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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Quarta-feira, 27 de Novembro de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho


NA DEFESA DAS FORÇAS ARMADAS

Por Abdon Marinho.

HÁ DEZ ANOS, aproximadamente, em São Luís, Maranhão, ocorreu uma confusão em um dos quartéis. Se não me falha a memória, o comandante da guarnição, em um fim de tarde, “inventou” de ir jogar bola com a tropa e um dos subordinados ou “cometera falta grave” ou faltara com o respeito com o comandante. O certo é que a confusão estava feita.

Quando, ainda no calor dos acontecimentos, um amigo,  que também é militar, perguntou minha opinião, se deveriam ou não punir o subordinado, respondi-lhe de forma categórica:

— Olha, independente do que tenha acontecido, o culpado é o comandante. Ele que deveria ter a responsabilidade de não se “misturar” com soldados e se alguém é merecedor de punição é o comandante e não o soldado. 

Conclui citando dois ensinamentos, um do meu pai, que dizia: “a gente se junta mas não se mistura”; e outro de um grande amigo e militar das antigas, Mariano Serejo, que vez por outra costuma dizer: “Abdon, soldado é o retrato do cão”. 

Ora, o comandante de tropa que vai se enfurnar numa pelada e trocar suor com os comandados, ele pode exigir tudo, menos que o tratem com respeito. Respeito na pelada? Com os boleiros? 

Passados tantos anos, nunca procurei saber o que aconteceu com os envolvidos na polêmica narrada acima e se a trago novamente à baila é para tratar de um assunto muito mais sério, envolvendo a quebra de disciplina e da hierarquia nas Forças Armadas e o risco que isso significa para a democracia brasileira. 

Qualquer pessoa com um mínimo de bom senso e comprometido com a democracia e os destinos da nação – qualquer nação –, sabe os riscos que ambos correm quando, por alguma maneira, os quartéis são politizados ou se vulnera os princípios da hierarquia e da disciplina.

A Constituição Federal, no título que trata da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, dispensa um capítulo específico, para tratar das Forças Armadas, estabelecendo: “Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. … § 2º Não caberá "habeas-corpus" em relação a punições disciplinares militares”.

Como podemos perceber as Forças Armadas destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. Esse é o seu papel reservado pela Constituição da República, qualquer outra atribuição que fuja de tal destinação será violar a razão de sua própria existência. 

Também por determinação constitucional as Forças Armadas são instituições permanentes regulares organizadas com base na hierarquia e na disciplina.

Observem que o quesito “disciplina” é tão importante do ponto de vista da organização das Forças Armadas que legislador constituinte excluiu até mesmo o cabimento do “habeas corpus” no caso das punições disciplinares militares. 

A despeito de ser a autoridade suprema das Forças Armadas, e de, portanto, ter o dever de preservá-las como instituições permanentes da nação, o presidente da República age em sentido contrário ao que deveria, levando intranquilidade e desconforto não apenas em relação a estas forças, mas, também, em relação as forças de segurança auxiliares. 

Desde que assumiu, em janeiro de 2019, que tem sido assim. 

Em que pese o discurso tortuoso no qual – por ter origem militar e de onde saiu em condições pouco elogiosas –, tenta fazer parecer falar em nome das Forças Armadas ou contar com seu apoio para intimidar a nação, o presidente da República, o que faz, na verdade, é corroer o  prestígio da instituição perante a sociedade e corromper os princípios nas quais se fundam. 

A primeira coisa que que fez ao assumir foi levar inúmeros militares da ativa ou recém-saídos da ativa para integrarem o governo, criando uma clara distinção entre os que servem no palácio e ministérios para aqueles que servem nos quartéis; depois, promovendo e/ou incentivando incontáveis manifestações inclusive nas portas dos comandos militares contra os poderes constitucionais – que as Forças Armadas têm o dever de garantir; e, por fim, fomentando a quebra de hierarquia e disciplina como assistimos no episódio envolvendo o general Pazuello. 

Qualquer cidadão, desde que possua dois neurônios, é sabedor que essa encenação toda e até mesmo esse hábito de sempre visitar quartéis – que muitos julgam com um gesto de desprendimento –, nada mais é do que uma estratégia para fomentar a quebra de hierarquia nos quartéis e por extensão nas forças auxiliares. 

Peguemos como exemplo a situação envolvendo o general Pazuello. 

