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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Segunda-feira, 25 de Novembro de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho


CALA BOCA JÁ MORREU! OU NÃO.

Por Abdon Marinho. 

ARTISTAS sobem ao palco de importante festival de música e, ovacionados, fazem proselitismo político a favor de seu candidato – e contra outro. O partido do político que sentiu-se ofendido vai à Justiça Eleitoral reclamar de campanha política antecipada. 

Provocada, a Justiça Eleitoral, por um dos seus ministros plantonistas, determina que sejam cessados os proselitismos políticos, sob pena de pesadas multas aos organizadores do festival. 

A decisão do ministro parece que teve efeito contrário e acirrou ainda mais os ânimos com diversos artistas reiterando na prática, diversos outros indo ao maior palco do mundo, as redes sociais, protestarem contra o que entenderam como censura à livre manifestação do pensamento e outros, ainda mais desafiadores – e ricos –, se oferecendo para pagarem as multas impostas pela Justiça. 

Diante da vasta repercussão negativa, o partido autor da ação desistiu e o ministro arquivou o caso. 

Falando ao seu público, mas sem declinar nomes, o presidente da República “mandou” que ministros do Supremo Tribunal Federal – STF, calassem a boca. 

A semana que passou registrou, ainda, um breve conflito entre a Câmara dos Deputados e o STF por conta da determinação de um ministro para que um deputado federal passasse a usar tornozeleira eletrônica, supostamente por infringir medidas restritivas anteriormente impostas pela suposta prática de crime que ele (deputado) alega ter sido apenas “livre manifestação do pensamento”.

Após desaforos de lado a lado, empurra-empurra, uma tentativa frustrada de determinar que a Polícia Federal fosse à Câmara dos Deputados fazer cumprir a determinação e à presidência da Casa protestar, o ministro impôs pesada multa ao parlamentar e bloqueio de ativos até que a decisão fosse cumprida. 

O deputado cedeu e passou a usar a tornozeleira. 

Antes do início do fim da semana, com apenas dois votos contrários, o plenário só STF, confirmou as medidas restritivas impostas pelo ministro. 

O STF, atendendo a cobranças diversas, já marcou o julgamento para enfrentar a questão de fundo envolvendo o parlamentar para o dia 20 de abril, numa infeliz coincidência, data do aniversário de Hitler, o exemplo mais clássico de que se é possível destruir a democracia e a liberdade utilizando os próprios instrumentos da democracia e da liberdade. 

No julgamento, o Supremo terá que enfrentar questões como, a liberdade de expressão, a inviolabilidade das imunidades parlamentares, entre outras questões conexas a elas. 

Certamente a decisão não será do agrado de todos, até porque, do lado de fora daquela corte, a decisão já se encontra tomada, conforme a conveniência política de cada um, por juristas, políticos e pela “militância” de todos os lados. 

Já tratamos deste assunto anteriormente e voltaremos a ele lá na frente, talvez por ocasião da decisão da Corte. 

Por hoje trataremos das questões genéticas envolvendo o tema. 

O Brasil, não é de hoje, vem passando por um processo agudo de intolerância às opiniões contrárias. 

Não falo apenas do mau hábito das autoridades, quaisquer que sejam elas, em relação às críticas ofertadas pelos administrados à sua gestão, mas, também, dos próprios cidadãos em relação as opiniões dos outros. 

Hoje já não podemos agir com a simples pureza de uma criança e dizer que “o rei está nu” quando assim estiver, sem atrair para si o ódio e a intolerância do próprio rei, seus cupinchas e, até mesmo, dos seus partidários. 

Assim assistimos governantes festejarem os próprios fracassos como se estivéssemos diante de grandes feitos. 

Certa vez atrai a ira de alguns por ter criticado um governo que passava em revista carros-pipas como um grande feito para a solução para o problema da falta d’água na capital do estado.

Fiz uma pergunta óbvia. 

