TRINTA ANOS DE UMA CAMPANHA MEMORÁVEL II.
Por Abdon C. Marinho.
Episódio 2 - O racha da esquerda.
O SÍTIO Pirapora, no bairro Santo Antônio, em São Luís, era o palco principal dos encontros da esquerda maranhense.
O Partido Socialista Brasileiro - PSB do Maranhão até por diversas motivações de ordem prática, tinha preferência por seus espaços.
Diferente de outros partidos de esquerda com uma base mais urbana, sindical ou estudantil, quase noventa por cento (ou próximo disso) da base do PSB era composta por trabalhadores rurais, quebradeiras de côcos de babaçu, homens, mulheres, jovens, que viviam no campo, da agricultura familiar e atividades correlatas. Pessoas simples, honestas e com uma visão prática do mundo muito mais clara do que muitos “doutores”.
Os partidos políticos não dispunham dos recursos financeiros que dispõem hoje para alugar hotéis ou centros de convenções. O Pirapora era o espaço ideal pois oferecia alojamentos, refeitório e local para a reunião.
Conforme fossem as pautas de debates, já na quinta ou sexta-feira as lideranças políticas do partido começavam a chegar no Pirapora e se dividirem entre os alojamentos masculino e feminino. Muitos traziam suas redes. Com o aluguel do sítio já contratava cozinheira para preparar as refeições, gente para fazer a limpeza (parte dela feita pelos próprios participantes) e se montava a logística de funcionamento do evento.
Geralmente os congressos contavam com trezentas ou mais pessoas e as reuniões do diretório na faixa de cem ou um pouco mais ou menos. Eram pessoas que vinham de todos cantos do estado, sul do estado, baixada, mearim, médio Parnaíba, etc.
Desde que chegavam e nos horários de folga ou à noite esses trabalhadores e trabalhadoras rurais trocavam impressões e informações sobre suas regiões e como estava o embate político nos seus municípios, suas lutas por direitos, contra a violência no campo.
As análises de conjuntura para as eleições de 1994 começaram já pelo final do ano anterior.
Nas eleições de 1992, na capital, o PDT, de Jackson Lago, apoiou a candidatura de Conceição Andrade (PSB). Muito embora ela tenha tido uma boa performance nas eleições para o governo em 1990, sem o apoio do PDT, da sua estrutura de poder – uma vez que estavam no comando da prefeitura e bem avaliados –, e sua militância talvez não tivesse ganho a eleição (ou mesmo não tivesse sido candidata).
A eleição seria um primeiro confronto entre as forças ligadas ao poder municipal e as forças ligadas ao poder do governo estadual.
Os candidatos no primeiro turno (seria a primeira eleição municipal com dois turnos), por ordem de votos foram: Conceição Andrade (PSB, PDT, PCdoB e PPS), que obteve 134.910, 38,26%; João Alberto Souza (PFL, PV, PCN), 58.922, 16,75%; Evandro Bessa (PDS, PMDB, PRN, PL), 42.000,11, 94%; Carlos Guterres (PDC), 26.000, 7,39%; Betto Douglas (PMN), 24.000, 6,82%; Jaime Santana (PSDB, PRP) 17.000, 4,83%; Costa Ferreira (PTR), 16.000, 4,55%; Haroldo Sabóia (PT, PC), 13.000, 3,70%; Rubens Soares (PSD), 10.472, 2,98%; Nan Souza (PST, PSC), 1,42%; e Mauro Fecury PTB), 4.500, 1,28%.
O resultado do primeiro turno traz como destaque o boa votação de Evandro Bessa, que tinha o apoio de Cafeteira e ficou em terceiro lugar, Carlos Guterres que perdeu a eleição quatro anos antes por pouco mais de mil votos, ficou em quarto lugar; o cantor Betto Douglas que alcançou 24 mil votos ficando muito à frente de políticos de renome como Jaime Santana, Costa Ferreira, Haroldo Sabóia, Nan Souza, que eram deputados e até mesmo do ex-prefeito biônico Mauro Fecury.
O segundo turno, apesar do resultado final ter sido amplamente favorável a coligação PSB, PDT, PCdoB e PPS com a chapa Conceição/Aziz obtendo 137.687 votos o que correspondia a 64,1%, contra os 77.239 votos da chapa João Alberto/Bosco, que correspondia a 35,9%, a disputa foi forte.
Os números revelam que Conceição só acrescentou pouco mais de três mil votos à votação que obteve no primeiro turno enquanto que João Alberto acrescentou quase 20 mil votos. Sem considerar que muitos dos que concorreram no primeiro turno foram apoiar Conceição, como foi o caso de Evandro Bessa, Carlos Guterres, os que lembro.
