Equívoco do TCE constrange prefeitos.
Por Abdon C. Marinho*.
O ASSUNTO dos últimos dias nas rodas políticas da capital e, principalmente, nos rincões do Maranhão onde as campanhas eleitorais para as eleições do ano que vem já estão avançadas é um suposto desvio de recursos públicos do FUNDEB pelos gestores municipais apontado em um suposto relatório de auditoria do Tribunal de Contas do Estado - TCE/MA.
O excesso de “supostos” em um mesmo contexto será “destrinchado” ao longo do texto.
A divulgação do tal relatório supostamente apontando a existência de escolas públicas de tempo integral e uma infinidade de alunos nelas matriculados era o que faltava para incendiar de vez as eleições municipais com os pré candidatos adversários e mesmo as mais variadas milícias digitais promoverem toda sorte de ilação, acusação e exploração política.
Enquanto isso, “do lado” dos prefeitos, mesmo da parte da entidade que os representam não se viu manifestação enfática no sentido de defendê-los ou de pelo menos tentar esclarecer o que, de fato ocorria – pelo menos, eu, pessoalmente, não vi –, se houve, aceitem minhas escusas.
Foi como se dizia lá no meu sertão: em tempo de murici é cada um por si.
Sem conhecer as peculiaridades de cada caso ou do que se deu em cada um dos município, não arrisco fazer um texto defendendo-os cegamente – longe de mim colocar a minhas mãos no fogo –, mas acredito que toda essa celeuma em grande parte se deve à forma como o TCE/MA tem interpretado as normas legais que regem a política nacional de educação.
Aqui é oportuno abrirmos um parênteses, inclusive, para questionar a legitimidade da corte de contas estadual para fazer e emitir os pareceres que emitiu sobre o assunto.
Muito embora, como dizia que pai, analfabeto por parte de pai, mãe a parteira, que o “errado” é da “conta de todo mundo”, acredito que melhor teria feito o TCE se, após apurado o que apurou, ao invés de levar para a imprensa tivesse levado ao conhecimento do FNDE, do MEC, da CGU ou do Tribunal de Contas da União - TCU, que, na minha opinião, possuem mais identidade e responsabilidade sobre o assunto.
Fechado o parênteses, voltemos ao assunto que nos traz hoje aqui.
A educação é um tema que sempre me fascinou e, por dever do ofício, sobretudo nos últimos anos, tenho estudado muito sobre o ela e, também, escrito sobre os seus mais variados aspectos.
Um dos últimos textos sobre a educação, analisando os dados populacionais apresentados pelo IBGE no último censo, dizia sobre as estratégias que deveriam adotar os municípios para financiar a educação diante de um quadro em que a população brasileira não cresceu como esperado e que as despesas aumentado como nunca.
Dizia aos gestores que uma das estratégias para que conseguirem pagar as folhas de pessoal e garantirem um mínimo de investimento e melhoria na educação pública era apostar nas atividades complementares, que representam cerca de trinta por cento de incremento nas receitas públicas e/ou na educação de tempo integral que representa cem por cento de incremento na receita do FUNDEB.
Ora, a maioria dos municípios brasileiros, sobretudo, maranhenses, a receita do FUNDEB mal é suficiente para o pagamento das despesas com pessoal, sendo que a própria Constituição Federal impõe um gasto mínimo de setenta por cento das receitas com tal rubrica.
Dizia mais, que o segredo para o incremento legal das receitas da educação pública era o aumento do número de alunos em atividades complementares devidamente informadas ao MEC através dos censos escolares, como precursoras da educação básica integral que é o grande desafio da educação brasileira.
O que já cansei de assistir são municípios investirem em diversas atividades que poderiam ser enquadradas como atividade complementar e não informarem ao censo escolar, tais como, esportes, artes, músicas, reforços, etc., e com isso perderem recursos.
Não digo com isso que o oposto também não ocorra, a discussão não é essa.
Os municípios não só podem como devem informar atividades complementares e, claro, executarem tais atividades sem estarem fazendo nada de errado, muito pelo contrário, ao informarem no censo tais atividades e as executarem, além de estarem fazendo um bem enorme a essas crianças ainda estão trazendo mais recursos para os municípios e remunerando melhor os profissionais do setor.
Para que os municípios executem atividades complementares e façam jus ao incremento de suas receitas, o que é recomendado, não é necessário possuir escola de tempo integral, basta que o aluno retorne no contraturno por mais três horas para as outras atividades que podem ser a escolinha de futebol, de artes, de música, reforço escolar, línguas, etc.
Acredito que o TCE tenha se equivocado ao confundir inscrição de alunos em atividades complementares com alunos matriculados em escolas de tempo integral, estas ainda quase inexistentes no Brasil.
Pela planilha do relatório do TCE pude perceber que a maioria do incremento se refere a alunos inscritos em atividades complementares e não em escolas integrais, tanto o acréscimo de receita tem sido de trinta por cento.
Milita, ainda, contra o equívoco cometido pelo TCE ao “misturar” atividade complementar com ensino integral a edição da lei 14.640, de 31 de julho de 2023, que instituiu o programa de escola em tempo integral.
Essa lei, praticamente, sobrepôs o que muitos municípios já vinham fazendo como atividades complementares com a definição de ensino integral, senão vejamos:
“Art. 3º A União é autorizada a transferir os recursos aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para fomentar a criação de matrículas na educação básica em tempo integral, conforme disponibilidade orçamentária.
§ 1º Para os fins do disposto nesta Lei, consideram-se matrículas em tempo integral aquelas em que o estudante permanece na escola ou em atividades escolares por tempo igual ou superior a 7 (sete) horas diárias ou a 35 (trinta e cinco) horas semanais, em 2 (dois) turnos, desde que não haja sobreposição entre os turnos, durante todo o período letivo”.
Veja que a lei considera matrícula em tempo integral aquelas que o estudante permanece na escola ou em “atividades escolares” por um tempo igual ou superior a 7 (sete) horas diárias ou a 35 (trinta e cinco) horas semanais, em dois turnos.
Ora, é perfeitamente compreensível que os municípios ante a perspectiva de já acessarem os recursos a que fariam jus no próximo com a informação ao censo escolar por atividades complementares que já vinham executando, à luz do mandamento legal tenham informado ensino integral para acessarem neste exercício.
A lei não os obrigam a terem escolas em tempo integral para que informem matrículas em tempo integral, basta colocar os alunos em “atividade escolar”. Essa atividade pode ser no campo, na quadra de esportes, nas aulas de artes, de música, de língua estrangeira, etc. tenho, dúvidas (mas vou aprofundar) se não contariam atividades escolares à distância.
Essa sutileza, talvez, tenha passado desapercebida.
Entendo, sem fazer a defesa “cega” de ninguém, que o TCE pode não ter dado a interpretação mais correta a legislação sobre o tema e com isso causado sérios prejuízos à imagem dos gestores municipais às vésperas das eleições e com muitos buscando a renovação de seus mandatos.
Entendo, ainda, que a FAMEM, mesmo sem “meter a mão no fogo” por seus filiados poderia/deveria ter um comportamento mais assertivo nesse episódio.
Acredito que nos próximos dias, conforme os desdobramentos, voltaremos a esse assunto.
Abdon C.Marinho é advogado, escritor, cronista.