SEM COVEIRO E SEM TUTOR É CADA UM POR SI, AINDA BEM.
Por Abdon Marinho.
O GOVERNADOR do estado, senhor Flávio Dino (PCdoB), anunciou por estes dias, em entrevista coletiva, a flexibilização das regras de isolamento social por conta da pandemia do novo coronavírus.
Questionado se não seria precipitada a flexibilização, em face do aumento de casos, e como se daria a fiscalização dos serviços autorizados a funcionar, segundo a imprensa local, saiu-se como esta: “—É uma decisão de cada um. Eu também não sou tutor de todas as pessoas, não me cabe isso. Eu sou governador do Maranhão”.
Não posso deixar de registrar que trata-se de uma resposta bem assemelhada às manifestações do senhor Bolsonaro, presidente da República, e que, politicamente, encontra-se, em tese, no espectro político oposto ao do governador, como este faz questão de ressaltar sempre, colocando-se, aliás, como uma espécie de antípoda do primeiro.
É dizer-se, o Flávio é Dino, não é Bolsonaro, muito embora nas práticas e nos discursos de ambos encontremos muito mais convergências do que divergências
Logo no início da pandemia, acredito que quando atingimos a casa dos mil óbitos debitados à covid-19, talvez um pouco mais disso, respondendo a um popular sobre este fato, o presidente da República, saiu-se com esta: “— Sei lá, pô, eu não sou coveiro”. Isso, dito literalmente, ou algo bem assemelhado.
Agora é a vez do governador, talvez imitando o presidente/desafeto, dizer que não é tutor de ninguém, e sim, governador.
Na mesma coletiva sua excelência, ainda pontuou: — “Não serei eu que direi para uma pessoa ir ou não ir a um restaurante ou a um bar, mas a minha mãe, que tem 82 anos, não irá. Pedi a ela. Meu pai, que tem 88 anos, também não irá. Conversei com ele”, e ainda: “— Então, é preciso que cada um cuide de sI”.
A nova posição do governador Dino, no tratamento a ser dispensado à pandemia, é mais convergente do que divergente à posição do presidente Bolsonaro, e é diametralmente oposta ao que vinha pregando e praticando deste o início da pandemia.
Como a pandemia no Brasil ainda não tem seis meses, a primeira morte registrada atribuída à covid-19 data do dia 12/03, é possível conferir as mudanças de comportamentos.
Antes do registro do primeiro caso de infecção no estado, o que só foi acontecer no dia 20 de março, segundo o próprio governador anunciou nas suas redes sociais, o governo já vinha orientando pelo distanciamento social, com a comprovação do primeiro caso, no dia 21 de março o governador foi para os meios de comunicação informar que estava baixando diversos atos proibindo as atividades econômicas no estado e impondo distanciamento social.
Naquela oportunidade – antes do registro do primeiro caso no estado e nos estados vizinhos –, questionava se as medidas necessárias não estavam sendo precipitadas e cobrava transparência do governo no combate à pandemia.
A argumentação é a mesma que trago até hoje: o distanciamento social é o remédio mais eficaz, mas precisa ser adotado no momento certo e pelo tempo certo, sob pena das pessoas relaxarem ou não terem como ficarem confinadas por um tempo muito longo.
Mais, que era necessário o máximo de transparência para que as pessoas confiassem nas recomendações das autoridades.
Como por aqui a pandemia foi tratada como parte de uma estratégia política do governador para se rivalizar com o presidente da República, não vimos nem uma coisa nem outra.
As regras de isolamento social não foram cumpridas como deveriam, nem na capital nem no interior, tanto assim que desde o início do alastramento da pandemia, o estado “está bem posicionado”, tanto no número de óbitos, quando no de contaminados. Sempre ali na sexta ou sétima posição.
Outros estados, como Piauí e Tocantins, com quem fazemos fronteira, registam números bem mais favoráveis que os nossos.
De igual modo, diversos outros estados, como Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, entre outros.
A transparência, juntamente com a exploração política da desgraça, foram outros fatores sempre questionados.
Logo no início da pandemia o governador, seus aliados e aduladores, se ocupavam em contar os óbitos para atribuí-los ao presidente da República, chegando a dizer, certa feita, que no dia seguinte amanheceriam na porta do palácio 300 mortos, enquanto o presidente nada fazia.
Os mortos começaram a amanhecer nas portas dos palácios. Não apenas na porta do palácio presidencial, mas, também, nos palácios dos governos estaduais.
Enquanto escrevo este texto já são mais 57 mil mortos, mais de um milhão e trezentos mil pessoas infectadas, e o Brasil já é, há algum tempo, o epicentro da pandemia.
Só no Maranhão já são 2 mil mortos e mais de 80 mil infectados. A taxa de mortalidade diária, há semanas, girando na casa dos 35 mortos.
Vejam os senhores que quando não tínhamos um único caso, só fomos registrar o primeiro em 20 de março, como já dito, mas interessava ao governador alimentar a guerra política contra o presidente, foram divulgadas diversas medidas de restrições para a população, e agora, com os mortos que se acumulam nos leões, já chegando ao aterrador número de 2 mil e o de infectados se aproximando de cem mil, sua excelência, vem a público dizer não é tutor de ninguém e que cada um que cuide de si, enquanto adota um modelo de “liberou geral” das diversas atividades econômicas.
Quer dizer que era mais fácil nos “contaminarmos” pelo novo coronavírus quando não tinha um único caso no estado do que agora, quando caminhamos rápido para a casa dos cem mil? Ou será que as medidas adotadas no início da pandemia, sem um caso, sem um morto, tinham o condão de servir de instrumento para explosão política? Ou será que se precipitaram fizeram tudo antes da hora, de forma atabalhoada e agora, com todos riscos que a população corre, não têm como “segurar” a pressão dos empresários e entrega a responsabilidade ao “cada um cuida de si”?
Apenas para registo, com o número de mortos e infectados atingindo patamares elevados, a exemplo do presidente da República, não me recordo de uma nota de pesar ou um decreto de luto oficial baixado pelo governo – talvez tenha acontecido e não vi –, como se os únicos mortos que interessassem fossem aqueles que serviriam naquele momento à guerra eleitoreira.
Como podemos constatar, os opostos de tanto se atraírem acabam por convergirem, como agora parecem comungar o governador Flávio Dino com o presidente Jair Bolsonaro.
Tenho visto outros estados, outras cidades que registram menos casos que o Maranhão, diante do aumento de casos, tomarem medidas mais rígidas para as normas de isolamento social, como por exemplo, Minas Gerais e a região metropolitana de Belo Horizonte.
Embora a capital do estado do Maranhão tenha registrado um decréscimo no número de infectados e mortos, no interior do estado existe um crescimento acentuado, registrando mais de mil novos casos de infectados por dia.
Na hora que o governador do estado “lava as mãos” e diz que “cada um cuida de si”, o interior do estado, cuja responsabilidade pelo controle da pandemia foi entregue aos prefeitos, não terá como controlar a pressão para que tudo volte ao “normal”.
Ora, se o governador “liberou” qual é o prefeito que terá “força” para manter medidas necessárias de isolamento às vésperas de eleições municipais?
Embora torcendo para estar errado, temo que muitas famílias ainda perderão seus entes queridos antes desta tragédia se dissipar do nosso estado e do Brasil.
E, neste quadro dantesco, estamos sem coveiro – como disse o presidente –, e sem tutor, cada um cuidando de si – como disse o governador –, mas como diria, diante da tragédia, o ex-presidente Lula, ainda bem.
Abdon Marinho é advogado.