­dades que passa a pop­u­lação.

Cerca de um mil­hão de abor­tos são cometi­dos anual­mente, muitos em situ­ações de insalu­bri­dade e de risco para quem os prat­ica.

Vejam, não estou esta­b­ele­cendo um juízo de valor sobre as coisas, mas, entendo, que assun­tos sérios, de inter­esses da sociedade, não podem sem aprova­dos como “moedas de chan­tagem política”, sem que dep­uta­dos e senadores se dêem ao tra­balho de “estu­darem”, em pro­fun­di­dade, todos os impactos do que estão aprovando.

Outro dia, vi de uma dep­utada, sub­scritora do referido pro­jeto dizer que ela imag­i­nava que o mesmo iria pro­te­ger as mul­heres.

Isso uma das autoras do pro­jeto que não se deu o tra­balho de antes de colo­car sua assi­natura saber que o que estava fazendo. Assi­nou com base em suas con­vicções pes­soais, seus dog­mas reli­giosos, o alin­hamento ao seu grupo político.

Ora, isso não está certo, não é admis­sível que os rep­re­sen­tantes do povo tomem decisões que impacta a vida e a liber­dade de pes­soas basea­dos em seus dog­mas de fé, nos seus pre­con­ceitos ou no disse o pas­tor ou o padre de seus púl­pi­tos.

Con­tinua …

Abdon C. Mar­inho é advogado.