SEM INSTITUIÇÕES SERÁ O CAOS.
TORNOU-SE lugar comum, dizer diante das crises em torno da política ou da economia, que tudo vai bem pois as instituições estão funcionando regularmente. Era assim.
O Brasil, depois de muito tempo, vive agora não uma crise política ou econômica, vive, sim, uma grave crise institucional que poderá desdobra-se para consequências que os mais lúcidos não desejam: uma ditadura, uma republiqueta de bananas, o império da corrupção institucionalizada ou outros males que os valha.
O que acontecerá, por exemplo, se o Senado Federal – como se desenha –, vir a dizer que a Suprema Corte não possui jurisdição sob os membros do Congresso Nacional? Ou que as decisões emanadas daquela Corte não são válidas para os seus membros? O seu colegiado Pleno decretará a prisão dos membros do Congresso? Quem irá cumprir? Como irá cumprir? As Forças Armadas se portarão ao lado de qual Poder? Ou irá tomar para si o poder?
O Supremo Tribunal Federal, por suas vez, não se sairá melhor caso resolva, ele próprio, desfazer a decisão de sua Turma. E, o fazendo, passará a ideia de que sucumbiu às pressões externas.
A quadra em que nos encontramos exige uma real preocupação sobre os rumos em que país se encontra. Infelizmente, as autoridades, pensando mais nos seus interesses pessoais que nas instituições, deixaram que as coisas chegassem a esse ponto.
Outro dia a ministra Carmen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal, chamou a atenção para algo que, de tão normal, não haveria necessidade: que as instituições são maiores que seus integrantes.
Diria mais: são maiores que a soma de todos seus integrantes.
E, sendo-as maiores que a soma de seus membros faz-se necessário o rigor na conduta dos mesmos de sorte a evitar que seus comportamentos ou interesses pessoais acabem por "contaminar" as instituições a ponto de fazer com que percam o respeito da sociedade e sua própria grandeza.
Noutras palavras, as instituições precisam de mecanismos que as tornem impermeáveis aos “ataques" externos – daqueles que as querem enfraquecer na guerra constante pelo poder –, quanto interno, provocado pela desagregação dos seus membros.
Assistimos, não sem estarrecimento, ministros criticando publicamente seus pares, incentivando o descumprimento de decisões judiciais ou o seu “desfazimento” pelo outro poder.
Estamos falando de um choque entre a mais alta Corte do País e o Senado Federal, algo impensável e muito sério que determinará os rumos da nação.
Diante de tudo isso, resta-nos a conclusão de que o Brasil encontra-se longe da normalidade institucional tão apregoada.
Em parte, essa crise se deve a mediocridade dos nossos homens públicos. Mediocridade que não se encontra restrita apenas aos políticos que elegemos. Se o fosse, seria mais fácil, ela seria vencida pela fortaleza dos outros homens públicos das demais instituições.
A mediocridade alcança magistrados – mesmos os das mais altas cortes – que se dão ao desfrute de falar mais pela imprensa do que pelos autos que julgam; que têm interesses pessoais a serem satisfeitos por outros poderes a ponto de não acharem nada demais um ministro da mais alta corte, em mangas de camisa, despedir-se de um deputado investigado com “tapinhas” nas costas ou receberem mimos de empresários; ou terem uma “renca" de parentes nomeados – mesmo em cargos de Estado – mais por influência política do que por competência profissional; ou que não se sentem constrangidos em julgarem processos patrocinados por escritórios de parentes ou em saberem da rede de influencia de seus parentes nos tribunais bondem atuam, numa troca de favores e favorecimentos que fazem corar, até mesmo, os mais notórios corruptos da nação.
Mas engana-se os que pensam que essa geleia pútrida alcança apenas os dignatários que foram eleitos ou nomeados por estes para atuarem como seus prepostos nos poderes da nação ou nos seus ministérios, nada me parece mais emblemático do caos em que vivemos do que – o ainda pouco revelado – ocorrido na Procuradoria Geral da República.
O que vimos nesta escandalosa negociação envolvendo a JBS e os irmãos Batistas, talvez os maiores corruptos do Brasil (e por isso mesmo do mundo), foi que membros do valoroso Ministério Público cederam aos encantos da corrupção, tombaram diante do dinheiro fácil, ainda, como sabido por todos – e principalmente por eles –, obtidos de formas ilícitas. E, não fossem eles próprios darem com as línguas nos dentes estariam todos usufruindo do exílio encantado em terras estrangeiras desfrutando de todos os mimos que o dinheiro usurpado do povo é capaz de proporcionar.
Quem diria que pessoas no topo de suas carreiras, iriam sucumbir aos encantos do vil metal?
Vejam, o próprio ex-procurador-geral, o homem do bambuzal de flechas certeiras, talvez, ainda tenha muito que se explicar sobre o muito que fez e a forma como fez. As suspeitas são devastadoras.
E dirão: – mas ninguém pode ser crucificado com base em suspeitas.
Mas é mais grave que isso: é impensável que um fiscal da lei, a quem a Constituição reservou um lugar de honra, seja suspeito de condutas incompatíveis com as atribuições do cargo, com auxiliares próximos negociando dos dois lados da mesa, e ele próprio sendo flagrado em “pé sujo” com o advogado dos corruptores/delatores.
Coincidência, teria dito. Vai além, alguém na sua posição deveria ter ficado acima de qualquer suspeita, de qualquer coincidência. Há mais de 2 mil anos, o imperador Romano Júlio César já dizia que a mulher de César não bastava ser honesta, mas, também, precisava parecer honesta.
Se apenas um terço do que dizem ou insinuam nos veículos de comunicação diversos tiver fundo de verdade, será algo digno de pena e de sofrimento ao povo brasileiro.
A imagem que vem a minha mente é a de um xerife, que escudado pela estrela da lei, agia, nas noites soturnas, como chefe da quadrilha.
Quem nunca assistiu a um faroeste assim?
Então ficamos assim: um Presidente da República e seus ministros mais próximos, respondendo a sua segunda denúncia como chefe de quadrilha, corrupção; O presidente da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e grande parte dos seus pares, denunciados, investigados ou torcendo para não serem lembrados; membros da cúpula do Ministério Público suspeitos de terem tombados ante à corrupção; a mais alta Corte do país, em frangalhos, com riscos, de ser diminuída pelo comportamento de seus membros.
Isso sem contar ex-presidentes, parlamentares, dirigentes partidários, investigados, denunciados, condenados, presos ou na iminência disso.
Se não temos homens públicos a altura dos desafios da nação – a ponto de um condenado por corrupção – figurar como preferido para eleger-se no pleito que vem, precisaríamos de instituições sólidas capazes de garantir a estabilidade da nação. Não é o que temos visto.
A sociedade precisa se unir em torno das suas instituições a ponto de garantir que ocupem o protagonismo a que se destinam.
Pode-se até dizer que vivemos uma normalidade institucional, sim, mas até quando?
Abdon Marinho é advogado.