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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Sexta-feira, 29 de Novembro de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho

A TERATOLOGIA, O APARELHAMENTO E O QUINTO.

Por Abdon Marinho. 

INDEPENDENTE do “Fla x Flu” presente em todos os aspectos da vida do país, dificilmente você encontra alguém que ache a decisão do desembargador Rogério Favreto, de soltar o ex-presidente Lula, condenado em duas instâncias, correta. Ao contrário, já existe uma quase unanimidade – exceto pelos aluados –, que estão convictos em tachá-la de teratológica, ou seja, absurda, contrária à lógica, ao bom senso.

E, à medida que o tempo passa e vão se descortinando os bastidores da “estudantada” que constrangeu o país, o que, apenas parecia uma decisão a ser inscrita nos manuais dos cursos de direito como exemplo de teratologia, vai ganhando contornos de algo mais: crime. Ou melhor, uma trama criminosa, milimetricamente articulada e envolvendo diversos atores. 

A trama, segundo leio em prestigiados veículos de comunicação, teria surgido a partir de uma iniciativa do próprio desembargador, que, através de amigo comum, avisara a um dos impetrantes da ordem, que seria o plantonista do TRF4, fazendo entender que expediria o alvará de soltura do ex-presidente, bastando que lhe fosse pedido e a que argumento fosse – ainda que visse com uma receita de bolo.  

Ainda, segundo a fonte, toda a alta cúpula do partido e os advogados do condenado – e até o próprio –, sabiam o que estava sendo planejado.

Os fatos levantados durante o domingo e nos dias seguintes atestam serem verdadeiras estas informações. 

Para Curitiba acorreram importantes figuras do partido, deputados, senadores, lideranças de movimentos sociais, etc.; assim como vídeos saudando a soltura e manifestações de lideranças políticas. 

Não tenho motivos para desconfiar que um atentado tão grave à dignidade da justiça, com tantos preparativos prévios não contasse com a ciência do desembargador plantonista. Até porque, a concessão da ordem de soltura, desafiava (e desafia) o ordenamento jurídico: não apenas o Regimento Interno daquele tribunal, mas a expressa recomendação do Conselho Nacional de Justiça. 

Isso quer dizer, simplesmente, que a autoridade era absolutamente incompetente. Um juízo plantonista não poderia passar por cima de decisões de órgãos colegiados que já decidira a matéria. Mais que isso, que a matéria já estava fora da alçada do tribunal.

A incompetência do desembargador plantonista era patente, não admitindo qualquer juízo de dúvida. E foi isso que a presidente do Superior Tribunal de Justiça - STJ, deixou claro a afirmar a incompetência e  dizer “estranhar” que o plantonista tenha acatado tal pedido. 

Assim, não restam dúvidas de que se tratou de aviltante atentado à democracia brasileira, com o claro propósito de desmoralizar o Poder Judiciário. 

Não precisa de muita indagação, a matéria é de fácil compreensão, qualquer pessoa – até mesmo aquela com apenas um neurônio –, é capaz de entender que um plantonista não poderia conceder uma ordem, passando por cima de decisões colegiadas do mesmo tribunal, sobretudo, diante da certeza que de que idênticos pedidos já foram rejeitados por instâncias superiores da Justiça e pelo próprio tribunal. 

Apenas para efeito de ilustração, li em algum lugar que a defesa do condenado, apenas neste processo, para o qual cumpre a pena de doze anos e um mês, já intentou mais de uma centena de recursos, apelos, embargos e o que os valha, sendo todos negados. Outro dia, inclusive, cheguei a observar que o ex-presidente já pediu tanta coisa à Justiça que logo mais não teria nada a pedir.

Pois bem, assim como qualquer um, bastando um pouco de bom senso, seria capaz de compreender o despropósito da decisão do desembargador plantonista, ele, mais ainda, tenho certeza, sabia que a sua ação era descabida. 

Por isso mesmo, entendo que estamos diante de um caso claro de um juiz que foi “sequestrado” por um militante. 

