A TEORIA DA POBREZA DIVINA.
Por Abdon Marinho.
DURANTE todos estes anos em que me entendo por gente sempre me inquietou a questão da pobreza no nosso estado, no nosso país.
Outro dia, lendo a coluna semanal do ex-presidente Sarney minha dúvida se dissipou: somos pobres por obra e graça de Deus.
Pois é, o ex-presidente, ao tratar da vantagem estratégica do Porto do Itaqui, na coluna do dia 23/11/2019, assentou, que o Criador não foi muito generoso com o nosso estado, a começar pela errada avaliação que nossas terras eram excelentes quando na verdade são terras paupérrimas – exceto por uma faixa de terras nas imediações dos municípios de Grajaú e Fortaleza dos Nogueiras. Apenas uma mancha, de resto terras ácidas e arenosas.
Outra culpa do Criador, foi não ter nos legado um minério, economicamente expressivo.
Estas segundo o ex-presidente, as razões da nossa pobreza, a motivação para termos mais de 54% (cinquenta e quatro por cento) da nossa população vivendo abaixo da linha da pobreza, e, destes, um expressivo contingente, sobrevindo na miséria absoluta.
Nos dias que se seguiram ao diagnóstico do ex-presidente sobre as razões para a miséria do Maranhão, esperei, esperei, esperei ... e nada. Nem na Assembleia Legislativa, nem na Câmara dos Deputados, nem no Senado da República, nem no Palácio do governo, ninguém tinha uma manifestação, ou uma opinião sobre o que disse o velho morubixaba.
Não leram? Não deram importância? Concordaram com o que disse?
Em quaisquer das hipóteses, antes de culparmos o Altíssimo, talvez devêssemos olhar aqui mesmo para os lados e enxergamos o verdadeiro culpado da desgraça que acompanha os maranhenses desde sempre: a classe política, os representantes do povo, eleitos para bem representá-los e apresentar o melhor caminho a seguir. Ao invés disso, parece que temos uma classe política que não sabe o seu papel, e, que no lugar de retribuir a confiança recebida, trata de se dar bem e perpetuar a miséria.
Nas palavras do ex-presidente, temos a comprovação disso. Ele atribui a Deus a responsabilidade pela miséria do estado ao não nos deixar solos férteis ou ricos minérios.
Mas, ele fez o quê? Ao menos rezou?
Vejam, o ex-presidente Sarney é, de longe, o político mais bem sucedido do estado e, quiçá, do Brasil. Foi deputado, governador, senador de 1970 a 1985, presidente da República, senador novamente, pelo Amapá de 1991 a 2015. Como senador, teve a honra, e o mérito, de presidir o Senado por quatro vezes. Na sua carreira política, tanto no parlamento quanto no poder executivo, teve a chance de dialogar e trocar experiências com as maiores lideranças do mundo. Ele mesmo faz questão de dizer isso.
Dificilmente encontraremos na história da República carreira política tão proeminente. E, apesar de tudo isso, já chegando aos noventa anos de idade e experiência acumulada, o ex-presidente credita a Deus a responsabilidade pelo fato do Maranhão, estado onde mandou por quase cinco décadas, ser pobre, miserável, e encontrar-se na rabeira de tudo que é indicador social e de desenvolvimento.
Pior, ninguém da classe política parece se importar ou ter alguma ideia para mudar tal situação. Pelo contrário, parecem achar natural que o Maranhão seja pobre. Ou, talvez, concordem que a pobreza é uma graça Divina. Afinal, agora somos todos Sarney.
O próprio ex-presidente conta que pelos anos sessenta, num dos milhares fóruns internacionais que participou, travou diálogo com Golda Meir, uma das destacadas lideranças de Israel naqueles tumultuados dias em que ele se firmava. Poderia ter aproveitado para indagar como o minúsculo e árido território estava produzindo alimentos, saber dos êxitos dos kibutz.
Poderia ter feito o mesmo, com diversos outros países ou mesmo estados, que a despeito de possuírem situações geográficas desfavoráveis despontavam – e despontam –, como modelos de desenvolvimento, seja na agricultura, pecuária, ou mesmo no ramo das tecnologias.
Israel é um exemplo, o Japão é outro. E, assim, são tantos bons exemplos que poderíamos ter seguidos para desenvolver o Maranhão. Ainda que contando, apenas de 1966 para cá.
