TRÉGUA PARA O BRASIL.
Por Abdon Marinho.
NA SEGUNDA metade da década de oitenta o antigo líder comunista Luís Carlos Prestes (1898 - 1990), esteve no Maranhão. Foi uma programação organizada pela médica e ativista comunista Maria Aragão (1910 - 1991) e pelo então vereador Aldionor Salgado (1954 - 2014).
Extinto em 1990, acredito que aquela tenha sido a última vez que o Cavaleiro da Esperança no Maranhão.
A principal reunião da visita ocorreu no auditório da Biblioteca Benedito Leite, na Praça Deodoro. Para os que não conhecem o auditório, ele, apesar de pequeno, é muito bonito e aconchegante, talvez por ficar sob a cúpula do prédio.
Feitas as apresentações iniciais, abriu-se para as perguntas da plateia ao convidado. Lembro que eu, ainda um adolescente afoito, fiz a primeira pergunta a Prestes. Pergunte-lhe sobre o fato de ter ido ao comício em apoio à Getúlio Vargas, em 1945, ao sair da prisão.
Prestes respondeu, com a voz já cansada pelos anos e também pela viagem, que naquele momento era importante colocar as diferenças de lado pelo bem do Brasil. Algo mais ou menos neste sentido.
(Qualquer dia procurarei a Fundação Maria Aragão em busca daquele registro. Como dito anteriormente, não demorou muito tempo Prestes morreu e no ano seguinte Maria Aragão).
Todos que não nos intrigamos com os livros de história sabemos o quão conturbado foi a relação de Prestes com Vargas: o fracasso da Intentona Comunista, sua prisão e de sua companheira, Olga Benário, a entrega de Olga aos nazistas, apesar de grávida, pelo governo brasileiro; o nascimento da filha de Prestes e Olga, na prisão, na Alemanha, a morte de Olga pelos nazistas, etc.
Apesar de tudo isso, com a voz mansa, Prestes nos dizia naquela noite que era preciso pensar no Brasil e contra um mal maior.
Não se trata aqui de revolvermos fatos quase centenários, as razões de cada um, a conjuntura histórica, etc.
A razão de fazermos tal registro é para que tenhamos a certeza do quanto o Brasil piorou em termos de quadros políticos. A impressão que temos é que ninguém está “nem aí para o Brasil”, para as dificuldades do povo.
Desde a redemocratização do país não me recordo da democracia brasileira encontrar-se tão fragilizada. Estamos à beira de um abismo institucional e com uma sociedade extremamente dividida.
Os poderes da República que devem (ou deveriam) garantir a ordem institucional nunca, em toda a história republicana, estiveram tão mal representados, com uma grande parcela da sociedade não lhes reconhecendo ou respeitando.
Bem pior que termos chefes de poderes institucionais frágeis ou despreparados é termos uma oposição apostando no “quanto pior, melhor” e demonstrando um total descompromisso com o país.
Desde o início do atual governo, legitimamente eleito – e não é porque não votamos nele que não vamos reconhecer isso –, que a oposição lançou-se numa campanha sem tréguas contra ele, fustigando, sabotando, obstruindo, etc.
Enquanto isso, na outra ponta, cobra resultados.
Outro dia, conforme testemunhamos, chamaram uma greve geral de cunho eminentemente político.
Desde a redemocratização do país, em 1985, tivemos greves gerais nos governos Sarney, Collor e FHC. Nenhuma nos governos de Lula e Dilma.
Acompanhei todas. Não vi um único movimento paredista ser chamado contra o governo com menos de um ano de gestão.
O governo Sarney, que padecia sob questionamentos de legitimidade – eleição através de Colégio Eleitoral, substituição às pressas na véspera da posse devido a enfermidade e depois morte de Tancredo Neves –, apesar da crise, do desemprego, da inflação, das notícias de corrupção, só foi enfrentar sua primeira greve geral em 1986.
Com o governo Collor, que ao assumir confiscou a poupança dos brasileiros, já apresentava indícios de corrupção desde o início, só foi enfrentar sua primeira greve geral em 1991.
Com FHC, eleito em 1994 na esteira da estabilidade econômica decorrente do Plano Real, a primeira greve geral só ocorreu em 1996.
Como já registramos os governos petistas não ocorreram greves gerais convocadas pela representação dos trabalhadores muito embora os escândalos se sucedessem, como foi o do “Mensalão”, que estourou no governo Lula e o do “Petrolão”, no governo Dilma.
Além dos escândalos de corrupção, só superados por eles mesmos – até hoje não se tem a real dimensão do roubo dos recursos públicos por agentes do governo e privados –, tivemos cortes significativos na saúde, na educação, e em outras áreas, sem contar o início da quebradeira econômica e o desemprego a níveis nunca dantes vistos.
O atual governo, além dos protestos diversos desde a posse, já teve contra si uma greve geral – que ocorreu no último 14 de junho –, com menos de seis meses de governo.
A greve geral é um instrumento de luta legítimo, mas convocada, como foi e pelos motivos apresentados, revelou-se apenas peça de um embate meramente político.
Pelo que li, a greve geral voltou-se contra o projeto de reforma da previdência e contra o desemprego.
Ora, a reforma da previdência social é um consenso, qualquer um sabe que há uma necessidade – mais que urgente –, de se fazer uma reforma que a torne sustentável nos próximos anos.
Os que são contra que diga os pontos que discordam ou apresente um projeto para discussão que represente a economia para os cofres públicos esperados pelo governo.
O outro ponto que motivou a greve geral foi o desemprego. Mas o desemprego que aí está não foi gerado pelo atual governo.
