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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Sexta-feira, 22 de Novembro de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho


(Foto da internet)
DITADURA NUNCA MAIS!

Por Abdon C. Marinho. 

HÁ ALGUNS dias pensei em escrever o texto que publico hoje. Foi por ocasião da divulgação dos depoimentos prestados pelos ex-comandantes militares do governo passado. 

A minha compreensão do que foi dito é bastante singela e segue nas linhas abaixo.

Quando militares de elevadas patentes testemunham que o presidente da República os pressionou para aderirem a um golpe de estado com todas as consequências nefastas que tal intento poderia trazer ao país é algo que merece reflexão de todos os brasileiros. 

Quanto esses militares a quem se propôs o golpe de estado eram os mesmos que lá atrás eram comandantes das Forças Armadas, devemos parar qualquer coisa que estejamos fazendo para analisar o fato e buscar entender o que se passou, o papel dos envolvidos, o que fazer em relação aos mesmos e como evitar que tais coisas voltem a ocorrer. 

Há sessenta anos, em 31 de março de 1964, davam um golpe militar no Brasil. 

Eu e a grande maioria da população brasileira nasceu depois do golpe e muitos outros já vieram ao mundo depois que o regime de exceção, que durou vinte e um anos, chegara o fim. 

Talvez por não lembrarmos ou por não sabermos o que é vivermos subjugados por um regime ditatorial ou, mesmo, por ignorarmos a situação de muitos países que ainda vivem sob domínio de autocratas e ditadores, tendemos a fazer pouco caso, minimizar ou “passar o pano” para o que aconteceu/acontece no Brasil. 

O filósofo George Santayana tem uma frase lapidar sobre o  tema: “Aqueles que não conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo”. 

O Brasil acostumou-se a não aprender com seus erros. 

O normal é sermos “bonzinhos” mesmo com aqueles que cometem as maiores atrocidades. 

Se não fomos as vítimas devemos “relevar”. 

Em 1979, por ocasião da Lei da Anistia – que deveria ser ampla, geral e irrestrita –, o país optou de forma consciente pelo esquecimento das dores e dos sofrimentos daqueles que foram vítimas da ditadura. 

Naquele ano ainda era uma criança, mas, certa vez, ao conversar com um amigo muito mais velho e experiente ele me mostrou e me fez compreender que aqueles que não foram vítimas, até poderiam opinar, mas que não era legítimo perdoar. 

Porém, essa é apenas uma divagação, na real, como se diz atualmente, quando o país fez a opção por “passar o pano” para todos os crimes cometidos, inclusive o da supressão da democracia brasileira, abriu caminho para que outros tirantes ou apenas imbecis se achassem no direito de tentarem novamente. 

A verdade é que andamos muito perto de levarmos o país a uma convulsão social, com consequências inimagináveis, com mortes, prisões, exílios, famílias destruídas, sem quaisquer garantias de direito, etc.

Bastava que o comandante do exército tivesse concordado com a loucura  – os demais viriam no “arrasto” –,  para que não fizéssemos ideia do que teria acontecido e para que, certamente, esse texto não existisse. 

Como já disse em outras oportunidades, não acredito que o movimento de 08 de janeiro de 2023 fosse um “golpe”, sinceramente aquilo mas parecia um bando de aloprados que foram usados como “bucha” para algo muito maior – que acabou não acontecendo. 

Por outro lado, quando se analisarmos o “filme” completo que vem desde a famosa reunião de julho de 2022, em que ministros importantes falaram sem constrangimento em “virada de mesa”, outros tratando as instituições da República como “forças inimigas”, passando pelas diversas outras reuniões já posteriores ao pleito em segundo turno, aos acampamentos sincronizados em frente aos quartéis em todos os cantos do país, aquele ato ganha outra relevância, não pelas pessoas – muitas iludidas, buchas é a palavra correta –, não pelo ato em si, mas por ter sido a última tentativa para forçar o golpe. 

