A DEMOCRACIA DE CRISTAL E A INDIGNAÇÃO SELETIVA.
Por Abdon Marinho.
OS MEIOS de comunicação, políticos de vários matizes e mesmos ministros do STF têm destacado com excessiva ênfase uma fala do filho do presidenciável e deputado federal Eduardo Bolsonaro.
Pelo que “pesquei” na mídia, este cidadão, em um ambiente fechado, teria dito que “para fechar o Supremo bastaria um soldado é um cabo”. Isso ou algo bem semelhante.
A declaração fora feita a cerca de quatro meses e teria sido publicizada pelo próprio falastrão naquela época.
Em matéria de falar sandices a família Bolsonaro, pelo que conhecemos, tem sido insuperável. As boçalidades proferidas pelo patriarca da família nestes últimos trinta anos em que os contribuintes o sustenta, são suficientes para preencher inúmeras folhas de papel, quiçá uma floresta inteira.
Os filhos são a prova viva do dito popular de que “os que saem aos seus não degeneram”.
Em que pese ter feito a colocação em um ambiente fechado (embora tenha publicizado), as palavras do deputado não ficam bem. Em tempos de democracia chega a ser uma ofensa a merecer severa censura das instituições.
Mas, a César o que é de César, ensinou-nos Jesus Cristo.
As palavras acintosas do deputado não são muito diferentes daquelas ditas pelo ex-presidente Lula em conversa telefônica com a hoje, também, ex-presidente Dilma Rousseff, quando disse que a “suprema Corte estava acovardada”. Tudo bem – dirão –, tratou-se de uma conversa telefônica de um ex-presidente com a então presidente, que fora tornada pública indevidamente.
Apesar disso não se ouviu, ainda que através de bastidores, nenhuma reclamação quanto aquelas palavras.
Em tempos mais recentes, o ex-candidato Ciro Gomes, vestido de “o gatilho mais rápido do Nordeste”, disse que receberia a Polícia Federal e o juiz Sérgio Moro à bala, caso fosse expedida alguma ordem judicial restritiva de sua liberdade.
Ninguém achou que nada tinha demais em suas palavras.
O mesmo ex-candidato disse, ainda, noutra ocasião, que eleito presidente (toc, toc, toc, na madeira) iria colocar a Polícia Federal, o Ministério Público e, até mesmo, todo o Poder Judiciário dentro de suas “caixinhas”.
Novamente ninguém protestou, ninguém disse tratar-se de uma ofensa às instituições.
Do mesmo modo não se ouviu protestos quando o deputado federal, pelo Partido dos Trabalhadores - PT, Wadih Damous, falou em fechar o Supremo.
Mais uma vez “passou batido”.
Assim como passaram batidas as recentes declarações do senhor José Dirceu, condenado a mais trinta anos – e que se encontra solto por causa da excessiva generosidade, para não dizer leniência, do próprio supremo –, de que o papel do STF e do Ministério Público precisam serem tolhidos e falou “tomar o poder”.
Fazendo questão de deixar claro que não estava falando em ganhar eleições, mas sim tomar o poder, talvez nos moldes em que “tomaram o poder” na Venezuela ou em Cuba.
Pois é, ninguém disse nada.
Ninguém, também, estranhou o fato de um candidato à presidência da República, ter como compromisso inafastável, receber “instruções” de um condenado por corrupção a mais de doze anos, que se encontra cumprindo pena numa das celas da Polícia Federal, em Curitiba, Paraná. Fez isso até que o próprio presidiário o dispensou das visitas semanais.
Esse mesmo candidato prometeu, caso fosse eleito, subir a rampa do Palácio do Planalto, de mãos dadas com o mesmo presidiário.
Novamente ninguém estranhou ou achou afrontoso tal comportamento à autoridade do Poder Judiciário.
Vou além, quem se deu ao trabalho de ler a proposta de governo do candidato petista deve ter percebido que a mesma estava recheada de iniciativas, cuja finalidades era reduzir (ou aniquilar) os demais poderes, partindo da lógica de que só possui legitimidade o poder emanado do voto popular.
Mesmo a proposta de uma nova Assembléia Nacional Constituinte tem por finalidade essa ruptura com a ordem vigente.
E, mais uma vez ninguém achou que deveria protestar ou mesmo questionar a proposta ou saber, de fato, do que se tratava.
Entendo que não podemos, em hipótese alguma, deixar de repreender ou de rebater com veemência estas ideias, ainda que acobertadas pelo mando da liberdade de expressão ou das imunidades parlamentares.
Por outro lado, não vejo razão para tamanho alarido, sobretudo, de parte das autoridades, diante da colocação destemperada do deputado Bolsonaro. Ele e o seu grupo politico, talvez seja quem menos oferece qualquer risco à segurança da nossa democracia.
Diferente do pensam todos – ou grande parte dos que protestaram, até mesmo de dentro do STF –, não enxergo essa fragilidade toda na democracia brasileira a ponto de suas instituições não se mostrarem capazes de conter “arroubos” ou as incontinências verbais de quem quer que seja.
A democracia brasileira não é de cristal.
Desde a redemocratização do país, e já se vão mais de trinta anos, temos enfrentado uma crise atrás da outra, com a instituições respondendo muito bem a elas.
Responderam bem a crise de legitimidade logo no inicio do governo Sarney, a hiperinflação, ao confisco da poupança do governo Collor e ao seu impeachment, aos escândalos do governo FHC, ao mensalão do PT, estratégia pela qual o governo Lula, para se manter comprou apoios no Congresso Nacional, ao petrolão e aos desdobramentos da Operação Lava Jato, aos protestos nas ruas, em 2013, ao impeachment da Dilma Rousseff em 2016 e as infindáveis denúncias de corrupção envolvendo o governo Temer.
Em todos estes anos, com tantas crises em curso, o país nunca deixou de cumprir o calendário eleitoral previamente ajustado, empossar os eleitos ou impediu que os eleitos exercessem livremente os mandatos conferidos pelo povo.
Então, porque uma declaração boçal, é verdade, mas como tantas outras, seria capaz de macular nossa democracia? Por que a eleição de um ou outro candidato seria capaz de romper a ordem institucional que vemos mantendo apesar de tudo que ocorreu no Brasil nas últimas três décadas?
O Brasil e suas instituições têm se mostrado bem maiores que seus integrantes.
É assim que tem que ser, os cidadãos elegerão o próximo presidente da República não porque confiam neste ou naquele individualmente, mas porque confiam nas instituições e na democracia que temos construído estes anos todos.
Acreditar – e propagar –, que a democracia está em risco por uma ou outra colocação infeliz de quem quer que seja é desconhecer ou ignorar tudo que já fomos capazes de superar nos últimos tempos.
Um país capaz de se submeter ao voto popular de mais de cem milhões de cidadãos regulamente, a cada dois anos, não pode ser considerado uma republiqueta de bananas, que quaisquer palavras fora do tom, possa colocar em risco a democracia e suas instituições.
Acreditar nisso é, verdadeiramente, insultar a democracia brasileira.
Abdon Marinho é advogado.