DOM SABINO E OS HOMENS QUE NÃO SE VEXAM.
Por Abdon Marinho.
VEZ OU OUTRA assisto um pedaço da novela das “sete” – não assisto mais por coincidir com um noticiário que aprecio.
O atual folhetim global gira em torno de uma família paulistana que ficou congelada por 132 anos, tendo sido despertada somente agora, em 2018.
Até onde vi, nos primeiros dias, como não poderia deixar de ser, o choque cultural se fez sentir em toda sua inteireza – para o bem e para o mal.
O nobre D. Sabino, patriarca da família, educado na fidalguia do Segundo Império, pelo menos nos primeiros dias da trama, foi o que mais estranhou nossos modos (ou a falta deles) e, com a mais arguta das vistas, tem feito as mais pertinentes críticas. Tanto assim que, outro dia, foi destaque numa publicação da mais renomada revista nacional, tal o preciosismo de suas colocações.
Com efeito vivemos dias estranhos com mentiras vestindo as vestes da verdade passando como se verdade fossem enquanto a própria verdade nua e crua vai sendo repelida pelas conveniências de cada um.
Às vezes, mesmo eu, acostumado com tantos desatinos chego a estranhar com a falta de constragimentos das pessoas, principalmente autoridades que, pelo menos em tese, deveriam portar-se com veracidade, já que possuem a fé pública. Nada disso. Estas mesmas que agem com a mais desassombrada falta de vergonha.
Vejamos um breve exemplo do que falo.
Logo no início deste setembro foi divulgado o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB.
Os números, reconhecidos pelo próprio ministro da educação eram catastróficos davam conta que nenhuma unidade da federação conseguira cumprir a meta – que já era modesta –, e que apenas 5% (cinco por cento) dos estudantes do ensino médio apresentavam nível adequado de conhecimento e, pasmem, apenas 1,7% (um vírgula sete por cento) do mesmo grupo, o nível adequado em leitura e interpretação de textos.
Como observei em um texto anterior – No Fracasso da Educação Ninguém Merece Absolvição –, com números assim, de tal forma acachapantes e humilhantes, mágica alguma seria capaz de extrair qualquer coisa de positivo.
A despeito disso, da gravidade de tal situação – estudos revelam que para alcançarmos os países de primeiro mundo levaremos mais setenta anos em relação à matemática e, bem mais duzentos anos no que se refere à leitura e interpretação de textos –, as autoridades maranhenses “quebraram” as redes sociais “vendendo” o sucesso da nossa educação. Manchetes com letras garrafais foram usadas, artigos foram encomendados e escritos, alguns por xerimbabos que não se ocuparam de examinar os números mais amiúde e sem o discernimento do quão grave é a situação que nos encontramos.
Tal qual D. Sabino, fiquei sem entender o que festejavam tanto.
Seria o fato de não ter atingido a meta já tão modesta? Seria o fato de termos uma educação tão ruim?
Ora, se já se sabia que ninguém, nenhuma unidade federada atingira meta, o pudor recomendaria consternação, quando muito, um pouco de cautela ou comiseração.
Noutros tempos, recomendaria, um pedido de desculpas das autoridades, por não termos alcançado as metas estabelecidas, juntamente com uma prestação de contas e a promessa de que haveria um maior esforço, daí para frente, no sentido de se reparar o ocorrido.
Nada disso se viu. Comemorou-se a meta “não alcançada”, a começar por sua excelência, o governador, como se a educação maranhense acabasse de ser laureada com algum prêmio Nobel.
Não tivesse, eu próprio testemunhado e alguém me contasse tamanho desatino, pensaria que estivesse de troça com minha pessoa.
Mas tudo isso aconteceu e muito mais. Praticamente uma semana depois da divulgação do índice e do festejo das nossas autoridades, uma pesquisa mais aprofundada dos números efetuada pelo jornal “O Estado de São Paulo”, constatou que o Maranhão, infelizmente, não só não avançou, como ainda apresentou, em alguns indicadores, um breve retrocesso em relação à aferição anterior realizada em 2015 – que pelo calendário da prova até deveria ser creditada ao governo anterior.
Pois bem, quase uma semana depois da divulgação da análise do dados pelo jornal paulista, nenhuma autoridade apareceu para contestar o que foi dito.
Assim como ninguém apareceu, mais uma vez, com um pedido de desculpas, uma justificação aceitável.
Vão deixando o dito pelo não dito, como se a patuleia, pagadora de impostos, fosse indigna de qualquer consideração ou explicação e mesmo um pedido de desculpas.
Como se não bastasse o “festejo do fracasso”, algo inédito, ao menos para mim, fizeram-nos acreditar que havíamos avançado alguma coisa, confrontados com a realidade de retrocesso, ainda assim, quedam-se inertes, sem oferecer qualquer explicação aos cidadãos.
Pior que esta sucessão de desatinos, só mesmo se ficar comprovado que fizeram tudo de “caso pensado”, na intenção de enganar a população, apostando no desleixo da mesma no exame das estatísticas divulgadas.
O nobre D. Sabino, educado noutros princípios, no tempo em que a palavra dada tinha força de lei e que ninguém jamais ousaria colocar dúvidas sobre o que fora dito, certamente ficaria escandalizado com a falta de constrangimentos das autoridades quando o que dizem entra em frontal choque com a verdade. Decerto, diria: — bela evolução de esta.
Certa vez, há muito tempo, um professor me disse ficar chocado com a incapacidade dos cidadãos de hoje corarem diante de situações embaraçosas como a de ser apanhado em falta com a verdade.
A D. Sabino (personagem de ficção) e a este mestre (bem real), devo dizer-lhes que partilho destas mesmas inquietações.
Abdon Marinho é advogado.