AbdonMarinho - O Golpe de Itararé.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

O Golpe de Itararé.


O GOLPE DE ITARARÉ.

Por Abdon C. Mar­inho.

A TERÇA-​FEIRA, 11 de setem­bro de 2001, alcançou-​me em um dia nor­mal de tra­balho no escritório que fun­cionava no edifí­cio Los Ange­les, no Renascença. Como chego cedo no escritório, já por volta das 7 horas já cos­tumo enfrentar o batente, quando recebe­mos a infor­mação do ataque ter­ror­ista às tor­res gêmeas, em Nova Iorque, o dia de tra­balho já ia avançado.

Lig­amos a tele­visão e pas­samos a acom­pan­har o desen­volvi­mento dos fatos.

Um com­pro­misso pre­vi­a­mente agen­dado na Assem­bleia Leg­isla­tiva, que ainda fun­cionava na Rua do Egito, 144, Cen­tro, fez com que, chegando lá, con­tin­u­asse a acom­pan­har as trans­mis­sões do gabi­nete do dep­utado Ader­son Lago, local do com­pro­misso.

Pouco depois da minha chegada é anun­ci­ada a pre­sença do saudoso ex-​deputado Domin­gos Fre­itas Diniz (19332021), com quem pas­sei a tro­car impressões sobre aque­les fatos históri­cos que se desen­volviam diante dos nos­sos olhos. Durante anos, enquanto gozava de boa saúde, Fre­itas Diniz me lig­ava – às vezes ia ao escritório –, para tro­car­mos ideias sobre a política local, estad­ual ou nacional.

A coin­cidên­cia levou-​nos ao gabi­nete de Ader­son Lago naquela manhã, e, enquanto assis­ti­mos ao vivo a trans­mis­são única em todos os canais, Fre­itas Diniz pon­tu­ava: —veja, doutor Abdon, quanta estu­pidez. Se tais ter­ror­is­tas pre­tendiam com­bater os amer­i­canos ou o seu impe­ri­al­ismo ou ainda vingar-​se ou fazer alguma retal­i­ação, acabaram por fornecer mais argu­men­tos aos amer­i­canos.

Nas sem­anas, nos meses, nos anos seguintes e ainda hoje, con­stata­mos o acerto e pré­cisão daque­las palavras.

Logo após os ataques (além das tor­res gêmeas, houve o ataque ao Pen­tá­gono e ainda a queda de um outro avião der­rubado pelos pas­sageiros em con­flito com os ter­ror­is­tas, o voo 93, que podemos assi­s­tir em canais de stream­ing), os amer­i­canos e seus ali­a­dos começaram, em nome do com­bate ao ter­ror­ismo e em represália aos ataques sofri­dos, a retal­iar seus inimi­gos, tivessem eles ou não qual­quer par­tic­i­pação nos atos de 11 de setem­bro.

O primeiro país a sofrer as con­se­quên­cias foi o Iraque, muito emb­ora até hoje ninguém tenha provado qual­quer lig­ação daquele pais com os ataques, depois que se voltaram con­tra o Afe­gan­istão e os tal­ibãs da Al-​Qaeda, que, efe­ti­va­mente, tiveram par­tic­i­pação nos ataques.

A história tem mostrado que pas­sa­dos mais de duas décadas, ainda hoje, os amer­i­canos usam a des­culpa dos ataques sofri­dos, para retal­iar ou jus­ti­ficar retal­i­ação à regimes diver­gentes.

No domingo, 8 de janeiro de 2023, após o cochilo pós almoço, assis­tia algum filme ou canal de história (que sou fã) quando me alcançou a notí­cia de que man­i­fes­tações descam­bando para a vio­lên­cia invadira a Praça dos Três Poderes e amaçavam invadir o pré­dio do Con­gresso Nacional, do Supremo Tri­bunal Fed­eral e o Palá­cio do Planalto.

Como fiz­era há mais de duas décadas, pas­sei a dedicar-​me inteira­mente ao acom­pan­hamento dos fatos, da história que estava acon­te­cendo diante dos meus olhos em ima­gens per­feitas de alta res­olução ou ainda através dos vídeos feitos dire­ta­mente pelos que estavam em Brasília e que, em um exibi­cionismo incom­preen­sível, faziam questão de se mostrar para o mundo.

Ten­tava com­preen­der o que estava acon­te­cendo e não enten­dia.

Os “nos­sos” ter­ror­is­tas mais pare­ciam uma inspi­ração para uma comé­dia – se não fosse trágico, o que estavam fazendo.

Diante das primeiras ima­gens fiquei com a impressão tratar-​se de “um piquenique na esplanada”, já mais frente foi como um show de rock pesado que descam­bara para o quebra-​quebra – muito emb­ora tal analo­gia não tenha nada a ver.

O ataque aos poderes da República, pare­cia a obra de um esfar­ra­pado “exército de Bran­ca­le­one”.

A despeito da gravi­dade ímpar dos acon­tec­i­men­tos, enquanto os assis­tia, o que me vinha à mente era que está­va­mos diante não de um ataque de sedição.

A lem­brança a os que fatos acon­te­cendo ali diante dos meus olhos me reme­tiam eram dos fanáti­cos sui­ci­das de Jim Jones (James War­ren «Jim» Jones, 19311978), ocor­rido em 1978, quando 918 pes­soas sac­ri­ficaram as próprias vidas em nome de uma crença insana.

