O Golpe de Itararé.
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- Criado: Sábado, 14 Janeiro 2023 11:24
- Escrito por Abdon Marinho
O GOLPE DE ITARARÉ.
Por Abdon C. Marinho.
A TERÇA-FEIRA, 11 de setembro de 2001, alcançou-me em um dia normal de trabalho no escritório que funcionava no edifício Los Angeles, no Renascença. Como chego cedo no escritório, já por volta das 7 horas já costumo enfrentar o batente, quando recebemos a informação do ataque terrorista às torres gêmeas, em Nova Iorque, o dia de trabalho já ia avançado.
Ligamos a televisão e passamos a acompanhar o desenvolvimento dos fatos.
Um compromisso previamente agendado na Assembleia Legislativa, que ainda funcionava na Rua do Egito, 144, Centro, fez com que, chegando lá, continuasse a acompanhar as transmissões do gabinete do deputado Aderson Lago, local do compromisso.
Pouco depois da minha chegada é anunciada a presença do saudoso ex-deputado Domingos Freitas Diniz (1933−2021), com quem passei a trocar impressões sobre aqueles fatos históricos que se desenvolviam diante dos nossos olhos. Durante anos, enquanto gozava de boa saúde, Freitas Diniz me ligava – às vezes ia ao escritório –, para trocarmos ideias sobre a política local, estadual ou nacional.
A coincidência levou-nos ao gabinete de Aderson Lago naquela manhã, e, enquanto assistimos ao vivo a transmissão única em todos os canais, Freitas Diniz pontuava: —veja, doutor Abdon, quanta estupidez. Se tais terroristas pretendiam combater os americanos ou o seu imperialismo ou ainda vingar-se ou fazer alguma retaliação, acabaram por fornecer mais argumentos aos americanos.
Nas semanas, nos meses, nos anos seguintes e ainda hoje, constatamos o acerto e précisão daquelas palavras.
Logo após os ataques (além das torres gêmeas, houve o ataque ao Pentágono e ainda a queda de um outro avião derrubado pelos passageiros em conflito com os terroristas, o voo 93, que podemos assistir em canais de streaming), os americanos e seus aliados começaram, em nome do combate ao terrorismo e em represália aos ataques sofridos, a retaliar seus inimigos, tivessem eles ou não qualquer participação nos atos de 11 de setembro.
O primeiro país a sofrer as consequências foi o Iraque, muito embora até hoje ninguém tenha provado qualquer ligação daquele pais com os ataques, depois que se voltaram contra o Afeganistão e os talibãs da Al-Qaeda, que, efetivamente, tiveram participação nos ataques.
A história tem mostrado que passados mais de duas décadas, ainda hoje, os americanos usam a desculpa dos ataques sofridos, para retaliar ou justificar retaliação à regimes divergentes.
No domingo, 8 de janeiro de 2023, após o cochilo pós almoço, assistia algum filme ou canal de história (que sou fã) quando me alcançou a notícia de que manifestações descambando para a violência invadira a Praça dos Três Poderes e amaçavam invadir o prédio do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto.
Como fizera há mais de duas décadas, passei a dedicar-me inteiramente ao acompanhamento dos fatos, da história que estava acontecendo diante dos meus olhos em imagens perfeitas de alta resolução ou ainda através dos vídeos feitos diretamente pelos que estavam em Brasília e que, em um exibicionismo incompreensível, faziam questão de se mostrar para o mundo.
Tentava compreender o que estava acontecendo e não entendia.
Os “nossos” terroristas mais pareciam uma inspiração para uma comédia – se não fosse trágico, o que estavam fazendo.
Diante das primeiras imagens fiquei com a impressão tratar-se de “um piquenique na esplanada”, já mais frente foi como um show de rock pesado que descambara para o quebra-quebra – muito embora tal analogia não tenha nada a ver.
O ataque aos poderes da República, parecia a obra de um esfarrapado “exército de Brancaleone”.
A despeito da gravidade ímpar dos acontecimentos, enquanto os assistia, o que me vinha à mente era que estávamos diante não de um ataque de sedição.
A lembrança a os que fatos acontecendo ali diante dos meus olhos me remetiam eram dos fanáticos suicidas de Jim Jones (James Warren «Jim» Jones, 1931⁄1978), ocorrido em 1978, quando 918 pessoas sacrificaram as próprias vidas em nome de uma crença insana.
