PARTIDOS: A QUESTÃO DA FIDELIDADE.
Por Abdon Marinho.
UM ASSUNTO tem chamado minha atenção ultimamente. Falo dos debates em torno das mudanças de parlamentares dos partidos pelos quais foram eleitos para outros, num xadrez que obedece unicamente à lógica dos interesses pessoais.
De longe, a maior confusão deu-se – e ainda perdurará por muito tempo –, dentro do partido do presidente, o PSL, entre os aliados do próprio, leia-se, familiares, e o grupo do presidente do partido, senhor Bivar, pelo comando da agremiação – e dos milhões amealhados pela fartura de deputados, tanto no fundo partidário quanto no fundo eleitoral. Trataremos desta farra com o dinheiro do contribuinte noutra oportunidade.
Derrotados na batalha pelo comando do partido o grupo que segue o comando do presidente da República, com ele à frente, anunciaram a criação de um novo partido.
O presidente, inclusive, já anunciou sua desfiliação partidária (a nona, se não me falha a memória, na sua carreira política), os deputados aguardam os procedimentos para criação do partido para poderem sair sem o risco de perderem os mandatos.
Por estas plagas, o frenesi partidário também se faz presente, sobretudo, tendo em vista as eleições de 2020, com alguns deputados estaduais, e federais, anunciando mudanças de legenda e alguns exibindo umas tais “cartas de anuência” como se fossem “cartas de alforria”, de triste memória. Trataremos, também, deste assunto.
Até 2007 o troca-troca partidário ocorria sem qualquer critério. Mudava-se de partido como se trocava de roupa.
Foi a partir dos julgamentos dos Mandados de Segurança nº 26.602, 26.603 e 26.604, pelo Supremo Tribunal Federal - STF, reconhecendo que os mandatos pertecem aos partidos políticos que as coisas começaram a mudar.
Em outubro de 2007, o Tribunal Superior Eleitoral - TSE, na esteira dos julgados do do Supremo Tribunal Federal - STF, editou a Resolução TSE nº. 22.610, disciplinando o processo de perda de cargo eletivo, bem como de justificação de desfiliação partidária.
A resolução referida encontra-se vigente.
A partir de 2015, através da Lei nº. 13.165/2015, foi acrescido o artigo 22-A, a Lei nº. 9096/1995, conhecida como a Lei Orgânica dos Partidos Políticos, estabelecendo:
Art. 22-A. Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito.
Parágrafo único. Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as seguintes hipóteses:
I - mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;
II - grave discriminação política pessoal; e
III - mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente.
Cabe asseverar que para permitir a mudança de partido através da chamada “ janela” foi promulgada a Emenda Constitucional nº. 91, de 18 de fevereiro de 2016, para aquelas eleições, facultando a qualquer detentor de mandato eletivo, no prazo que estabelecia, mudar de partido:
“Art. 1º É facultado ao detentor de mandato eletivo desligar-se do partido pelo qual foi eleito nos trinta dias seguintes à promulgação desta Emenda Constitucional, sem prejuízo do mandato, não sendo essa desfiliação considerada para fins de distribuição dos recursos do Fundo Partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e televisão”.
Como podemos verificar a emenda acima permitiu a qualquer um que mudasse de partido, tânatos para aquela eleição, como para quaisquer outras ou, simplesmente, para desobrigar o detentor de mandato do compromisso partidário, mas deixando claro o prazo para essa mudança.
Outra hipótese de mudança partidária, de caráter constitucional, foi trazida pela Emenda Constitucional nº. 97, de 04 de outubro de 2017, voltada para os detentores de mandatos eleitos por partidos que não cumpriram a chamada cláusula de barreira: “§ 5º Ao eleito por partido que não preencher os requisitos previstos no § 3º deste artigo é assegurado o mandato e facultada a filiação, sem perda do mandato, a outro partido que os tenha atingido, não sendo essa filiação considerada para fins de distribuição dos recursos do fundo partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e de televisão." (Art. 17, da CF).
Com tais considerações, acredito que exista um óbice quase que intransponível aos aliados do presidente para que mudem do partido pelo qual foram eleitos sem que provem quaisquer dos motivos estabelecidos no rol taxativo do artigo 22-A, da Lei 9096/95, sem que tenham de aguardar a abertura da “janela”, o que, para os deputados federais, só acontecerá em março de 2022, vez que não preenchem os requisitos do §5°, do artigo 17 da CF.
Ao meu sentir, embora a Resolução TSE 22.610 permaneça vigente, o rol a considerar como justa causa para a desfiliação partidária foi alterado pela lei que é norma de hierarquia superior, ou seja, deixou de existir aquela permissão para filiação em partido novo.
É dizer, o partido, dos sonhos presidenciais, ou qualquer outro, pode ser formado e contar com filiados detentores de mandatos eletivos majoritários, mas, em relação aos detentores de mandatos proporcionais, deverá aguardar a abertura das “janelas” previstas na lei, vereadores, março de 2020; e, deputados estaduais e federais, a janela de março de 2022.
Noutro giro, entendo que diante de um rol tão fechado, coibindo as mudanças partidárias, pouca ou nenhuma valia têm as ditas “cartas de anuência”, expedidas ao alvedrio ou por conveniência das direções partidárias locais.
Ora, a lei e até mesmo a Constituição Federal são claras ao estabelecer as hipóteses a possibilitar a desfiliação partidária aos detentores de mandatos eletivos proporcionais, não constando em tais legislações a hipótese do partido, dos seus órgãos diretivos, menos ainda, o presidente da agremiação de permitir a mudança partidária.
Embora esteja consignado que mandato pertence ao partido, tais regras servem como proteção ao cidadão/eleitor. Noutras palavras, o eleitor ao votar no candidato também o faz por considerar que o mesmo vai defender os princípios partidários, tanto assim, que vota antes no partido, e, posteriormente, no candidato.
Ao meu sentir, repito, não faria sentido que o legislador impusesse tantas restrições à mudança partidária por parte dos detentores de mandatos eletivos e deixasse nas “mãos” dos dirigentes partidários o poder para decidir quem fica e quem sai. Com base no quê?
Assim, entendo legítimo, que mesmo o partido, por suas direções, equivocadamente, “liberem” este ou aquele detentor de mandato, ao seu alvedrio, por conveniência ou por quais outros incofessáveis motivos, aos suplentes, com interesse, e ao Ministério Público Eleitoral, cabe que pleiteiem, junto à Justiça Eleitoral, nos termos da Resolução TSE 22.610, a perda do mandato do político desertor.
Vou além, ao Ministério Público, na função de fiscal da lei, cabe ficar atendo à possíveis tentativas de burla à legislação, prevenindo que escudados nos permissivos estabelecidos no artigo 17 da Constituição Federal – § 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária –, os dirigentes partidários “fraudem” a vontade dos cidadãos/eleitores.
Noutras palavras, embora nos termos acima, os partidos possuam ampla autonomia, o destinatário derradeiro das normas legais e constitucionais é o cidadão, é a sociedade. Para isso, compete às instituições a vigilância efetiva para garantir o seu cumprimento no interesse da sociedade.
Mas este é um assunto, ainda, a demandar muitas indagações. Certamente voltaremos a ele.
Abdon Marinho é advogado.