O Maranhão possui uma área territorial de 331.936,95 km2 e 7 milhões de habitantes, o segundo maior estado em extensão territorial, ficando atrás, apenas, da Bahia, que possui área de 564.732,45 km2 e população de 15.344.447 habitantes; é cerca de cinquenta por cento maior que o Piauí, que possui área de 251.611,93 km2, onde acomoda 3.219.257 habitantes; mais que o dobro da área do Ceará, que possui área de 148.887,93 km2 onde acomoda mais de 9 milhões de habitantes; e, mais que três vezes a área do estado de Pernambuco que possui 98.076,02 km2 e população de 9.473.266 habitantes. Fiquemos apenas nestes na região Nordeste.
Pois bem, o valor bruto da produção agropecuária maranhense nos valores em reais para o ano de 2019, segundo o Ministério da Agricultura é R$ 7.398.548.495; já o do Piauí é de R$ 4.774.627.241; o do Ceará é R$ 3.230.531.698; e o de Pernambuco de 5.666.115.343.
Em que pese o Maranhão figurar na frente destes estados, sabemos que, até pelas condições climáticas destes, o valor bruto da nossa produção e pífio.
O VBPA do Ceará é quase metade do nosso e sabemos que o outro nome de seca e aridez do solo atende pelo nome de Ceará; já o Piauí, que sempre foi sinônimo de pobreza apresenta um VBPA significativo em relação ao nosso, mais de dois terços e o que dizer de Pernambuco que com uma área três vezes menor que o nosso estado quase nos alcança?
A situação torna-se ainda mais vexatória quando comparamos com a Bahia, que não representa em área territorial dois estados do Maranhão mas que possui um Valor Bruto de Produção Agropecuário mais de quatro vezes superior ao nosso, com R$ 29.126.130.583.
Se compararmos com outros estados fora da região nordeste a situação do nosso estado também não é boa.
Vejamos o estado de Rondônia que possui uma área territorial de cerca de dois terço do nosso território com 237.765,29 km2 e pouco menos de 2 milhões de habitantes. O Valor Bruto da Produção Agropecuária alcançou para este ano o montante de R$ 10.018.082.461.
Vejamos outro estado, Santa Catarina, cujo território é mais de três vezes menor que o nosso, o VBPA para este ano é de R$ 21.040.499.354;
Se compararmos com o Paraná que possui apenas 199.307,94 km2, aí que a nossa situação fica complicada. Para este ano aquele estado apresenta como VBPA o montante de R$ 72.561.183.299, ou seja, dez vezes o valor da produção maranhense, com menos de dois terços do nosso território.
No mesmo estudo, merece destaque que a soja contribui com R$ 3.268.495.594; o milho com R$1.024.379.805; e, a cultura bovina com R$1.690.928.797. Estas as principais culturas do estado na composição do VBPA. As duas primeiras, como sabemos, produzidas na região sul do estado e, já no médio Parnaíba, sobretudo por agricultores vindos de outras regiões do país que acreditaram nas potencialidades do estado para estas culturas e desafiaram o estigma de que a nossa terra é pobre.
Se fossem acreditar na teoria de que nosso solo, com exceção da “mancha” entre os municípios de Grajaú e Fortaleza dos Nogueiras, certamente, estaríamos apresentando um resultado ainda mais pífio.
Quero dizer – como, aliás, já disse noutros textos –, que o Maranhão pode se desenvolver a partir da situação vantajosa do seu posicionamento geográfico, pelo fato de possuir portos com situações especiais, que poderão e deverão, ser ampliados, pelo construção de novos portos, rodovias e ferrovias, além, claro, da exploração do Centro de Lançamento de Alcântara - CLA, mas, diferente do entendimento do ex-presidente, existe muito espaço para o crescimento do estado, também no setor primário, na produção de arroz, milho, soja, algodão, assim como na produção de bovinos, suínos, caprinos, ovinos, etc.
A produção agropecuária independente de terras férteis, com espaço tudo se resolve. Poderíamos ser uma das maiores potências do mundo com culturas no sistema hidropônico, por exemplo.
O Maranhão possui um vasto território – que alguns tolos ou mal intencionados querem desmembrar –, e, ainda, muitos recursos hídricos (que precisamos zelar e conservar), um litoral rico, um clima estável, sem contar as diversas outras riquezas.
Diferente do que pensa o ex-presidente, o Criador foi muito generoso com o nosso estado, se falhou, não por sua culpa, mas pela nossa, foi quanto aos homens que conduzem os nossos destinos, estes sim, desprovidos de quaisquer conhecimentos e capacidades. Essa é a nossa única desgraça.
Governantes do passado, do presente – e já temo pelo futuro –, nunca foram capazes de traçar um projeto de desenvolvimento para o estado. A prova disso é a miséria que grassa os lares e que só tem aumentado a despeito dos discursos tortos; a prova disso é termos a maior liderança política do estado e país, dizendo que nossa pobreza se deve à falta de generosidade de Deus.
Abdon Marinho é advogado.