O “golpe”, se é que acreditavam, de fato, que poderiam derrubar o governo empossado na semana anterior, parecia-me tão inexequível quanto se acertar uma pedra na lua.
O “golpe” de 8 de janeiro, pareceu-me tão fadado ao fracasso quanto à famosa batalha de Itararé, que entrou para história como a batalha que não aconteceu.
Foge à minha compreensão que os idealizadores de tais eventos tenham sido tão ignorantes ou toscos – não posso chamá-los de “burros” para não ofender os quadrúpedes –, a ponto de imaginarem que aquele “piquenique de domingo” misturado com fim de show de heavy metal, fosse capaz de derrubar um governo, em uma democracia com mais de 200 milhões de habitantes.
Os cidadãos foram lá ocuparam os prédios públicos por pouco mais de duas horas, se muito, tempo suficiente, apenas para vandalizarem o patrimônio público, antes de serem dominados e detidos pelas forças de segurança.
Imagino que se a “aloprada” tivesse sido planejada e executada pela “esquerda” ou pelos comunistas, como chamam, talvez, não tivesse cumprido tão fielmente os seus objetivos quanto os que foram alcançados.
A verdadeira posse do presidente Lula não ocorreu no dia primeiro de janeiro, ela se deu no domingo, dia 8, quando os atos tresloucados de uma multidão de fanáticos o legitimou.
Os três poderes constituídos e a esmagadora maioria da população brasileira viu que não é aquilo que queremos para o país.
Acho, sinceramente, que as milhares de pessoas que ficaram meses nas portas dos quartéis militares, os que se deslocaram até Brasília para a “tomada do poder”, foram simplesmente usadas, enganada com falsas promessas e narrativas de que houve fraude nas eleições, de que o Brasil vai virar uma Venezuela, que daqui a três ou quatro semanas a população terá que matar cães e gatos para se alimentarem.
Não duvido, que, assim como a promessa de salvação plena levou aquelas centenas de pessoas ao suicídio naquele ano de 1978, as milhares que acorreram para cometer crimes em Brasília e “derrubar o poder”, se imaginavam numa missão nobre: “salvar o Brasil”.
Isso em relação as “buchas de canhão”, as “tiazinhas” do zap. Mas, sabemos, também, que esse “caldo” de radicalização tem uma origem, sabemos, que os idealizadores, financiadores, tinham como propósito derrubar o governo, instalar um régime de exceção, com todas consequências, inclusive, fatais, dela decorrentes.
Faz-se necessário investigações responsáveis, sem açodamentos ou sentimentos de retaliação, que tenha como objetivo separar o joio do trigo, vítimas de culpados.
As vítimas que respondam nos limites dos seus atos, mas sem perder de vista os verdadeiros culpados pela tentativa de golpe institucional.
As investigações sobre a tentativa de golpe têm revelado atos preparatórios e rede de comando e financiamento que precisa ser revelada à população de forma clara. Uma minuta de decreto encontrada na casa do ex-ministro da justiça – que teve a prisão decretada e já está a caminho do Brasil –, revela que tinham, sim, a intenção de modificar o resultado das urnas na marra.
O ex-presidente da República antes de “fugir” do país – antes, durante e depois do pleito eleitoral –, fez pronunciamentos cifrados levando “mensagens” aos seguidores fanáticos, levando-os à prática de atos em seu nome e por sua causa. Talvez por o isso, a Procuradoria-Geral da República, que nos últimos quatro anos manteve um silêncio a aproximou da omissão, entendeu que deveria pedir a inclusão do ex-mandatário no inquérito que apura os atos de 8 de janeiro.
A resposta talvez esteja no que ocorreu durante os últimos quatro anos de massacre as instituições da república.
Transparência, sobriedade e rigor nas investigações serão fundamentais para apuração e responsabilização dos verdadeiros culpados.
Não podemos permitir que em nome da democracia, do ideal de se combater o “terrorismo”, se cometa violações a direitos, abusos ou terrorismo de estado.
É isso que a sociedade exige: Democracia sempre!
Justiça, sim! Vingança, não!
Abdon C.Marinho é advogado
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