AbdonMarinho - A TERATOLOGIA, O APARELHAMENTO E O QUINTO.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Quarta-​feira, 27 de Novem­bro de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A TER­A­TOLO­GIA, O APAR­EL­HAMENTO E O QUINTO.

A TER­A­TOLO­GIA, O APAR­EL­HAMENTO E O QUINTO.

Por Abdon Mar­inho.

INDE­PEN­DENTE do “Fla x Flu” pre­sente em todos os aspec­tos da vida do país, difi­cil­mente você encon­tra alguém que ache a decisão do desem­bar­gador Rogério Favreto, de soltar o ex-​presidente Lula, con­de­nado em duas instân­cias, cor­reta. Ao con­trário, já existe uma quase una­n­im­i­dade – exceto pelos alu­a­dos –, que estão con­vic­tos em tachá-​la de ter­a­tológ­ica, ou seja, absurda, con­trária à lóg­ica, ao bom senso.

E, à medida que o tempo passa e vão se descorti­nando os basti­dores da “estu­dan­tada” que con­strangeu o país, o que, ape­nas pare­cia uma decisão a ser inscrita nos man­u­ais dos cur­sos de dire­ito como exem­plo de ter­a­tolo­gia, vai gan­hando con­tornos de algo mais: crime. Ou mel­hor, uma trama crim­i­nosa, mili­met­ri­ca­mente artic­u­lada e envol­vendo diver­sos atores.

A trama, segundo leio em pres­ti­gia­dos veícu­los de comu­ni­cação, teria surgido a par­tir de uma ini­cia­tiva do próprio desem­bar­gador, que, através de amigo comum, avis­ara a um dos impe­trantes da ordem, que seria o plan­ton­ista do TRF4, fazendo enten­der que expe­diria o alvará de soltura do ex-​presidente, bas­tando que lhe fosse pedido e a que argu­mento fosse – ainda que visse com uma receita de bolo.

Ainda, segundo a fonte, toda a alta cúpula do par­tido e os advo­ga­dos do con­de­nado – e até o próprio –, sabiam o que estava sendo planejado.

Os fatos lev­an­ta­dos durante o domingo e nos dias seguintes ates­tam serem ver­dadeiras estas infor­mações.

Para Curitiba acor­reram impor­tantes fig­uras do par­tido, dep­uta­dos, senadores, lid­er­anças de movi­men­tos soci­ais, etc.; assim como vídeos saudando a soltura e man­i­fes­tações de lid­er­anças políti­cas.

Não tenho motivos para descon­fiar que um aten­tado tão grave à dig­nidade da justiça, com tan­tos prepar­a­tivos prévios não con­tasse com a ciên­cia do desem­bar­gador plan­ton­ista. Até porque, a con­cessão da ordem de soltura, desafi­ava (e desafia) o orde­na­mento jurídico: não ape­nas o Reg­i­mento Interno daquele tri­bunal, mas a expressa recomen­dação do Con­selho Nacional de Justiça.

Isso quer dizer, sim­ples­mente, que a autori­dade era abso­lu­ta­mente incom­pe­tente. Um juízo plan­ton­ista não pode­ria pas­sar por cima de decisões de órgãos cole­gia­dos que já decidira a matéria. Mais que isso, que a matéria já estava fora da alçada do tribunal.

A incom­petên­cia do desem­bar­gador plan­ton­ista era patente, não admitindo qual­quer juízo de dúvida. E foi isso que a pres­i­dente do Supe­rior Tri­bunal de Justiça — STJ, deixou claro a afir­mar a incom­petên­cia e dizer “estran­har” que o plan­ton­ista tenha acatado tal pedido.

Assim, não restam dúvi­das de que se tra­tou de avil­tante aten­tado à democ­ra­cia brasileira, com o claro propósito de desmor­alizar o Poder Judi­ciário.

Não pre­cisa de muita inda­gação, a matéria é de fácil com­preen­são, qual­quer pes­soa – até mesmo aquela com ape­nas um neurônio –, é capaz de enten­der que um plan­ton­ista não pode­ria con­ceder uma ordem, pas­sando por cima de decisões cole­giadas do mesmo tri­bunal, sobre­tudo, diante da certeza que de que idên­ti­cos pedi­dos já foram rejeita­dos por instân­cias supe­ri­ores da Justiça e pelo próprio tri­bunal.

Ape­nas para efeito de ilus­tração, li em algum lugar que a defesa do con­de­nado, ape­nas neste processo, para o qual cumpre a pena de doze anos e um mês, já inten­tou mais de uma cen­tena de recur­sos, ape­los, embar­gos e o que os valha, sendo todos nega­dos. Outro dia, inclu­sive, cheguei a obser­var que o ex-​presidente já pediu tanta coisa à Justiça que logo mais não teria nada a pedir.

Pois bem, assim como qual­quer um, bas­tando um pouco de bom senso, seria capaz de com­preen­der o despropósito da decisão do desem­bar­gador plan­ton­ista, ele, mais ainda, tenho certeza, sabia que a sua ação era descabida.

Por isso mesmo, entendo que esta­mos diante de um caso claro de um juiz que foi “sequestrado” por um mil­i­tante.

Isso mesmo, o desem­bar­gador do TRF4, que pas­sou quase duas décadas como fil­i­ado e mil­i­tante ativo do Par­tido dos Tra­bal­hadores — PT, esque­ceu – ou quis esque­cer –, que recebe do con­tribuinte para servir a Justiça e ao país e não para prestar serviço ao antigo patrão. Talvez, aqui uma mera espec­u­lação, um agradec­i­mento por estar onde jamais chegaria por esforço próprio.

