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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Sábado, 23 de Novembro de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho


Um candidato improvável. 

Por Abdon C. Marinho*.

 

QUANDO se aproximava do fim o ano de 1998 recebi do amigo Juarez Medeiros, de quem fui chefe de gabinete na Assembleia Legislativa do Maranhão e depois na COLISEU (Companhia de Limpeza de Serviços Urbanos de São Luís) a proposta para adquirir uma propriedade que ele recebera em uma permuta com o amigo comum Alberto Carneiro localizado no Povoado Quinta, São José de Ribamar.

 

Não tinha necessidade ou a ideia de comprar um imóvel e muito menos morar na zona rural da ilha. Aceitei o desafio para ajudar o amigo (que a época se preparava para ingressar na carreira de promotor de justiça) mas, com a intenção de vender o quanto antes. 

 

O próprio Juarez, em uma folha de chamex, com sua inconfundível caligrafia escreveu os termos do contrato. 

 

Era apenas um terreno com muitas jaqueiras, mangueiras e outras arvores e uma casinha que era ocupada pelo caseiro. 

 

Passados seis ou oito meses sem conseguir vender o imóvel resolvi “dar uma arrumada” para passar os finais de semana. Depois quatro ou cinco finais de semana no sitio decidi “ir ficando” por lá, onde continuo até hoje.

 

Devo dizer, entretanto, que esse não é o assunto desse texto. 

 

Já vivia no sitio dois ou três anos, quando um dos caseiros me disse que alguém de nome Mulato queria falar comigo. Disse que tudo bem, poderia aparecer em um dos finais de semana pelo sítio. 

 

Um sábado qualquer pelo começo dos anos 2000, apareceu-me o Mulato que até então não sabia o que queria comigo e que o que tinha de informações sobre o mesmo é que morava na invasão nas proximidades da Quinta chamada Cidade Alta e que tinha algum envolvimento comunitário. 

 

O sitio ainda não possuía muro e eu estava deitado numa rede na varanda quando aproximou-se da cancela e disse que podia chegar-se. 

 

Era um rapazote com pouco mais de vinte anos, uns dez (ou pouco mais) a menos que eu. Perguntei-lhe o que queria e disse que queria me conhecer, sabia que era advogado, que tinha experiência com politica – naquela época já estava com meu escritório de advocacia e já  passara pela assessoria de Juarez na Assembleia, pela COLISEU, pelo trabalho na campanha de Conceição em 1992, pela campanha de Cafeteira em 1994 e 1998, pela campanha de Castelo em 1996, pela de Ricardo Murad em 2000 e 2002 –, queria trocar ideias comigo e, se possível, aprender alguma coisa. 

 

Fiquei surpreso com o assunto, mas a partir daquele dia passamos a trocar algumas ideias sobre a politica no estado, na cidade, as nossas visões de mundo. Acho que foi nesse mesmo encontro que me disse do desejo de ser político, quiça prefeito do município.

Continuamos a manter contato e sempre que tínhamos oportunidade trocávamos algumas ideias sobre os acontecimentos do momento.

 

Passados alguns anos Mulato me liga e diz pede para passar no escritório para falar comigo. Quando chegou disse-me o assunto: queria que lhe emprestasse um mil ou um mil e quinhentos reais para abrir uma galeteria. 

 

Disse-lhe: –– Ô Mulatinho não posso lhe emprestar o dinheiro por dois motivos: quem empresta dinheiro corre o risco de perder o amigo e/ou o dinheiro ou as duas coisas. Não quero nem uma coisa, nem outra, nem as duas.

 

Apesar disso acabei por fazer o empréstimo – que recebi um ano e pouco depois –, e me tornei freguês do galeto do Mulatinho nos finais de semana. Só ligava e/ou mandava mensagem e pedia um galeto que mandava deixar ou ia ele mesmo deixar aproveitando essas oportunidades para conversar um pouco. 

 

O tempo passou, o Mulatinho “passou” a galeteria, em uma eleição foi candidato a vereador, não conseguindo êxito para eleger-se, em alguns momentos as vissitudes da politica colocaram-nos em discordância, mas sem que a amizade fosse afetada, dizia que discordava e pronto.

 

No inicio do ano presente me procurou lá no sitio para dizer-me que seria candidato a prefeito e me atualizar sobre as diversas tratativas que teria participado nos últimos tempos mas que não deram certo sobretudo por motivos diversos; que seria candidato por um partido diverso daquele pelo qual militara entre outras coisas.

 

Disse-lhe que achava salutar sua candidatura e que pessoas com a nossa origem não podem aguardar que os donos do poder, os ricos “abram” espaços para os nossos sonhos e propósitos, que nós que devemos buscar nossos espaços e “forçar” as portas se quisermos entrar.

 

Em julho Guilherme me procurou novamente queria saber da possibilidade de fazer a convenção do seu partido no meu sítio. Não é uma ideia que tenha gostado. Os meus finais de semana sequer gosto de sair de casa, costumando me dedicar ao ócio, a leitura, a escrita, a ouvir música e as tarefas domésticas. 

 

Em um momento de bobagem acabei concordando em alugar o espaço para o partido – não pelo dinheiro –, mas para evitar problemas futuros com a legislação eleitoral.

 

No dia da convenção, pela manhã, enquanto arrumavam o ambiente e comíamos uma farofa de ovo com linguiça, fazíamos um retrospecto (parte dos fatos ele me lembrou) e internamente ia pensando no quando de improvável que tinha essa candidatura de Mulato. Um rapaz crescido numa invasão, “galeteiro” e, de repente, candidato a prefeito da cidade. Não de qualquer município, mas da terceira maior do estado.

 

Numa análise sobre a conjuntura do país em um momento em que a democracia é sempre colocada em xeque vejo o quanto de inspirador é o legado de tal projeto politico e porque ela (a democracia) precisa ser defendida pelos cidadãos de bem: para possibilitar que qualquer um, qualquer do povo, apenas dependendo do próprio esforço possa chegar a onde quiser. 

 

Trata-se, por óbvio, ainda mais nos dias de hoje em que a política tornou-se ante de qualquer coisa, um negócio, uma candidatura improvável. 

 

Ninguém espera que um filho da periferia, um favelado, um ex-galeteiro seja candidato a prefeito, quando muito é chamado para ser “bucha de canhão” numa candidatura a vereador, para compor o quociente eleitoral. 

 

Por isso que a democracia é inspiradora. 

 

Nesse mesmo dia (da convenção) eu dizia a ele: –– Olha, Mulatinho, independente do resultado do pleito, de qual posição você vai chegar, você já é um vitorioso. A sua vitória é ter chegado até aqui, é não ter se curvado à vontade dos poderosos, não ter se “vendido” por algumas moedas, empregos ou promessas, e ter aceitado o desafio de, sem dinheiro, sem apoio de grandes políticos, das grandes máquinas partidárias, dos grupos econômicos, sair candidato. 

 

Em São José de Ribamar a disputa dar-se entre o atual prefeito, Dr. Julinho (que foi meu professor no Cursinho do Professor José Maria do Amaral, no final da década de oitenta), que faz uma administração bem avaliada, segundo algumas pesquisas que tive acesso; o  presidente da Câmara Municipal, Dudu Diniz, que tem o apoio da presidente da Assembleia Legislativa e do Governo Estadual, tendo arregimentado, esses dois chefes de poderes para sua convenção; o Guilherme Mulato; e mais dois outros que possuem alguma tradição pessoal ou de parentesco com a política. 

 

Sair candidato em situação tão adversa é uma vitória. A vitória da ousadia

 

Abdon C. Marinho é advogado.