Indaguei se não haveria mais méritos se os governos, ao invés de carros-pipas, tivesse disponibilizado água tratada e com frequência para a população. 

Ao festejarem os carros-pipas não estariam celebrando a própria inoperância do governo que não proveu a água para os lares na forma correta, em suas torneiras? 

Outra vez, já em outro governo e de oposição ao anterior, a ira, também, se deu por criticar aquilo que festejam como méritos mais que entendo serem atestados de fracassos. 

No caso, o governo celebrava o fato de ter aumentado em X vezes o número de restaurantes populares, onde a população menos favorecida pode alimentar-se, e com qualidade, por um valor módico, acho que um real. 

A indagação que fiz foi se não seria bem melhor ter desenvolvido a economia para que a população pudesse comprar sua própria comida ao invés de, tangida pela necessidade, precisar ser socorrida pelo Estado nos restaurantes populares?

Em ambos os casos, em governos distintos, as críticas não se dirigiram às medidas em si. Todos sabemos que prover água para a população, assim como disponibilizar alimentos a um povo empobrecido é fundamental, necessário e até um ato de generosidade, as críticas foram, são e serão, pelo fato daqueles governos festejarem como “feitos” algo que, na verdade, são fracassos governamentais. 

Algum dia, talvez esmiucemos estas visões distorcidas dos governos e governantes e porque deveríamos combatê-las, o texto de hoje, entretanto, é para ressaltar que mesmo críticas, que na verdade são constatações óbvias, de uns tempos para cá, ferem suscetibilidades, o cidadão comum, não engajado, deve privar-se de fazê-las sob o risco de ser colocado no “índex dos inimigos públicos” e sofrer toda sorte de perseguição. 

Observe que a Constituição da República coloca como um dos primeiros direitos e deveres individuais a livre manifestação do pensamento: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”, art. 5º, IV. 

Esse direito, conforme se verifica nos incisos seguintes, embora permitindo a livre manifestação do pensamento, não isenta o “manifestante” de responsabilidades, tanto assim que garante aos “ofendidos” a reparação por dano moral, material ou à imagem, além do direito de resposta proporcional ao agravo. 

Essa, também, uma das razões para, no livre exercício da manifestação do pensamento, ser vedado o anonimato. 

Observo que passados mais de três décadas da promulgação da constituição federal, o Brasil ainda “patina” na interpretação de uma das suas principais conquistas – e os fatos aí estão para comprovar –, que é a livre manifestação do pensamento.

Tal situação, aliada à interpretação “conforme o interesse”, congestiona o Poder Judiciário com infinitas demandas do tipo, ou, pior, submete o país a uma espécie de censura judiciária permanente, visando ocultar dos olhos do público os desvios ou mesmo servindo para inflar os egos dos pequenos ditadores. 

Chovem os exemplos de autoridades que parecem só possuírem duas ocupações na vida: aliviar as “burras das viúvas” e oferecerem demandas contra aqueles que os denunciam. 

Os pequenos ditadores – pequenos não no tamanho mas na estatura moral –, não se cansam demonstrarem o desapreço pelo debate de ideias ou em aceitarem críticas. Agem como se nunca errassem ou como se estivessem imunes às críticas por seus erros.

Situação pior só mesmo aquela em que os que aviltam a lei são os que deveriam e teriam o dever funcional de a defender. 

A insegurança jurídica numa questão tão fundamental fragiliza o exercício da cidadania plena e, por consequência, a própria democracia. 

Isso sem falar naqueles cidadãos que, covardes de nascença, preferem o cômodo silêncio em nome da não perseguição ou de receber as migalhas que caem das mesas dos poderosos. 

São, principalmente, estes atos de autocensura que tornam mais distante o sonho de uma nação livre, igualitária, proba, respeitadora da cidadania e onde os cidadãos possam dizer sem qualquer receio: “cala boca já morreu, quem manda na minha boca sou eu”.

Por enquanto ainda estamos naquela: “cala boca já morreu ou não”. 

Abdon Marinho é advogado.