Gostando dele ou não, é desonesto colocar na conta do atual governo os 13 milhões de desempregados que existem no país.
Quantos milhões de desempregados o atual governo gerou? Quantos milhões os governos anteriores geraram? Quem estava no poder quantos os milhões de brasileiros perderam seus empregos? O que fizeram as representações dos trabalhadores e dos partidos que chamaram a última greve?
Feitas estas considerações, quer me parecer que a oposição, por seus vários braços, não demonstra uma efetiva preocupação com os destinos do país, mas sim, que aposta num clima de caos e instabilidade como estratégia para retornar ao poder ou mesmo apostando que algo pior venha a acontecer.
O quadro político revela-se deveras instável, pois não bastasse um governo que se revela despreparado – com inúmeras pautas controversas que dividem o país –, temos no comando das instituições pessoas, como dito anteriormente, que não possuem autoridade real.
Vejam se me faço entender, todas essas pessoas, na chefia do executivo, legislativo e do judiciário, são detentoras de legitimidade, foram eleitas ou chegaram a onde estão por meios legítimos, entretanto – o tempo vem mostrando –, não possuem a autoridade necessária em torno da qual o conjunto da sociedade possa se sentir segura.
Piora este quadro termos uma oposição agindo com irresponsabilidade e oportunismo.
É a receita do fracasso do país como nação.
A população sabe disso. Assim, como soube em 1985, e recusou o extremismo dos que não queriam uma transição pacífica de regime.
A última greve geral mostrou que a solução extremista da oposição se revelou equivocada, tanto que pela primeira vez na história do país se viu um presidente ser aplaudido em um estádio de futebol no dia de uma greve geral.
Isso mostra que falta legitimidade as representações dos trabalhadores e das forças de oposição.
Qualquer um com mais de dois neurônios em funcionamento consegue imaginar o que pode acontecer quando se tem representações institucionais com autoridade questionada e oposição sem legitimidade.
Outro cavalar equívoco da oposição é este “ataque” ao ministro e ex-juiz Sérgio Moro.
A menos que apareça o áudio dele com os procuradores, ou com quaisquer outros, combinando “roubar o dinheiro do contribuinte” ou “matar a mãe”, a população vai ficar do seu lado. E quanto mais fizerem contra ele mais vai aumentar seu apoio popular.
A população sabe que não é ilegítimo alguém fazer críticas ao ex-juiz – existem algumas pessoas, alguns juristas, com esse direito pois sempre criticaram a condução da Operação Lava Jato –, o que não acha legítimo é que estas críticas partam daqueles que hoje estão na oposição.
Ora, qualquer um sabe que estes críticos não fazem “cavalo de batalha” contra o ex-juiz, por este ter, supostamente, mantido contatos “indevidos” com procuradores, por amor ao direito ou à Justiça.
Se assim fosse, não apoiariam os regimes totalitários de Cuba e da Venezuela que simplesmente “aboliram” a noção de separação de poderes, e tanto o ministério público quanto o judiciário existem apenas para chancelar os atos de arbítrios daquelas ditaduras.
Se assim fosse não apoiariam o governo norte-coreano, que de tão esdrúxulo o regime, sequer sabemos como qualificar.
São estas pessoas, com este histórico de “amor ao direito”, a “justiça” e a “democracia” que, com base em supostos diálogos, obtidos de forma clandestina por um site estrangeiro, questionam a Operação Lava Jato, os procuradores da República e o ex-juiz Moro?
Diferente do que pensam alguns fanáticos militantes, a corrupção, mesmo que seja endêmica, precisa ser combatida com vigor, e os corruptos e corruptores, processados, julgados e presos.
A percepção da sociedade é que é a corrupção – e não o combate à ela –, a responsável pelos infortúnios do nosso país.
O que passou para a sociedade que assistiu a aquela sessão da Comissão de Constituição e Justiça do Senado é que muitos que estavam ali fazendo perguntas ao ex-juiz, ao invés de inquiri-lo, por suas vidas pregressas, deveriam estarem presos.
E cada um do povo conhece bem seus representantes.
Embora não verbalizem de forma cabal – por covardia –, o que querem os integrantes da oposição, ao arranjarem pretextos e atacarem o ex-juiz Sérgio Moro, é a anulação de todos os processos da Operação Lava Jato, a soltura de todos os presos e a devolução dos bilhões de reais roubados dos cofres públicos aos ladrões – se possível com o pagamento de polpuda indenização aos mesmos.
Essa é a proposta – não verbalizada –, que se encontra como objetivo final da oposição.
Essa é a proposta que a sociedade rejeita.
Mais uma vez, como foi em 1964, quando apostaram no radicalismo que levou a ruptura institucional; 1979, quando se colocaram contra a anistia geral ampla e irrestrita, que iniciou a pacificação do país; 1985, quando pretenderam a ruptura contra o colégio eleitoral e a eleição de Tancredo Neves; 1993, quando se colocaram contra o Plano Real, que devolveu a estabilidade econômica ao país; e 2013 quando se colocaram contrárias as manifestações populares contra a corrupção, a oposição, ao insistir em acabar com a Operação Lava Jato, devolver a liberdade e os bilhões roubados aos seus ladrões, caminhará em sentido contrário ao sentimento da população.
Ao perseguir, mais uma vez, a instabilidade, poderá nos trazer coisas bem piores.
O Brasil precisa de uma trégua. Antes de tudo, como disse Prestes naquela oportunidade, é preciso pensar no Brasil.
Abdon Marinho é advogado.