MAL EDUCADOS, MISERÁVEIS E SEM FUTURO.
Por Abdon Marinho.
A ESCOLINHA do povoado onde nasci há mais de cinquenta anos era uma “latadinha” com meias paredes de barro, exceto no fundo onde ficava o quadro negro, chão batido, com uma cancela por onde todos entravam.
Não cheguei a estudar nela, quando estava com oito para nove anos fui “desterrado” para a sede do município onde iniciei os estudos na Unidade Escolar Aldenora Belo, em Governador Archer; depois, prossegui os estudos na Unidade Escolar Castelo Branco, até a quarta série e, da quinta a oitava, na Unidade Bandeirantes, que funcionava no mesmo prédio, em Gonçalves Dias,
Quando vim para a capital, para cursar o segundo grau no Liceu Maranhense, “estranhei” o nível de conhecimento dos meus colegas em relação ao meu que era muito inferior – e eu era um um dos melhores alunos dos colégios por onde passei e, desde sempre, gostava muito de ler.
Com o passar dos meses fui percebendo que o mesmo estranhamento que sentia em relação aos meus colegas de Liceu era compatível com o descompasso entre o que estes sabiam com o conhecimento dos alunos das escolas privadas.
Ao longo dos anos – e qualquer um sabe disso –, temos assistido, continuamente, ao enfraquecimento do ensino como um todo e do ensino público em particular.
E, ao invés dos governantes procurarem aprimorar a educação na base e cobrar resultados nas etapas seguintes, vai deixando o barco correr, não promovendo as melhorias e eliminando as cobranças.
Outro dia, com surpresa, tomei conhecimento que os professores são orientados a não reprovarem os alunos, mesmo que estes não possuam conhecimentos suficientes para passar de série.
Soube, também, que os responsáveis pela educação estadual trabalham na perspectiva de “treinar” os alunos para melhorarem o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, em detrimento do currículo escolar regular. Como se aparecer bem no IDEB fosse mais importante que os estudantes terem, efetivamente, os conhecimentos necessários para um futuro melhor.
Outro dia, o programa Fantástico, da Rede Globo, exibiu uma matéria onde apontava fraudes no censo escolar para melhorar os repasses aos municípios. Posteriormente, soube que inúmeros municípios estariam praticando a mesma fraude denunciada na reportagem.
Ainda que não desmereça a importância de apurar e punir os responsáveis por quaisquer fraudes cometidas, o que, verdadeiramente, me chamou a atenção foi a situação das escolinhas exibidas na reportagem.
Apesar de ter passado já meio século desde as minhas lembranças da escolinha de latada no meu povoado a qualidade das escolas públicas no Maranhão não mudou quase nada. São praticamente as mesmas “escolinhas” sem quaisquer estruturas, anos-luz de distância do ensino de ponta que já vem sendo praticado nos melhores centros do país.
Não faz muito tempo uma matéria de uma revista semanal mostrou que muitas escolas estão voltadas para o ensinamento de diversos e novos conhecimentos preparando as crianças para o futuro que já chegou, trata-se de uma verdadeira revolução no ensino. São conceitos estranhos até no nome, todos em inglês: adaptive learning; blended learning; byod; coding; gamification; makerspace; project-based learning; solf skills.
O que temos no Maranhão? Temos que os alunos são dispensados, muitas das vezes, com duas horas de aula porque diversas disciplinas não têm professores; porque a escola não apresenta condições mínimas; porque “sumiram” com a alimentação escolar das crianças.
Diante de tanto atraso, vejo como grande feito da educação estadual a construção de “escolinha” que de tão distante da educação de ponta, mas funcionam como uma espécie de “pelego” para amortecer o distanciamento entre o que temos e o tanto que o ensino privado de ponta já avançou.
E não é por falta de recursos. Se colocarmos na ponta do lápis veremos que o ensino público gasta muito mais que o privado para formar o mesmo número de pessoas com muito mais qualidade.
A educação pública foi – e ainda está –, sendo destruída, aumentando o distanciamento e a desigualdade entre os cidadãos.
Essa é a primeira desigualdade: a do conhecimento. Basta pegar uma criança de uma escola pública e comparar o seu nível de conhecimento com uma criança da escola privada para constatar isso.
Esta é a primeira crueldade cometida contra o “futuro da nação”. Todas as crianças deveriam ter as mesmas chances e oportunidades.
Mas essa desigualdade não gera indignação da sociedade. É assim que vão se perpetuando os ciclos de exploração.
Não é sem razão que na mesma semana em que ganhou destaque a denúncia do Fantástico sobre possíveis fraudes com os recursos da educação e constatamos a situação caótica das nossas escolas o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE, divulgou um dado igualmente inquietante: o Maranhão é o estado mais miserável do Brasil.
