A vitória já é do HAMAS.
Por Abdon C. Marinho*.
CERTAMENTE não é possível dimensionar toda a tragédia humana da atual guerra no Oriente Médio que tem como protagonistas o Estado de Israel e o grupo terrorista HAMAS, acrônimo de Harakat al-Muqāwamah al-ʾIslāmiyyah ou, na tradução aproximada, Movimento de Resistência Islâmica (fique conosco, Abdon Marinho é cultura, rsrs), entretanto, a minha avaliação é que essa guerra, já tem como vencedor o grupo terrorista.
Nos parágrafos abaixo explicarei meu posicionamento e as razões pelas quais acho que a guerra já tem um vencedor e porque esse vencedor é o HAMAS, derrotando Israel, Estados Unidos (principalmente estes) e diversos outros países.
Quando, em 07 de outubro de 2023, o grupo terrorista deu um “passa moleque” nas forças de segurança de Israel e provocou o terror cometendo todo tipo de atrocidades contra os israelenses e mesmo cidadãos de outras nacionalidades, inclusive, levando consigo mais de duas centenas de pessoas como sequestrados para posteriormente utilizá-las como moeda de troca, tinha como objetivo principal causar a reação que causou no estado israelense.
Fico perplexo quando vejo supostos especialistas afirmarem que o HAMAS quer a o fim ou a destruição do Estado de Israel na leitura da guerra atual.
Um absurdo imaginar ou colocar como ponto de discussão a premissa que um grupo terrorista com o número estimado de 20 mil integrantes seja capaz de eliminar um Estado Nacional como o de Israel que conta com o apoio “incondicional” dos Estados Unidos (falaremos disso mais à frente) e que possui as mais modernas armas de combate do mundo, sem contar o exército regular e os reservistas em números infinitamente superiores.
Chamar a atenção para o fato do grupo terrorista “querer” o fim de Israel é apenas uma bobagem, pois não seria com aquele ataque que iria conseguir isso – muito pelo contrário. Eu, por exemplo, todo final de ano “quero” acertar sozinho as dezenas da mega sena da virada, nunca consegui.
É dizer, muito embora tal assertiva conste do seu ideário ou “estatuto” não foi isso que os moveu nos ataques terroristas que deram início a atual guerra.
Não foi uma ação visando a “destruição” do Estado de Israel como muitos divulgam e até trazem para supostos debates “sérios”.
O que os moveu foi provocarem a reação que provocaram nos dirigentes israelenses. Uma reação tão violenta quanto inócua.
As forças de segurança de Israel, por mais que digam, não tem condições de eliminar o HAMAS, seus militantes, além da Faixa de Gaza, onde travam combates contra os soldados israelenses, estão espalhados por todos os países da região com seus principais dirigentes completamente a salvo em alguns deles.
Logo, o que as forças israelenses vem fazendo é exercer o “direito de vingança” contra a população palestina, majoritariamente de mulheres, crianças e idosos.
Quantos inocentes não já pereceram para cada suposto terrorista eliminado? Como um exército que se vangloria de ser um dos mais preparados do mundo pratica uma guerra de terra arrasada com a morte de milhares de pessoas sob o argumento de eliminar um ou outro membro do grupo terrorista que os atacou?
A estratégia é burra até porque os verdadeiros dirigentes do HAMAS, como dito anteriormente, estão a quilômetros de distância dos locais onde Israel despeja milhares de bombas diariamente.
Independente do ataque terrorista do HAMAS – horrendo, terrível, cruel e todas as demais adjetivações possíveis –, a reação Israelense não poderia (e não pode) ser na mesma moeda ou no mesmo formato, por uma razão que já explicamos em um texto anterior, e que o próprio Estado de Israel e seus aliados fazem questão de ressaltar: o grupo HAMAS é um grupo terrorista.
Já o Estado de Israel é um estado nacional legítimo e reconhecido por quase todos os países do mundo.
Um estado nacional legítimo – não sei porque temos que repetir isso já que é óbvio –, não pode agir como um grupo terrorista.
O HAMAS venceu a guerra quando fez Israel utilizar suas estratégias para o combate: o terrorismo indiscriminado contra civis inocentes, com o agravante de possuir um potencial de letalidade e de sofrimento infinitamente superior aos dele.
Em todas as nações do mundo as pessoas sensatas, muito embora condenem o ato terrorista do HAMAS, condenam, com muito mais veemência, a reação israelense.