O “golpe”, se é que acred­i­tavam, de fato, que pode­riam der­rubar o gov­erno empos­sado na sem­ana ante­rior, parecia-​me tão inex­e­quível quanto se acer­tar uma pedra na lua.

O “golpe” de 8 de janeiro, pareceu-​me tão fadado ao fra­casso quanto à famosa batalha de Itararé, que entrou para história como a batalha que não acon­te­ceu.

Foge à minha com­preen­são que os ide­al­izadores de tais even­tos ten­ham sido tão igno­rantes ou toscos – não posso chamá-​los de “bur­ros” para não ofender os quadrú­pedes –, a ponto de imag­inarem que aquele “piquenique de domingo” mis­tu­rado com fim de show de heavy metal, fosse capaz de der­rubar um gov­erno, em uma democ­ra­cia com mais de 200 mil­hões de habi­tantes.

Os cidadãos foram lá ocu­param os pré­dios públi­cos por pouco mais de duas horas, se muito, tempo sufi­ciente, ape­nas para van­dalizarem o patrimônio público, antes de serem dom­i­na­dos e deti­dos pelas forças de segu­rança.

Imag­ino que se a “alo­prada” tivesse sido plane­jada e exe­cu­tada pela “esquerda” ou pelos comu­nistas, como chamam, talvez, não tivesse cumprido tão fiel­mente os seus obje­tivos quanto os que foram alcançados.

A ver­dadeira posse do pres­i­dente Lula não ocor­reu no dia primeiro de janeiro, ela se deu no domingo, dia 8, quando os atos tres­lou­ca­dos de uma mul­ti­dão de fanáti­cos o legit­i­mou.

Os três poderes con­sti­tuí­dos e a esma­gadora maio­ria da pop­u­lação brasileira viu que não é aquilo que quer­e­mos para o país.

Acho, sin­ce­ra­mente, que as mil­hares de pes­soas que ficaram meses nas por­tas dos quar­téis mil­itares, os que se deslo­caram até Brasília para a “tomada do poder”, foram sim­ples­mente usadas, enganada com fal­sas promes­sas e nar­ra­ti­vas de que houve fraude nas eleições, de que o Brasil vai virar uma Venezuela, que daqui a três ou qua­tro sem­anas a pop­u­lação terá que matar cães e gatos para se ali­menta­rem.

Não duvido, que, assim como a promessa de sal­vação plena levou aque­las cen­te­nas de pes­soas ao suicí­dio naquele ano de 1978, as mil­hares que acor­reram para come­ter crimes em Brasília e “der­rubar o poder”, se imag­i­navam numa mis­são nobre: “sal­var o Brasil”.

Isso em relação as “buchas de can­hão”, as “tiaz­in­has” do zap. Mas, sabe­mos, tam­bém, que esse “caldo” de rad­i­cal­iza­ção tem uma origem, sabe­mos, que os ide­al­izadores, finan­ciadores, tin­ham como propósito der­rubar o gov­erno, insta­lar um régime de exceção, com todas con­se­quên­cias, inclu­sive, fatais, dela decor­rentes.

Faz-​se necessário inves­ti­gações respon­sáveis, sem aço­da­men­tos ou sen­ti­men­tos de retal­i­ação, que tenha como obje­tivo sep­a­rar o joio do trigo, víti­mas de cul­pa­dos.

As víti­mas que respon­dam nos lim­ites dos seus atos, mas sem perder de vista os ver­dadeiros cul­pa­dos pela ten­ta­tiva de golpe insti­tu­cional.

As inves­ti­gações sobre a ten­ta­tiva de golpe têm rev­e­lado atos preparatórios e rede de comando e finan­cia­mento que pre­cisa ser rev­e­lada à pop­u­lação de forma clara. Uma min­uta de decreto encon­trada na casa do ex-​ministro da justiça – que teve a prisão dec­re­tada e já está a cam­inho do Brasil –, rev­ela que tin­ham, sim, a intenção de mod­i­ficar o resul­tado das urnas na marra.

O ex-​presidente da República antes de “fugir” do país – antes, durante e depois do pleito eleitoral –, fez pro­nun­ci­a­men­tos cifra­dos levando “men­sagens” aos seguidores fanáti­cos, levando-​os à prática de atos em seu nome e por sua causa. Talvez por o isso, a Procuradoria-​Geral da República, que nos últi­mos qua­tro anos man­teve um silên­cio a aprox­i­mou da omis­são, enten­deu que dev­e­ria pedir a inclusão do ex-​mandatário no inquérito que apura os atos de 8 de janeiro.

A resposta talvez esteja no que ocor­reu durante os últi­mos qua­tro anos de mas­sacre as insti­tu­ições da república.

Transparên­cia, sobriedade e rigor nas inves­ti­gações serão fun­da­men­tais para apu­ração e respon­s­abi­liza­ção dos ver­dadeiros cul­pa­dos.

Não podemos per­mi­tir que em nome da democ­ra­cia, do ideal de se com­bater o “ter­ror­ismo”, se cometa vio­lações a dire­itos, abu­sos ou ter­ror­ismo de estado.

É isso que a sociedade exige: Democ­ra­cia sempre!

Justiça, sim! Vin­gança, não!

Abdon C.Marinho é advogado

Comen­tários

0 #1 Mel 15-​01-​2023 17:53
Per­feito
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