Pior, a miséria, ao invés de diminuir, tem é aumentado.
Segundo o IBGE, mais de cinquenta por cento da população do estado sobrevive na linha da pobreza, com renda domiciliar per capita de até R$ 420,00 (quatrocentos e vinte reais).
Qualquer um com mais de dois neurônios sabe que essa renda não é suficiente para nada.
Mas desgraça pouca é bobagem. Ainda, segundo o instituto, o Maranhão possui 20%(vinte por cento) da sua população sobrevivendo na linha da extrema pobreza, ou seja, com cidadãos cuja a renda familiar per capita é de até R$ 145,00 (cento e quarenta e cinco reais).
O Maranhão está no topo na relação de pessoas miseráveis. E, em termos percentuais, o nosso numero de miseráveis corresponde quase que a totalidade de miseráveis dos dez ou doze estados da federação que se encontram no final da fila.
Entenderam? Se pegarmos, em termos percentuais, a quantidade de dez ou doze estados de baixo para cima, nós os superaremos.
Só não é mais vergonhoso porque é demasiadamente triste tal situação.
Querem ver outra coisa igualmente triste? Os atuais donatários do poder, que se elegeram condenando os quase cinquenta anos de atraso do grupo anterior, em apenas quatro anos no poder, aumentaram o número de miseráveis em 20% (vinte por cento).
Fico pensando se não há qualquer constrangimento nestas pessoas em gastarem uma verdadeira fortuna em propaganda dizendo que o paraíso é aqui diante de estatísticas tão vergonhosamente acachapantes.
Como esconder que mais da metade da população, mais de três milhões e quinhentas mil pessoas vivem na pobreza?
Antes de chegarem ao poder diziam que a culpa de toda a miséria do Maranhão era do grupo Sarney que atrasaram o estado em benefício próprio por cinquenta anos, e agora, de quem é a culpa por terem aumentado o número de miseráveis em ais de vinte por cento em tão pouco espaço de tempo?
Devemos considerar, ainda, que quando receberam o governo as contas públicas estavam relativamente em ordem e o gasto com a folha de pessoal não chegava a 40%(quarenta por cento) da receita corrente líquida; o fundo previdenciário dos servidores apresentava um saldo considerável; os impostos cobrados estavam muito abaixo dos que hoje são cobrados.
Em menos de cinco anos, o estado, se já não passou dos limites de gastos previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF, se encontra na eminência disso; o fundo de previdência, segundo dizem, quebrado; e nunca a classe trabalhadora pagou uma carga tributária tão elevada.
Apesar de tudo isso, não tivemos melhorias em quase nada. A Educação é o que falamos; a saúde só se ouve reclamações; a infraestrutura desafia a paciência de Jó.
Se antes tínhamos a esperança e sonhávamos com dias melhores, hoje nem isso temos mais. Basta olhar para o quadro político que se desenha para os próximos anos para termos a certeza que fomos nós, os maranhenses, quem atiramos as pedras na cruz.
Nada, entretanto, é mais ilustrativo de que nos “roubaram” também o futuro do que um fato acontecido outro dia na Assembleia Legislativa do Estado.
Durante décadas atribuiu-se ao grupo do ex-presidente Sarney a responsabilidade pelo atraso no Maranhão, como dito anteriormente, os atuais governantes foram eleitos com tal discurso.
Pois bem, outro dia foi aprovada por unanimidade uma homenagem ao ex-presidente, acredito que pelo transcurso do seu aniversário de noventa anos a serem festejados em abril do ano que vem.
A ALEMA já aprovou inúmeras homenagens por unanimidade a pessoas que nunca fizeram por merecer. Outro dia causou polêmica a homenagem a um cantor local que recebeu a comenda João do Vale; mais recente foi a vez de um blogueiro americano que, acredito, nem saiba onde fica o Maranhão ser agraciado com a principal comenda da Casa.
O próprio governador do estado agraciou, por conveniência política, o atual presidente da OAB com a principal comenda do estado.
Por esse ângulo o ex-presidente até teria maior “legitimidade” para o mimo. O que me chamou atenção na homenagem a Sarney foi justamente a unanimidade. Nem mesmo aqueles que sempre enxergaram nele a razão de toda a desgraça do estado, disseram qualquer coisa, pelo contrário, concordaram, assentiram, votaram a favor.
Pelo que soube, um deputado, com incomum honestidade, registrou o fato dizendo que a homenagem fora aprovada à unanimidade uma vez que agora “eram todos Sarney”.
Decretaram o fim da história. Temos que aceitar que somos mal educados, miseráveis e sem futuro, com muito orgulho.
Abdon Marinho é advogado.