E podemos ir além, mesmo antes de assumir após a vitória nas urnas em 2018, “trabalhavam” com o foco numa ruptura institucional.  

Por conta disso e de forma rotineira, estimulava o conflito entre os poderes, elegendo por fim, o Poder Judiciário (representado pelo STF e TSE) como os seus “inimigos”. 

Tratava-se, por óbvio, de um projeto antidemocrático tosco, com um olhar para o passado – e devemos “até” agradecê-los por isso –, as ditaduras mas recentes destruiram suas democracias de dentro pra fora. 

Tem sido assim na Rússia, na Venezuela, na Hungria, etc., a partir do poder conquistado de forma legítima ou não foram aniquilando as instituições e os opositores até chegarem ao ponto de só restarem o seu grupo para disputar simulacros de eleições. 

Não fosse a “cavalar” falta de trato, que podemos atribuir (ou festejar) como equívoco de estratégia, hoje estaríamos avançando para um retrocesso institucional de forma legítima. 

Quem teria legitimidade para questionar um governo eleito por ampla maioria dos eleitores?

O que impediria que um governo reeleito por ampla maioria iniciasse o processo de “aparelhamento” das instituições civis e militares para permanecer no poder “ad infinitum” ? 

Há sessenta anos deram um golpe militar no Brasil que durou vinte e um anos. 

Quase quarenta anos depois da redemocratização do país, tentaram novamente. 

O que salvou o país do retrocesso foi o “não” do general e a pouca inteligência dos golpistas. Não fosse o general ter dito não ou se os golpistas não fossem tão idiotas, estaríamos vivendo  uma “volta ao passado”. 

Bem que algum deputado ou senador poderia propor uma lei criando o “Dia do Não” e/ou o “Dia da Ignorância”. Não já temos o Dia do Fico? Por que não? 

O certo é que passamos “raspando” por um processo de retrocesso político que maioria da população não se deu conta, não percebeu. 

Muitos até ficaram decepcionados. 

O que passamos foi muito além de dois processos políticos extremos. Não se tratou e nem se trata de uma disputa política ou eleitoral ou de projetos de poder. 

O que se tratou, efetivamente, foi de uma ruptura institucional ou não. 

Essa é a clareza que precisamos ter. 

O país precisa reforçar ou criar novos mecanismos de proteção contra os projetos autoritários que são uma realidade em todo o mundo e que tem no Brasil uma posição estratégica. 

O que fazer? 

Confesso não saber o que deve ser feito. 

Dizem que o Congresso Nacional vai acabar com a possibilidade de reeleição dos cargos majoritários. 

Será a solução? Ou, só isso será o remédio contra os projetos autoritários? 

Cada vez mais as pessoas exigem respostas superficiais para problemas complexos. 

Cada vez mais buscam “salvadores da pátria” que,  invariavelmente, não passam de espertalhões. 

A realidade é vivemos em um mundo de pessoas ignorantes, que não conhecem a história, que não lêem e que, por isso mesmo, são incapazes de compreenderem o que se passa ao seu redor.  Uma parcela significativa da população já se encontra com o cérebro corroído pelas inutilidades a que estão expostas diariamente. 

É como se vivêssemos um conflito entre a inteligência artificial e a total falta de inteligência. 

O Brasil precisa voltar a estudar – principalmente história (e já vão dizer que o ensino de história é doutrinação). 

O Brasil não tem o direito de esquecer (e já vão dizer que não esquecer é revanchismo). 

O Brasil não tem o direito de tratar o seu passado com menosprezo ou relativismos. 

A democracia não é um valor relativo. 

Ela, democracia, é concreta e possui parâmetros sólidos e definidos – o resto é conversa fiada. 

Não existe ditadura boa. 

Nunca podemos esquecer disso. 

Passe sessenta, passe cem, duzentos anos …

Ditadura nunca mais!

Abdon C. Marinho é advogado.