O general Pazuello foi chamado, como general da ativa – que continua até hoje –, para ser secretário-executivo do Ministério da Saúde, a justificativa foi que ele seria um “especialista” em logística – na verdade era para vigiar o ministro. 

Tal fato, já causou desgaste entre os generais dos quartéis conscientes de suas responsabilidades constitucionais. 

Com a “queda” do ministro titular o general acabou “virando” ministro e o responsável pela condução da pasta no momento mais agudo da crise sanitária. 

Como o texto não é para tratar da pandemia deixarei de dizer que o “sucesso” da gestão pode ser aferida no número de mortos que foram contabilizados no período, para dizer que marcou sua gestão foi a emblemática declaração em relação ao presidente quando tentou comprar vacinas e foi desautorizado por ele: “é simples assim, um manda e o outro obedece”. 

Tal colocação, talvez, fosse até cabível se proferida por ministro civil e apegado ao cargo. Vindo de general da ativa pareceu-me desmoralizante. Ainda mais, se considerarmos que o “especialista em logística” tentava fazer a coisa certa. 

Mas o episódio Pazuello estava longe de acabar – e ainda não acabou. 

Impotente e sem plano para combater a pandemia o general Pazuello acabou saindo do Ministério. 

Não podemos dizer se pediu para sair ou se foi exonerado porque o presidente, no comício que fez recentemente, com o ex-ministro, mas general da ativa a tiracolo, fez parecer que ele saiu por “excesso” de competência.

E chegamos ao ponto em que o presidente lança a cartada mais visível na estratégia de desmoralização das Forças Armadas. 

Provando que falava sério ao dizer que um mandava e o outro obedecia, lá estava o general Pazuello em um comício, um ato público de cunho político em apoio ao presidente.

Qualquer um, até mesmo o senhor Bolsonaro, é sabedor que militar não pode participar daquele tipo de ato. Ou seja, tanto um quanto o outro, sabiam que estava em curso a quebra da hierarquia e da disciplina militar, mas ainda assim, não se deram por achados.

Sem alternativa diante da clareza do ato de insubordinação, o comandante do Exército abriu o competente inquérito para apurar e punir o general, concluindo por não puni-lo a fim de evitar o agravamento da crise. 

Acatou a ordem do presidente que segundo a imprensa  em um pernoite após uma suposta inauguração de ponte de madeira de cerca de vinte metros nos confins da floresta amazônica, teria dito, sugerido ou admoestado o comandante do exército brasileiro que não gostaria que o general Pazuello fosse punido pela clara quebra de hierarquia e disciplina?

Terá sido a última concessão à quebra de hierarquia e disciplina ou daqui para frente será comum generais da ativa subirem em palanque e até fazerem política?

A decisão do Comando do Exército  de não punir o general Pazuello, acatando os parcos argumentos de que mesmo não poderia recusar o convite presidencial para subir no palanque juntamente com decisão do presidente de nomear  o general para outro cargo palaciano comprova, mais uma vez, o cerco político contra as Forças Armadas. 

Não tenho qualquer dúvida que o presidente da República pretende a aniquilação das Forças Armadas quando estas mostraram que não seriam “alugadas” como milícia privada pelo chefe da nação e por isso fica a todo momento espezinhando os generais que respeitam a Constituição.

A inusitada situação em o comandante supremo das Forças Armadas, conforme dicção do artigo 142 da Constituição Federal, é o seu principal inimigo e trabalha, incansavelmente, para a sua destruição, reclama dos demais poderes constituídos, notadamente do Congresso Nacional, que adotem medidas urgentes no sentido de protegê-las, sob pena de ocorrer no Brasil o que ocorreu na Venezuela no período chavista. 

Ora, a conclusão do Comando do Exército de não punir o general Pazuello é a prova cabal da incapacidade das Forças Armadas reagirem sozinhas ao cerco que faz seu comandante contra seu papel institucional e manterem seus pilares.

O Congresso Nacional deveria ficar atento não apenas a esta, mas as diversas outras demonstrações de indisciplinas que vêm ocorrendo nas Forças Armadas e nas forças auxiliares. Existe um movimento orquestrado por trás disso que pretende atentar contra a democracia brasileira muito mais cedo do que muitos imaginam. 

O Brasil precisa que as Forças Armadas cumpram o seu papel institucional. 

Abdon Marinho é advogado.