CAMINHONEIROS, UNÍ-VOS.
Era um menino em 1984. As lembranças que trago deste período são turvas depois de tantos anos. Lembro, entretanto, que foi naquele ano que ouvi falar, pela primeira vez, na chamada Lei de Segurança Nacional, o nome correto, na verdade é Lei dos Crimes Contra a Segurança Nacional.
A ditadura militar vivia seus estertores, o povo, já cansado do regime militar, não se continha mais. Assim, em dezembro do ano anterior, fizera aprovar a lei nº. 7,170, de 14 de dezembro de 1983, trazendo e definindo os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, estabelecendo seu processo e julgamento.
Lembro que por ocasião da votação da emenda das diretas, ouvia-se nas emissoras de televisão e rádio os porta-vozes do governo informar que iriam fazer uso da lei de segurança nacional, decretar estado de sítio e todas essas coisas que pareciam perdidas na memória.
No dia da votação a capital foi fechada, os militares postos nas ruas.
Rememoro estes fatos para traçar um paralelo entre o atual governo, da presidente Dilma Rousseff, e o governo do general João Figueiredo, o último dos generais-presidentes que encerrou o regime militar depois de vinte e um anos.
O tratamento dispensado pelo governo do partido dos trabalhadores à greve dos caminhoneiros é mais truculento que o dispensado pelos militares naqueles dias de fim de regime. A presidente só não invocou, oficialmente, a LSN – poderia até tê-lo feito já que se encontra em vigor –, mas reprime o movimento paredista dos caminhoneiros da mesma forma.
O ministro Cardozo poderia, pela forma como se manifesta, passar pelo general Newton Cruz, que época ocupava a chefia do Serviço Nacional de Informação - SNI.
A presidente vem a televisão e defende a livre manifestação dos caminhoneiros, mas, porém, entretanto, desde que essa obedeça aos requisitos estabelecidos pelo governo. Não pode atrapalhar a livre circulação de mercadorias, não pode provocar desabastecimento, não pode isso, não pode aquilo.
O governo do Brasil quer criar a primeira greve chapa branca da história.
Indiretamente, usando, envergonhadamente, outros instrumentos, como o da Medida Provisória, multas, apreensões de carteiras e veículos, pela Polícia Rodoviária Federal, apelam para a Lei de Segurança Nacional, a lei dos estertores da ditadura.
A repressão ao movimento do caminhoneiros é mais uma faceta para a coleção de vergonhas dos atuais poderosos da República, que deve se somar ao aparelhamento do Estado, à corrupção como estratégia e manutenção do poder, à desorganização da economia e à incompetência gerencial.
Sem constrangimento defendem as medidas tomadas contra os caminhoneiros, esquecendo que o tipo de manifestação que protagonizam é o mesmo tipo que os donos do poder sempre protagonizaram.
Na oposição não lembro de vê-los preocupados com livre circulação veículos e pessoas, com abastecimento das cidades, com o impacto econômico, com milhares e milhares de alunos sem aula, com as industrias fechadas, etc.
Ainda hoje, os que se manifestam a favor do governo têm livre trânsito, não sofrem qualquer repressão dos entes estatais. Muitos são subsidiados por empresas públicas, por bancos estatais, para fechar ruas, impedir trabalhadores de irem trabalhar, etc.
Quantas vezes não tivemos ceceado nosso direito de ir e vir por conta de um ou outro ato de protesto? Onde estavam as autoridades? O que fizeram?
A resposta é inúmeras vezes.
A resposta que as autoridades se calaram, se omitiram.
A resposta é que as autoridades não fizeram nada.
O fato é que, diferente dos generais que repudiavam quaisquer atos, o atual governo só repudia os atos contrários ao governo; só repudiam as manifestações daqueles que não são subsidiados pelo Estado para protestarem a favor (essa é uma inovação da nova republica bolivariana brasileira, o protesto a favor).
O silêncio diante de tamanho abuso por parte daqueles que sempre se vestiram de defensores das liberdades, é outra vergonha para coleção.
Não vejo um dos que se diziam defensores das liberdades individuais, levantarem a voz contra a repressão aos caminhoneiros.
Não vejo um protesto contra o "regime de exceção” implantado contra um movimento específico.
Estes loquazes silenciosos deveriam ter a coragem de vir publicamente defenderem a aplicação da Lei dos Crimes Contra a Segurança Nacional – apontada por eles, por tanto tempo como um entulho da ditadura –, contra os caminhoneiros. Deviam ter a coragem de vir a público defenderem o regime dos generais. Não defendem o atual governo que está fazendo o mesmo? Não estão fazendo até mais do fez o general Figueiredo naquele ano de 1984?
O Brasil precisa acordar desta pesadelo vergonhoso.
Abdon Marinho é Advogado.