Em todos os grandes centros do mundo, semanalmente, existem monumentais protestos contra as ações de Israel na Faixa de Gaza.
Ninguém consegue ficar indiferente às crateras abertas pelas bombas que são jogadas à cada minuto, à destruição de hospitais, escolas, campos de refugiados e, principalmente, a imagem de crianças trêmulas de pavor ou mortas.
O HAMAS venceu porque em todo o mundo já se discute que a Faixa de Gaza é uma prisão a céu aberto onde estão confinados mais de dois milhões de pessoas passando todo tipo de privações e sofrendo com as humilhações mais diversas.
Imaginem um europeu, que pode se deslocar por todos os países do mundo, saber que na Faixa de Gaza ou mesmo na Cisjordânia os palestinos não podem se locomoverem livremente e que até mesmo para fugir da guerra Israel tem que permitir.
O HAMAS venceu a guerra porque em todos países ou fóruns globais estão discutindo a necessidade e urgência de um estado palestino soberano e estão se debruçando para a realidade de que Israel, desde que venceu a guerra de sua criação, em 1948, e as guerras seguintes, vem, sistematicamente, avançando sobre os territórios que na partilha feita pela ONU, em 1947, caberia aos palestinos.
Muito embora condenando o ataque terrorista do HAMAS, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, em declaração recente – que causou revolta aos israelenses –, pontuou algumas verdades, dentre as quais que o (injustificável) ataque terrorista não ocorreu no vácuo; e que ao longo dos anos os palestinos veem sofrendo infinitamente com a perda de seus direitos.
Foi como se dissesse: — olha eles agiram errado ao “meter o bicho como meteram”, mas ao longo dos anos vocês provocaram tal situação.
O HAMAS já venceu a guerra contra Israel pois a sua ação terrorista por mais abominável que tenha sido (e foi) parece infinitamente (e é) menos gravosa do que vem sendo a reação israelense na Faixa de Gaza onde joga bombas incessantemente contra os civis.
Ora, o ataque terrorista matou mil e quatrocentas pessoas inocentes que se divertiam ou estavam em suas casas, os ataques de Israel, em menos de um mês, tirou mais de dez mil vidas inocentes, com a desculpa de ter eliminado um, dois, uma dúzia de terroristas.
Tem justificativa que se faça assim? Então para se tirar um cisto é correto que se mate o paciente?
As pessoas sensatas e mesmo as nações, entendem que não.
A reação de Israel ao ataque terrorista tem causado um efeito reverso, mesmo os palestinos (e outros árabes) que nunca apoiaram HAMAS passaram a apoiá-lo.
O apoio, registre-se, não é apoio ao ato terrorista, mas contra a reação Israelense, contra o morticínio de civis, contra as prisões arbitrárias, contra os deslocamentos forçados, contra as privações impostas.
Essas pessoas – se algum dia voltarem as eleições em Gaza e/ou na Cisjordânia –, votarão nos candidatos do HAMAS.
Essa é outra derrota de Israel.
O mundo assiste estarrecido a uma guerra assimétrica (ou seja onde Israel é muito mais forte) com milhões de inocentes, sobretudo, crianças sofrendo seus impactos mais devastadores.
A vitória é do HAMAS porque o apoio a campanha israelense vai reduzir-se ainda mais à medida que o sofrimento dos palestinos vai aumentando.
O próprio Joe Biden avaliando a implicação do seu “apoio incondicional”, já mandou o Secretário de Estado pedir moderação.
Ele sabe que, muito embora haja um apoio significativo ao povo judeu nos EUA, mesmo os seguimentos mais ortodoxos já vêem com preocupação os excessos cometidos. Biden sabe que, se a sua reeleição em 2024 já era uma incógnita, esse apoio incondicional a Netanyahu pode tornar a derrota nas urnas uma certeza.
O premier israelense que será catapultado do poder na hora que a guerra acabar, pode estar dando o seu último “abraço de afogado” no presidente americano.
A única solução de paz possível – que acredito possa ser aceito pelos palestinos e pela comunidade internacional –, é o estabelecimento dos dois países soberanos e independentes nos termos estabelecidos pela ONU em 1947.
Em todos os cenários, a vitória é do HAMAS.
Abdon C. Marinho é advogado, escritor e cronista.
P.S. - Após concluir o texto tomei conhecimento que um ministro israelense propôs o lançamento de uma bomba atômica contra a Faixa de Gaza por conta disso teria sido suspenso. A loucura parece-me desconhecer limites.