Isso para dizer que os números finais não refletem o clima da disputa. Apesar do mote de que ilha rebelde não votaria em um candidato do grupo Sarney, João Alberto havia sido governador (sucedeu Cafeteira quando esse deixou o governo para disputar o Senado) e se notabilizou por operações policiais fortes contra o crime organizado a pistolagem, dentre as quais merece destaque a Operação Tigre, tão eficaz quanto controvertida.
No segundo turno das eleições o ex-governador “assumiu” esse papel de, digamos, justiceiro e sua campanha mandou “plotar” os seus veículos a imagem da ave “carcará”, imortalizado nos versos do cantor João do Vale como aquela ave lá da baixada que “pega, mata e come”. Aliás, segundo os dicionários, o significado em sentido figurado do termo é pessoa ruim e malvada.
O certo é que embora tenha perdido por larga margem, pelo tanto que cresceu entre o primeiro e o segundo turno, não fez feio.
Um fato que também contribuiu para surpreendente performance de João Alberto no segundo turno foi o engajamento de seguimentos da juventude na campanha dele. A juventude da ilha sempre estivera ligada a esquerda nos seus diversos partidos, PDT, PSB e a UJS, vinculada ao PCdoB.
A partir daquela eleição os partidos “ditos” de direita começaram a “apostar” nos seguimentos juvenis. Um dos responsáveis do por isso foi o atual deputado estadual do MDB, Roberto Costa, que iniciou sua militância política no PSB e levou essa “expertise” para a campanha do PFL.
Conceição Andrade (PSB) ganhou a eleição com o apoio do PDT e teria que fazer um governo que equilibrasse os interesses desses aliados majoritários com os do seu partido, o PSB. Não seria e não foi fácil.
Nos congressos do PSB ocorridos no final de 1993 e começo de 1994 era clara a insatisfação das diversas lideranças do partido, principalmente, as lideranças rurais com o governo de Conceição.
Achavam que o partido não tinha qualquer espaço (o espaço era muito reduzido) e reclamavam até da falta de acesso que tinha à prefeita que era do partido.
Essas lideranças estavam acostumadas a ter as portas abertas. Conceição iniciara na politica pela advocacia, foi como advogada dos trabalhadores rurais, enfrentando as “grilagens” de terras e a violência no campo que conquistou os apoios necessários a sua primeira eleição, em 1986, ainda pelo grupo “Nossa Luta”, agrupado dentro do PMDB. A prefeita não estava mais à distância de um trinco dos mesmos, como estivera como advogada, dividindo dormida com eles em sedes de sindicados, casas paroquiais ou mesmo em acampamentos no campo ou como deputada na antiga Assembleia da Rua do Egito, quando qualquer pessoa bastava bater numa porta para entrar no gabinete e ser atendida.
O acesso ao gabinete da prefeita na prefeitura da capital era mais complexo, as pessoas que estavam antes do gabinete, na maioria das vezes, não conheciam nenhuma daquelas lideranças do PSB que eram da “cozinha” da prefeita e a prefeita da “cozinha” delas e dificultavam ou não permitiam o acesso. Sem contar as próprias atribuições e responsabilidades do cargo.
Na época eu era chefe da gabinete do deputado Juarez Medeiros e muitos dessas lideranças conhecidas e amigas iam lá – ou mesmo no gabinete do deputado Costa, que foi eleito no lugar de Conceição nas eleições de 1990 –, com esse tipo de reclamação ou queixa.
O resumo do que diziam: a prefeita é do partido mas o governo é do PDT, nós não temos “nada” no governo, não encaminhamos qualquer reivindicação; não faz diferença alguma termos ou não a prefeitura da capital.
Esse sentimento, essa insatisfação, queixas, etc., são relevantes para que se compreenda que não foi “traumático” o PSB romper a aliança com o PDT para apoiar a candidatura de Cafeteira, PPB. Aquelas lideranças tinham estado com ele em 1986. Em 1988 integraram a União da Ilha com PDT mas não se sentiam integrante do governo Jackson Lago, em 1990, embora todos tenham apoiado Conceição ao governo mas perderam e quando ganha em 1992, no governo de uma “estrela” do PSB não se sentem representados.
Por todos esses motivos, quando se iniciaram as análises de conjuntura política para as eleições estaduais de 1994, a maioria significativa das lideranças do partido, conforme disse anteriormente, homens, mulheres e jovens do campo não tiveram dificuldades em indicar ou apoiar o nome de Cafeteira ao invés de seguir com a aliança com o PDT de Jackson Lago.
No último congresso do PSB de 1993 já haviam indicativos que isso poderia acontecer.
Abdon C. Marinho é advogado.
PS. No próximo episódio trataremos da decisão de apoiar Cafeteira, do racha entre o PSB e PDT e a falta de visão política que levou o Maranhão a permanecer estagnado politicamente.