A decisão do plan­ton­ista não foi uma decisão de alguém que ocupa uma digna função de mag­istrado, mas sim, a tarefa de um mil­i­tante a o líder máx­imo da seita pelo qual muitos não medem esforço ou con­se­quên­cia. Ainda que em pre­juízo da ver­gonha própria e do con­strang­i­mento da nação.

Assim como o mil­i­tante deu a decisão que não podia, com a mesma ausên­cia de pejo, foi às rádios defender o absurdo que acabara de come­ter e pior, ameaçar a autori­dade poli­cial se aquela não desse ime­di­ato cumpri­mento a ordem ile­gal, imoral e absurda.

Assim, aqui cheg­amos e o país tem desnudo, diante de si, aquilo que sem­pre denun­ciei: o apar­el­hamento do Estado pelo par­tido que ocupou o poder de 2003 a 2016. Durante estes anos foram inserindo os “seus” nas posições chaves do Estado para que, em situ­ações como estas, prestem o serviço ao par­tido e não ao con­tribuinte que lhes pagam os salários.

Esta­mos diante de uma prova inques­tionável de “apar­el­hamento” do judi­ciário por um par­tido político. Tanto que para servir ao par­tido e não a nação, com desas­som­bro inco­mum, bur­lando a própria lei, ten­tou soltar um con­de­nado pelo mesmo tri­bunal onde tra­balha, emitindo no mesmo dia, em espaço de horas, três ordens de solturas, exigindo por tele­fone o cumpri­mento da mesma e ameaçando a todos, e até indo à rádio fazer pros­elit­ismo tosco.

Não duvido se acabasse por com­pare­cer a algum evento para comem­o­rar a soltura do líder e con­frat­er­nizar com o con­de­nado que deter­mi­nara a soltura.

O espetáculo ofer­e­cido pelo desem­bar­gador plan­ton­ista do TRF4, sus­ci­tou, acred­ito que pre­cip­i­tada­mente, ques­tion­a­men­tos quanto à existên­cia do quinto con­sti­tu­cional.

O quinto, para os que não sabem, é a deter­mi­nação con­sti­tu­cional pre­vista no Art. 94, que esta­b­elece: “Um quinto dos lugares dos Tri­bunais Region­ais Fed­erais, dos Tri­bunais dos Esta­dos, e do Dis­trito Fed­eral e Ter­ritórios será com­posto de mem­bros, do Min­istério Público, com mais de dez anos de car­reira, e de advo­ga­dos de notório saber jurídico e de rep­utação ilibada, com mais de dez anos de efe­tiva ativi­dade profis­sional, indi­ca­dos em lista sêx­tu­pla pelos órgãos de rep­re­sen­tação das respec­ti­vas classes”.

Sim­pli­f­i­cando: um quinto das vagas destes tri­bunais são preenchi­das, alter­nada­mente, por mem­bros da Advo­ca­cia e do Min­istério Público, nas condições esta­b­ele­ci­das.

Entendo que o quinto con­sti­tu­cional é uma con­quista da sociedade e, difer­ente do que cer­tos juí­zos pre­cip­i­ta­dos defen­dem, está longe, muito longe, de ser o respon­sável pelas maiores e mais danosas maze­las do Poder Judi­ciário nacional.

Ape­sar de ter­mos assis­tido um claro mau exem­plo de “apar­el­hamento” vindo de alguém que pas­sou a inte­grar o tri­bunal a par­tir do quinto, é certo tam­bém, que out­ros idên­ti­cos ou maiores absur­dos são prat­i­ca­dos por mag­istra­dos de car­reira.

Na maior parte das vezes o que falta é caráter onde sobra ambição e o desejo de enricar do dia para noite.

Não é a forma de ingresso que faz o “dis­tingue”, até porque exis­tem condições obje­ti­vas a serem preenchi­das para que ocorra a investidura.

Se uns e out­ros des­cu­ram de suas obri­gações – tan­tos os ori­un­dos da car­reira quando os ori­un­dos do quinto –, isso ocorre pela falta de fis­cal­iza­ção dos órgãos de con­t­role e a quase certeza da impunidade.

Não pode ser sério um país que pune falta grave dos seus com uma aposen­ta­do­ria com­pul­sória com venci­men­tos inte­grais. Isso, aliás, soa como um acinte aos cidadãos.

Noutra quadra, não temos como descon­hecer que nos últi­mos tem­pos, não ape­nas a investidura através do quinto como tam­bém para as Cortes Supe­ri­ores têm sido per­ver­tidas por manip­u­lações coman­dadas pelos “donos do poder” que, à mín­gua de con­t­role pela sociedade e pelas insti­tu­ições com­pe­tentes, inserem no Poder Judi­ciário pes­soas para servi-​los e não para servir a sociedade.

O maior exem­plo do que digo é a absurda inqui­etação que provoca a assunção ao mais ele­vado cargo da Justiça do país alguém que nunca se com­por­tou como um juiz da nação, mais sim como devoto de uma causa.

A causa dos que não respeitam nem a Justiça nem a Nação.

Queira Deus que não ten­hamos mais dias de tris­teza e sobres­saltos.

Abdon Mar­inho é advo­gado.