Isso mesmo, o desembargador do TRF4, que passou quase duas décadas como filiado e militante ativo do Partido dos Trabalhadores - PT, esqueceu – ou quis esquecer –, que recebe do contribuinte para servir a Justiça e ao país e não para prestar serviço ao antigo patrão. Talvez, aqui uma mera especulação, um agradecimento por estar onde jamais chegaria por esforço próprio.

A decisão do plantonista não foi uma decisão de alguém que ocupa uma digna função de magistrado, mas sim, a tarefa de um militante a o líder máximo da seita pelo qual muitos não medem esforço ou consequência. Ainda que em prejuízo da vergonha própria e do constrangimento da nação. 

Assim como o militante deu a decisão que não podia, com a mesma ausência de pejo, foi às rádios defender o absurdo que acabara de cometer e pior, ameaçar a autoridade policial se aquela  não desse imediato cumprimento a ordem ilegal, imoral e absurda. 

Assim, aqui chegamos e o país tem desnudo, diante de si, aquilo que sempre denunciei: o aparelhamento do Estado pelo partido que ocupou o poder de 2003 a 2016. Durante estes anos foram inserindo os “seus” nas posições chaves do Estado para que, em situações como estas, prestem o serviço ao partido e não ao contribuinte que lhes pagam os salários. 

Estamos diante de uma prova inquestionável de “aparelhamento” do judiciário por um partido político. Tanto que para servir ao partido e não a nação, com desassombro incomum, burlando a própria lei, tentou soltar um condenado pelo mesmo tribunal onde trabalha, emitindo no mesmo dia, em espaço de horas, três ordens de solturas, exigindo por telefone o cumprimento da mesma e ameaçando a todos, e até indo à rádio fazer proselitismo tosco. 

Não duvido se acabasse por comparecer a algum evento para comemorar a soltura do líder  e confraternizar com o condenado que determinara a soltura. 

O espetáculo oferecido pelo desembargador plantonista do TRF4, suscitou, acredito que precipitadamente, questionamentos quanto à existência do quinto constitucional. 

O quinto,  para os que não sabem, é a determinação constitucional prevista no Art. 94, que estabelece: “Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios será composto de membros, do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes”. 

Simplificando: um quinto das vagas destes tribunais são preenchidas, alternadamente, por membros da Advocacia e do Ministério Público, nas condições estabelecidas. 

Entendo que o quinto constitucional é uma conquista da sociedade e, diferente do que certos juízos precipitados defendem, está longe, muito longe, de ser o responsável pelas maiores e mais  danosas mazelas do Poder Judiciário nacional. 

Apesar de termos assistido um claro mau exemplo de “aparelhamento” vindo de alguém que passou a integrar o tribunal a partir do quinto, é certo também, que outros idênticos ou maiores absurdos são praticados por magistrados de carreira. 

Na maior parte das vezes o que falta é caráter onde sobra ambição e o desejo de enricar do dia para noite. 

Não é a forma de ingresso que faz o “distingue”, até porque existem condições objetivas a serem preenchidas para que ocorra a investidura. 

Se uns e outros descuram de suas obrigações – tantos os oriundos da carreira quando os oriundos do quinto –, isso ocorre pela falta de fiscalização dos órgãos de controle e a quase certeza da impunidade. 

Não pode ser sério um país que pune falta grave dos seus com uma aposentadoria compulsória com vencimentos integrais. Isso, aliás, soa como um acinte aos cidadãos. 

Noutra quadra, não temos como desconhecer que nos últimos tempos, não apenas a investidura através do quinto como também para as Cortes Superiores têm sido pervertidas por manipulações comandadas pelos “donos do poder” que, à míngua de controle pela sociedade e pelas instituições competentes, inserem no Poder Judiciário pessoas para servi-los e não para servir a sociedade.

O maior exemplo do que digo é a absurda inquietação que provoca a assunção ao mais elevado cargo da Justiça do país alguém que nunca se comportou como um juiz da nação, mais sim como devoto de uma causa. 

A causa dos que não respeitam nem a Justiça nem a Nação. 

Queira Deus que não tenhamos mais dias de tristeza e sobressaltos. 

Abdon Marinho é advogado.