DITADURA É DITADURA NÃO IMPORTA SE DE DIREITA OU DE ESQUERDA.
A HISTÓRIA se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa. O pensamento do teórico do comunismo, Karl Marx, no Dezoito Brumário de Louis Bonaparte, 1852, sempre foi repetido como mantra pelos militantes e ideólogos das esquerdas nacionais.
O incrível disso é que não reconhecem quando tais situações acontecem, mesmo quando atropelados pelos fatos.
Nos últimos dias temos visto a historia se repetir na Venezuela. E, diferente do pregado por Marx, repete-se como tragédia e farsa. Com tragédia pela alto grau de miséria e violência a que estão submetidos os cidadãos, que passam fome, toda sorte de privações e que são violentamente reprimidos pelo governo autocrático e ditatorial do senhor Nicolás Maduro.
As esquerdas nacionais que, inclusive emitiram manifesto de apoio ao regime bolivariano, parece fazer questão de ignorar as mais de cem mortes só nos últimos meses no país vizinho e os milhares de prisioneiros políticos.
Uma tragédia humanitária, que ofende qualquer senso de decência dos cidadãos de bem.
Incapaz de apresentar soluções para os problemas do país, o regime bolivariano valeu-se de uma farsa.
Uma farsa escancarada através da convocação de uma constituinte, cujo o único propósito é manter o atual governo, indiferente ao sofrimento do povo venezuelano.
Numa bizarra ironia da história a comprovar que ditaduras de direita e de esquerda rezam a mesma cartilha, inventaram a chamada constituinte, inspirados no famoso plebiscito chileno de 1978, não digo pesquisaram para fazer igual – são burros demais para isso –, apenas deram vazão ao sentimento ditatorial.
Aos que têm pouca familiaridade com a história política, no final de 1977 e começo de 1978 a ditadura de Augusto Pinochet experimentava extraordinária repulsa internacional, graças a violação sistemática dos direitos humanos.
Para dizer-se merecedor do apoio popular, o ditador simulou um plebiscito que se tornou símbolo de todo seu autoritarismo e virou uma espécie de simbolismo da ilegitimidade. Durante anos ouviu-se muito a expressão: “Tão legitimo quanto o plebiscito de Pinochet”.
Para votar era necessário apenas o bilhete de identidade, já que não havia registros eleitorais. O único controle estava em cortar-se um canto e selado com certificado de fita especial.
A votação a exemplo do ocorreu agora na Venezuela, foi realizada num ambiente completamente restritivo e com Estado de Emergência e sem qualquer acompanhamento externo, sem propaganda dos opositores do regime (muitos na cadeia), com proibição de reuniões públicas.
A votação era controlada exclusivamente pelos operadores do regime.
Alguma diferença.
Mas, pior foi o texto sobre o qual os eleitores deveria colocar o Sim ou Não.
Colocarei no original, em espanhol:
"Frente a la agresión internacional desatada en contra de nuestra Patria, respaldo al Presidente Pinochet en su defensa de la dignidad de Chile, y reafirmo la legitimidad del Gobierno de la República para encabezar soberanamente el proceso de institucionalidad del país.”
Mesmo quem não tem familiaridade com a língua, percebe que o “povo"deveria se manifestar sobre uma agressão contra a pátria chilena.
Tem mais, sob o texto do plebiscito as opções: Você votava SIM marcando na bandeira do Chile e NÃO numa bandeira negra.
A própria posição dos votos levava ao resultado que interessava ao ditador.
Quem tiver curiosidade de olhar basta fazer uma rápida pesquisa nos sites de busca.
Assim como naquele tempo a consulta na sua forma e conteúdo escapavam de qualquer legalidade.
Tenho visto alguns partidos nacionais e muitas lideranças políticas brasileiras, com incomum cinismo, defenderem a constituinte engendrada pelo ditador da Venezuela. Mais que isso, sem qualquer constrangimento, defendem que essa é a constituinte mais democrática e representativa do mundo em todos os tempos.
Acredito que se a ditadura chilena fosse “de esquerda” teriam defendido o esdrúxulo plebiscito sem pensar duas vezes.
Ora, grosso modo, o que o Senhor Nicolás Maduro fez, nem o ditador Augusto Pinochet ousou fazer no plebiscito de 1978.
Uma Constituinte pressupõe a participação do povo através do princípio universal: um cidadão um voto. A tal da constituinte “madurista” ignora solenemente isso. Para começar, cerca de trinta por cento das cadeiras serão ocupadas pelas infinitas organizações sociais atreladas ao governo. Lá eles conseguiram fazer o que, por pouco não conseguem fazer aqui: aparelhar todos os movimentos sociais. Fizeram isso as custas de muitos bolívares, estes anos todos.
E aí você pensa que os outros setenta por cento os eleitores poderiam escolher livremente? Ledo engano. Pela modelo democrático imposto pelo governo, a exceção das capitais, com direito a dois representantes, os demais municípios puderam escolher um representante cada um.
Imaginem aqui no Brasil: Tanto Satubinha, no interior do Maranhão, quanto Campinas em São Paulo, uma infinitamente maior que a outra em números de eleitores, teriam um único representante.
Parece razoável que uma constituinte tenha esse nível de representatividade? Representa, efetivamente, a vontade do povo?
A desculpa do governo é que a constituinte irá pacificar o país. Na verdade, trata-se de um biombo por onde os governistas, em face à perda de apoio popular, pretendem ficar indefinidamente no poder, levando mais caos e miséria ao povo do país.
Estivem realmente preocupados em tirar o país da crise a que o levaram, poderiam convocar eleições gerais para que o povo pudessem escolher seus novos representantes e estes, com a legitimidade popular, enfrentassem o desafio de tirarem o país do caos.
O desamparo legal que alegam contra as eleições é o mesmo que justificou a convocação da constituinte.
Não dizem que tudo fazerem em nome do povo?
O mais patético (nem sei se esta é a palavra ideal) é ver os mesmos brasileiros pedindo dia e noite a saída de Temer, sob o argumento da falta de legitimidade, defenderem com unhas e dentes o que vem acontecendo no país vizinho.
Quer dizer que aqui, onde se cumpre a ordem institucional, devemos fazer eleitos imediatamente, mas na Venezuela onde a crise alcança patamares nunca vistos, não?
Mais que isso, achando perfeitamente normal um regime que mantém milhares de prisioneiros políticos e que, em menos de quatro meses, já ceifou a a vida de mais de cem cidadãos.
Ficam silentes, ignoram a repressão política, as prisões arbitrarias e os assassinatos, e quando se manifestam, como fizeram alguns partidos que integram o Fórum de São Paulo, é no sentido de apoiarem a ditadura bolivariana. Apoio amplo, total, irrestrito. É isso que sejam, também para o Brasil? Ditadura, mortes e prisões políticas?
Em meio a tantos constrangimentos que nos causam o governo braseiro, pelo menos um não termos: o Itamaraty já informou que o Brasil não reconhece aquele engodo. Menos mal.
Abdon Marinho é advogado.