FARINHA POUCA, MEU PIRÃO PRIMEIRO.
Por Abdon Marinho.
DESCONTADAS algumas arrobas que possui a mais, o governador do Maranhão, tal qual a D. Bela, personagem imortal de Zezé Macedo na “Escolinha do Professor Raimundo", do saudoso genial Chico Anysio, só pensa “naquilo”. Para ele, no caso, “aquilo” é a presidência da República. Espécie de sonho e/ou obsessão que o persegue desde sempre.
Os que não conhecem a história ficam sem entender muitos dos seus posicionamentos e manifestações.
Foi, basicamente, o que aconteceu com essa revelação de uma articulação urdida pelo comunista visando a fusão do seu partido, o PCdoB com o PSB e/ou uma espécie de “MDB de esquerda”, agrupando todos os descontentes de todas as legendas “de esquerda” para enfrentar o bolsonarismo nas eleições de 2022, sonhando ser ele o grande condutor e candidato do grupo, conforme revelou “O Globo”, em edição recente.
No mesmo artigo, sua excelência "assina" o atestado de óbito da esquerda brasileira e escreve o epitáfio na sua lápide, avaliando, dentre outras coisas, que as chamadas “esquerdas” não elegerão nenhum prefeito de capital nas eleições municipais deste ano.
Não é que a avaliação esteja errada, pelo contrário, pelas informações que temos, parece correta, é pela forma como se avalia.
Aqui mesmo, no estado que conduz – e que as pesquisas apontam possuir apoio majoritário –, não apenas caminham para perder a eleição da capital, como, também, nos municípios mais importantes do Maranhão.
A própria região metropolitana, onde a presença do governo estadual é mais sentida, até pela influência das mais variadas mídias, as “chamadas esquerdas” não devem eleger ninguém.
O curioso é que em muitos municípios, inclusive na região metropolitana, temos o governo estadual fazendo “parcerias” contra os candidatos da esquerda, até mesmo contra o próprio partido do governador, o PCdoB.
Outro dia expus a curiosa parceria que ocorre entre o governo estadual é um pré-candidato de Paço do Lumiar, um dos municípios mais importantes do estado.
A impressão que fica é que o governador, para justificar a sua “análise” de que a esquerda brasileira não elegerá nenhum prefeito de capital – e acrescento, de municípios importantes –, “torce” e/ou até “trabalha” para o fracasso dos partidos do seu campo, para depois dizer: “eu não disse”, e apresentar-se como o grande timoneiro do tal projeto do “MDB da esquerda”.
Há alguns dias, um fato político me chamou a atenção: um importante secretário do governo estadual, filiado ao partido do governador, foi à imprensa dizer que estava “fechado” com um outro candidato que não era o do seu partido.
Achei o gesto muito estranho. Não entro no mérito sobre a qualidade do candidato que escolhera, com certeza um excelente nome.
O meu estranhamento foi pelo fato em si.
Ora, conheço o PCdoB, pessoalmente, desde que voltaram a legalidade, em meados de 1985. Apesar de não ser filiado a partido – ainda era adolescente –, participava de discussões com diversos comunistas por conta da organização do movimento estudantil e, ainda que com menos assiduidade, nunca perdi o diálogo com algumas pessoas do partido, nem quando, em 1994, fizeram um acordo “secreto” com o grupo Sarney e não apoiaram as forças políticas da oposição.
Em todos estes anos – e depois, com o aprofundamento dos estudos da história a partir da ruptura dos dissidentes com o Partido Comunista Brasileiro, o antigo PCB, nos anos 50 do século passado, justamente por aquele partido adotar revisionismo contra as práticas stalinistas, mas isso é assunto para outro texto –, sempre soube que um dos pilares do partido era o chamado “centralismo democrático”.
O que significava (ou significa) que podiam discutir, “se matar” na base, mas cumpririam, rigorosamente, as decisões do partido. Nas vezes que questionei isso, os amigos diziam que era pela “causa” maior. Nunca soube que causa era essa.
Quando vi um secretário do governador, mais que isso, um “comunista-raiz”, declarar que estava “fechado” com outro candidato, entendi que havia “uma causa maior” pelo meio e que o candidato oficial do partido comunista seria “cristianizado”, ou seja, para constar.
Os mais jovens não devem saber mas o termo “cristianizar” remonta a eleição presidencial de 1950 do século passado, quando o PSD lançou um candidato, Cristiano Machado, mas com o avançar da disputa, e mesmo no início da mesma, praticamente todos os líderes do partido o abandonou.
O Cristiano Machado ficou foi longe de ganhar as eleições, mas o folclore da política nacional ganhou um novo termo: “cristianizar”.
Como vêem, Abdon Marinho também é cultura. Rsrsrs.
A certeza que o candidato oficial seria “cristianizado” ficou mais patente quando diversos outros secretários de estados, “da confiança do governador”, ainda que de partidos políticos diferentes, ao invés de guardarem discrição, expuseram publicamente suas candidaturas.
