O MARANHÃO DE RIMAS E GAIOLÕES.
O ARTIGO semanal do ex-presidente Sarney, publicado na edição deste fim de semana 21-22, deste outubro escaldante na ilha do Maranhão, não tem como passar despercebido.
Perfeito ao denunciar a vergonha nacional que é a manutenção de presos em condições degradantes, em gaiolões, sem água, local para fazer as necessidades básicas, sobre sol inclemente e temperatura de deserto.
Com verdade ímpar assenta que “gaiolão não rima com Maranhão”.
Como discordar deste tipo de assertiva?
Eu próprio escrevi, ainda no dia do óbito de Francisco Edinei da Silva, que tal tratamento era incompatível com os direitos básicos do cidadão, ferindo de morte os direitos humanos e ofendendo a Constituição da nação – e todos os tratados internacionais afetos ao tema.
E nem tinha conhecimento que a tal cela de castigo tinha, também, o propósito de extrair vantagens dos familiares dos aprisionados, embora tal informação careça de investigação e apuração.
O certo, entretanto, é que a tal gaiola e tantas outras, que dizem existir, são ofensivas a dignidade humana e, todo ser, com um mínimo de bom senso, deveria saber disso, quanto mais as autoridades que patinaram em explicações sem sentidos ao invés de, simplesmente, admitirem o erro e corrigi-lo.
Primeiro, na versão do delegado, a estrutura era destinada aos presos em trânsito (curto período, até ser ouvido pela autoridade policial), antes de ganhar seu destino.
A segunda versão, que seria uma “herança maldita” da gestão anterior;
A terceira versão, que seria uma “estrutura" destinada ao banho de sol dos presos, uma conquista, portanto, uma coisa muito boa – certamente as pessoas estavam muito bem tomando sol na “moleira" o dia inteiro.
Por fim, a versão sem palavras e mais significativa: a destruição da "estrutura" – comprovando que era o que se sabia desde sempre: uma odienta jaula de tortura.
Pois bem, voltemos ao artigo do ex-presidente.
Como disse inicialmente, suas considerações são corretas, entretanto padece de vícios intrínsecos ao referir-se apenas à parte da história.
Decerto que o governo comunista, do senhor Flávio Dino, tem sua parcela de culpa, afinal já caminha para fim do terceiro ano de mandato e tal (ou tais) "estrutura" estava lá sendo usada, sem desassombro e com naturalidade, pelo estado – o que é terrível para quem elegeu-se com o discurso de levar o Maranhão à modernidade.
Definitivamente, gaiolão de tortura não rima com modernidade propalada e prometida.
E, embora uma vergonha não encubra outra, o ex-presidente esqueceu de lembrar que a dita jaula (acho o nome mais apropriado) já estava lá no governo de sua filha, e já naquele governo não deveria rimar com Maranhão.
Do mesmo modo não deveria rimar os mais de mil assassinatos só na região metropolitana da capital ou com presos sendo decapitados em Pedrinhas, como era rotina no governo da senhora Roseana Sarney.
Com Maranhão, aliás, muitas coisas não rimam, nunca rimaram ou rimarão.
Não rimava – e não rima ou rimará – as condições abjetas de grande parte das residências dos maranhenses;
Não rimava – e não rima ou rimará – a falta de saneamento básico, que causam doenças e mortes;
Não rimava – e não rima ou rimará – com a rabeira nos indicadores sociais;
Não rimava – e não rima ou rimará – com o patrimonialismo;
Não rimava – e não rima ou rimará – com as ultimas posições nos ranking da educação e saúde;
Não rimava – e não rima ou rimará – com a miséria que obriga nossos trabalhadores a se venderem com mão obra escrava no resto do Brasil;
Não rimava – e não rima ou rimará – com as fortunas que são erguidas enquanto seus donos são titulares de mandatos e/ou seus apaniguados ocupam cargos de mando na administração pública;
Não rimava – e não rima ou rimará – com a concentração da renda nas mãos de uns poucos, enquanto o grosso da população vive de esmolas, públicas e privadas;
Não rimava – e não rima ou rimará – com governos de castas, autoritários, incompetentes, presunçosos e que se acham donos da verdade;
Não rimava – e não rima ou rimará – com a falta de infraestrutura básica que impede o estado de se desenvolver;
Não rimava – e não rima ou rimará – com abuso de poder e com a violação dos direitos humanos;
Mas, talvez, todos os malefícios sejam frutos de uma única rima, que não nos afasta da sina e que é o Maranhão, num acidente maldito, rimar com corrupção, ingratidão e traição.
Abdon Marinho é advogado.