Excesso de democracia ou movimento combinado?
A situação ficou tão constrangedora que outro dia “virou notícia” alguém do PCdoB declarar apoio formal ao candidato do partido. É sério.
E, por último, o vaticino do governador do estado – embora falando para a política nacional –, de que a “esquerda” não elegeria nenhum prefeito de capital, o candidato do partido dele, obviamente, incluso.
Quem conhece política sabe que nenhum gesto é em vão.
Raposa velha neste terreiro, o pai do candidato do partido do governador já avisou que no seu dicionário não consta a palavra desistência. Talvez querendo dizer não aceitar ser deixado para trás, como tantos.
Recados dados de todos os lados resta saber o resultado de tudo isso.
O jabuti está em cima da árvore e duas perguntas se fazem necessárias: quem o colocou e por que o colocou.
A mim soa estranho que um governo que “se vende” como tendo o apoio de quase 70% (setenta por cento) de apoio popular, com uma forte penetração na mídia, não consiga transferir esse apoio para o “seu” candidato.
Mais estranho, ainda, que o governador já tenha “vendido” derrota do “seu” candidato ao país inteiro.
A situação fica mais esquisita quando sabemos que o candidato do partido do governador – até onde sabemos, repita-se –, não possui qualquer mácula no currículo, nunca se envolveu em escândalos, possui família estruturada, e quem convive com ele, diz que é boa praça, excelente pessoa, etc.
Diante disso, não podemos deixar de perguntar, até porque, perguntar não ofende, por qual motivo e tão prematuramente o partido já o “cristianizou” e o governador já publicou que ele não se elege?
Só lembrando, aqui mesmo na capital, muitas candidaturas, antes de suas escolhas em convenções, saíram para disputa com percentuais inferiores ao candidato do PCdoB e sagraram-se vitoriosas.
Daí soar estranho tamanho desinteresse pela candidatura oficial do partido a ponto de sua maior liderança, o governador, já ter “reconhecido” a derrota antes mesmo de entrar no ringue. E por nocaute.
Quer me parecer que, em nome de sua “causa maior” o governador queira “dá um cavalo de pau” na sua estratégia política.
Como disse no início – e em diversos outros momentos –, sua excelência só pensa “naquilo”, na presidência.
Desde que pôs os pés nos Leões que sua energia – e o poder do estado –, é direcionada para este propósito, já se vão quase sete anos nisso.
Lá atrás, se não me falha memória, em 2012 ou 2013, alertei, sua excelência, para o risco de candidatar-se pelo PCdoB ao governo do estado, um partido arraigado em dogmas e posicionamentos difíceis de serem compatibilizados com à sociedade brasileira.
Não deu bola, e a vitória nas urnas – motivadas principalmente pelo cansaço do povo com o grupo Sarney e, também, porque não tinha como deixar de ganhar do opositor –, fez foi achar que estava no caminho certo e que o povo brasileiro aceitaria ser governado por um partido com o histórico do Partido Comunista do Brasil - PCdoB.
Depois de tanto tempo, parece que sua excelência viu que a briga lá em cima é para “cachorro grande”, e que o seu partido, conforme já alertou o próprio Lula, num “chega pra lá” elegante, é a sua principal desvantagem.
Nesse tempo todo, em entrevistas para uma imprensa dócil, o governador já negou os duzentos anos do comunismo, já desdisse a maioria dos seus dogmas, já o tentou “casar com o Cristianismo” e tantas outras coisas.
Tudo que foi tentado não deu o resultado esperado, por isso é sabedor da sua enorme desvantagem, ainda mais que o “mote” do atual presidente – e do bolsonarismo –, para as eleições de 2022, será o combate à “ameaça comunista”.
Ciente disso, o governador e seus aliados, dentro do partido, tentaram “inventar” um tal de movimento 65, que, efetivamente, até parece coisa de movimento, mas, estudantil, e não de quem pretende dirigir o país.
Sair do partido – como já foi ensaiado algumas vezes –, não pegaria bem, passaria a impressão de oportunismo.
Sem contar contar que os próprios camaradas do partido poderiam se sentir “traídos”.
A estratégia política que melhor se apresenta para sua excelência é apostar – e mesmo torcer, talvez “trabalhar” –, para o insucesso dos partidos de esquerda nestas eleições municipais, para quedá-los a aceitar a “sua ideia” da federação de partidos, o tal de “MDB de esquerda”.
Só registrando que tal ideia nem é original. O MDB original, quando surgiu, foi como uma “federação de diversas forças políticas colocadas na clandestinidade pela ditadura.
Ele, como “pai” da ideia à frente, para disputar as eleições presidenciais, já sem o estigma do comunismo e com o apoio de todas as forças políticas de direita, centro até a extrema esquerda.
Esse é o jabuti. Na tradução literal do que já dizia minha avó: “— farinha pouca, meu pirão primeiro”.
Abdon Marinho é advogado.